A CÓLERA DIVINA
Quando fui ferida,
por Deus, pelo Diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei -
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos,
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido
demora um pouco a latir,
a festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar
Por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
uma tênue sombra ainda cobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.
- Adélia Prado, do livro "O pelicano", em 'Poesia
Reunida', Rio de Janeiro:
Editora Siciliano, 1991, p. 338.
A PACIÊNCIA E SEUS LIMITES
Dá a entender que me ama,
mas não se declara.
Fica mastigando grama,
rodando no dedo sua penca de chaves,
como qualquer bobo.
Não me engana a desculpa amarela:
‘Quero discutir minha lírica com você’.
Que enfado! Desembucha, homem,
tenho outro pretendente
e mais vale para mim vê-lo cuspir no rio
que esse seu verso doente.
- Adelia Prado, em "Miserere". São Paulo: Editora
Record, 2013.
Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz
bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de
Deus em Divinópolis." - Carlos Drummond de Andrade.
ADÉLIA LUZIA PRADO FREITAS poeta, romancista e dramaturga,
nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935. Filha do
ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Leva uma vidinha
pacata naquela cidade do interior: inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre
Matias Lobato e mora na Rua Ceará.
No ano de 1950 falece sua mãe. Tal acontecimento faz com que
a autora escreva seus primeiros versos. Nessa época conclui o curso ginasial no
Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração, naquela cidade.
No ano seguinte inicia o curso de Magistério na Escola
Normal Mário Casassanta, que conclui em 1953. Começa a lecionar no Ginásio
Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho em 1955.
Em 1958 casa-se, em Divinópolis, com José Assunção de
Freitas, funcionário do Banco do Brasil S.A. Dessa união nasceriam cinco
filhos: Eugênio (1959), Rubem (1961), Sarah (1962), Jordano (1963) e Ana
Beatriz (1966).
Antes do nascimento da última filha, a escritora e o marido
iniciam o curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Divinópolis.
Em 1972 morre seu pai e, em 1973, forma-se em Filosofia.
Nessa ocasião envia carta e originais de seus novos poemas ao poeta e crítico
literário Affonso Romano de Sant’Anna, que os submete à apreciação de Carlos
Drummond de Andrade.
“Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos
anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarisse. Esta é a minha turma, pensei. Gostam
do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa. Continuava a escrever, mas
enfadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um
dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e
percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, é a minha
fala.” (- Adélia Prado, em "Poesia sempre", Publicado por Ministério
da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro,
1993.).
Seu primeiro livro - Bagagem (1975) - publicado aos 40 anos,
mãe de família com cinco filhos. Carlos Drummond de Andrade leu os originais,
gostou e a proclamou poeta. Afonso Romano de Sant’Anna também gostou e ajudou a
impulsionar sua carreira. A partir daí não parou mais de escrever e de chamar a
atenção dos críticos e o interesse dos leitores.
“Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de
fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da
criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a
experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um
texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de observar formigas
trabalhando.”
O livro é lançado no Rio, em 1976, com a presença de Antônio
Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector,
Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant’Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de
Guimaraens Filho, entre outros.
Estreia em prosa no ano seguinte, com Soltem os cachorros.
Com o sucesso de sua carreira de escritora vê-se obrigada a abandonar o
magistério, após 24 anos de trabalho. Nesse período ensinou no Instituto Nossa
Senhora do Sagrado Coração, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Divinópolis, Fundação Geraldo Corrêa Hospital São João de Deus, Escola Estadual
são Vicente e Escola Estadual Matias Cyprien, lecionando Educação Religiosa,
Moral e Cívica, Filosofia da Educação, Relações Humanas e Introdução à
Filosofia. Sua peça, O Clarão, um auto de natal escrito em parceria com Lázaro
Barreto, é encenada em Divinópolis.
"O transe poético é o experimento de uma realidade
anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu
próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor
do poeta."
Em 1980, dirige o grupo teatral amador Cara e Coragem na
montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. No ano seguinte, ainda
sob sua direção, o grupo encenaria A Invasão, de Dias Gomes. Publica Cacos para
um vitral. Lucy Ann Carter apresenta, no Departament of Comparative Literature,
da Princeton University, o primeiro de uma série de estudos universitários
sobre a obra de Adélia Prado.
Em 1981 lança Terra de Santa Cruz. De 1983 a 1988 exerce as
funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da
Cultura de Divinópolis, a convite do então prefeito Aristides Salgado dos
Santos.
Os componentes da banda é publicado em 1984.
Participa, em 1985, em Portugal, de um programa de
intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, e em Havana,
Cuba, do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América.
Fernanda Montenegro estreia, no Teatro Delfim - Rio de
Janeiro, em 1987, o espetáculo Dona Doida: um interlúdio, baseado em textos de
livros da autora. A montagem, sob a direção de Naum Alves de Souza, fez grande
sucesso, tendo sido apresentada em diversos estados brasileiros e, também, nos
EUA, Itália e Portugal.
Apresenta-se, em 1988, em Nova York, na Semana Brasileira de
Poesia, evento promovido pelo Comitê Internacional pela Poesia. É publicado A
faca no peito.
Participa, em Berlim, Alemanha, do Línea Colorada, um
encontro entre escritores latino-americanos e alemães.
Em 1991 é publicada sua Poesia Reunida. Volta, em 1993, à
Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Divinópolis, integrando a equipe
de orientação pedagógica na gestão da secretária Teresinha Costa Rabelo.
Em 1994, após anos de silêncio poético, sem nenhuma palavra,
nenhum verso, ressurge Adélia Prado com o livro O homem da mão seca. Conta a autora que o livro foi iniciado em
1987, mas, depois de concluir o primeiro capítulo, foi acometida de uma crise
de depressão, que a bloquearia literariamente por longo tempo. Disse que vê
"a aridez como uma experiência necessária" e que "essa temporada
no deserto" lhe fez bem. Nesse período, segundo afirmou, foi levada a procurar
ajuda de um psiquiatra.
"O que se passou? Uma desolação, você quer, mas não
pode. Contudo, a poesia é maior que a poeta, e quando ela vem, se você não a
recebe, este segundo inferno é maior que o primeiro, o da aridez."
Deus é personagem principal em sua obra. Ele está em tudo.
Não apenas Ele, mas a fé católica, a reza, a lida cristã.
"Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de
fé carrega e inclui esta marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à
minha vida, costura minha experiência, me dá horizonte. Acredito que
personagens são álter egos, está neles a digital do autor. Mas, enquanto
literatura, devem ser todos melhores que o criador para que o livro se
justifique a ponto de ser lido pelo seu autor como um livro de outro.
Autobiografias das boas são excelentes ficções."
Estreia, em 1996, no Teatro SESI Minas, em Belo Horizonte, a
peça Duas horas da tarde no Brasil, texto adaptado da obra da autora por Kalluh
Araújo e pela filha de Adélia, Ana Beatriz Prado.
São lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos de maio.
Participa, em maio, da série "O escritor por ele mesmo", no ISM-São
Paulo. Em Belo Horizonte é apresentado, sob a direção de Rui Moreira, O sempre
amor, espetáculo de dança de Teresa Ricco baseado em poemas da escritora.
Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da
literatura. Morando na pequena
Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa
e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a
cozinha, a missa, certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.
"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da
minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade.
É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano
e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em
Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."
Em 2000, estreia o monólogo Dona da casa, em São Paulo,
adaptação de José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa. A direção é de
Georgette Fadel e Élida Marques interpreta Felipa.
Em 2001, apresenta no SESI Rio de Janeiro e em outras
cidades, sarau onde declama poesias de seu livro Oráculos de Maio acompanhada
por um quarteto de cordas.
Dentro do projeto de reedição de toda a obra da autora, foi
lançado em Março de 2006 seu primeiro livro para o público infantil, Quando eu
era pequena (2006). Inspirado na infância da própria Adélia, o livro traz as
lembranças de uma menina do interior durante a Segunda Guerra Mundial. Na vida
simples com os irmãos, vendo o avô cuidar da horta e a mãe cozinhar o almoço,
quando ter um sofá era um luxo e retratos não se tirava pois eram caros demais,
a menina descobre a poesia. E a escritora mostra mais uma vez como as palavras
simples podem emocionar e criar novamente aquilo que o tempo já levou.
Em prosa ou verso, Adélia abre os olhos do leitor para o que
há de sagrado nas coisas mais triviais. Sem prescindir delas, Adélia tornou-se
uma das autoras nacionais mais requisitadas em eventos sobre literatura, no
Brasil ou em países como Cuba, na Alemanha ou nos EUA, e sua obra tornou-se
objeto de estudos em universidades como Princeton. Atualmente, sua obra está
sendo reeditada pela Editora Record.
PRÊMIOS
1978 - Prêmio Jabuti, de Câmara Brasileira do Livro de São
Paulo, pela obra "O coração disparado".
2010 - Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação
Biblioteca Nacional, pelo livro de poesia "A duração do dia".
2014 - Prêmio Griffin Poetry Prize, da Griffin Trust,
Toronto/Canadá.
OBRA
Poesia
Bagagem. Rio de Janeiro: Imago, 1975; São Paulo: Editora
Record, 2007.
O coração disparado.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978; São Paulo: Editora Record, 2006, 108p.
Terra de Santa Cruz. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981;
São Paulo: Editora Record, 2006.
O pelicano. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Dois, 1987,
77p.; São Paulo: Editora Record, 2007.
A faca no peito. ilustração da capa de Marc Chagall, “Les
fiancés” 1927. Rio de Janeiro: Rocco, 1988;
São Paulo: Editora Record, 2007.
Oráculos de maio. São Paulo: Siciliano, 1999; São Paulo: Editora Record, 2007, 135p.
A duração do dia. São Paulo: Editora Record, 2010.
Miserere. São Paulo: Editora Record, 2013, 96p.
Romance
Cacos para um vitral. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980;
São Paulo: Editora Record, 2006.
Os componentes da banda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984; São Paulo: Editora Record, 2006.
O homem da mão seca.
São Paulo: Siciliano, 1994; São Paulo:
Editora Record, 2007.
Manuscritos de Filipa.
São Paulo: Siciliano, 1999; São Paulo:
Editora Record,2007, 138p.
Quero minha mãe. São Paulo:
Editora Record,, 2005.
Conto
Solte os Cachorros. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979;
São Paulo: Record, 2006.
Crônica
Filandras. São Paulo: Record, 2001.
Infantil-juvenil
Quando eu era pequena. São Paulo: Editora Record, 2006.
Carmela vai à escola. São Paulo: Editora Record, 2011, 32p.
Em parceria
A lapinha de Jesus. (poemas) em parceria com Lázaro Barreto.
Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1969.
Chorinho doce. (poesia e arte).. em parceria com Maureen
Bisilliat/ilustrações. São Paulo: Iochpe-Maxion, 1995.
CD - Áudio-poesia
O tom de Adélia Prado. [onde a autora lê poemas do livro
'Oráculos de maio'; trilha sonora de Mauro Rodrigues). Selo: Karmim, 2000.
Adélia Prado - o Sempre
Amor. {poemas extraídos dos livros de poesia: Bagagem (1976), O coração
disparado (1978), Terra de Santa Cruz (1981), O pelicano (1987), e A faca no
peito (1988)}.. [lidos pela autora; trilha sonora de Mauro Rodrigues; e
acompanhada pela Orquestra de Câmara do Sesi Minas, sob a regência do Maestro
Marco Antonio Maia Drummond]. Selo: Karmim, 2003.
OBRA PUBLICADA NO EXTERIOR
Espanhol
:: El Corazón Disparado. (O coração disparado).. tradução
Cláudia Schwartz e Fernando Roy. Buenos Aires: Leviatan, 1994.
:: Bagaje. Bagagem.. tradução José Francisco Navarro.
México: Universidade Ibero-Americana, 2000.
Inglês
:: The Headlong Heart. (O coração disparado).. tradução
Ellen Watson. New York: Livingston University Press, 1988.
:: The Alphabet in the Park. (Selected poems of Adélia
Prado).. tradução Ellen Watson. Middletown: Wesleyan University Press, 1990.
Italiano
:: Poesie.tradução Goffredo Feretto. Genova: Fratelli Frilli
Editore, 2005.
Português
:: Com licença poética. (Antologia). Lisboa: Cotovia, 2003.
:: Solte os cachorros (contos).. Seleção Sabiá. Lisboa:
Cotovia, 2003.
SOBRE O LIVRO "MISERERE"
Com Miserere, Adélia Prado volta à poesia. Neste livro, Adélia, uma das mais importantes poetisas da literatura brasileira, reúne 38 poemas, em que traduz, pela linguagem poética, lembranças de infância, o desejo de desfrutar o presente e dúvidas quanto ao futuro. Miserere aprofunda o sentimento místico e religioso presente na obra da autora. A poetisa mineira traz à sua obra um misto de fé, esperança, busca por piedade, força e sensibilidade. "Maior poeta brasileira viva, ao lado de Ferreira Gullar e Manoel de Barros, Adélia tanto flerta com a metafísica como se atém aos detalhes do cotidiano mas, acima de tudo, aposta na grandeza das pequenas coisas." ― Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, 2010"Pequenas histórias familiares, dramas do dia-a-dia, tudo isso filtrado pelo seu olhar arguto, resulta numa poesia extremamente refinada e bela.” ― Heitor Ferraz, Revista Cult, 2010 Adélia Prado tem mais de 15 títulos publicados pela Record. Bagagem, um de seus títulos, está em sua 33ª edição, com mais de 50 mil exemplares vendidos. Entre seus maiores sucessos, estão Filandras, Oráculos de maio, O coração disparado e Quando eu era pequena, este último ultrapassando o número de 90 mil exemplares.
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