Há
duas semanas talvez, aqui, no Focus Portal Cultural de Alberto Araújo, contei meu
encantamento pelas tapeçarias da Dame à la Licorne, cuja foto vi pela
primeira vez por intermédio de meu pai, guardada no porão de nossa casa em Barra do Piraí.
Para quem não lembra ou não leu meu texto anterior, aqui vão sintéticos traços.
Já
adulta, numa das idas à França para participar de um congresso literário em
Rennes, hospedei-me em Paris, próximo ao Museu de Cluny. Embora fosse bem cedo
e forte o frio, resolvi visitar aquela construção medieval sobre termas
romanas. Estudiosa que sou também da Antiguidade e, sobretudo da Idade Média, aqueci-me, internamente, com o
calor secular da extraordinária arte antiga, preservada em seus salões.
De
repente, estou num enorme ambiente arquitetonicamente redondo com as paredes
circundadas de telas. E lá estava ela, a minha amiguinha da foto guardada no
porão por meu pai. Era a imagem sonhada na meninice, a me olhar. Enorme, a
emoção... da infância revivida. Estava em êxtase, longo, longo tempo. Deitei-me
no chão tão polido e branquinho de mármore por horas a contemplar as seis
tapeçarias de La Dame à la Licorne. Até que um funcionário solicitou-me levantar.
Voltando
ao Brasil contei aos amigos, parentes e aos alunos da UFRJ o espetáculo. Soube
depois que uma das minhas alunas, anos mais tarde, lá repetira a cena. O assunto virou até brincadeira em nossa
casa. Amorosa galhofa com os netos.
Anos
se passaram. Em 2015, Cláudio, meu filho, Noel e Leon, netos, festejaram meus
80 anos em Paris. Chegamos no dia 24 de dezembro a tempo de assistirmos à
festiva missa na Notre Dame junto com a sempre amiga Eliana. Dia 25, feriado,
passeio pelas ruas, os netos tocando músicas natalinas nos bancos das pontes
sobre o Sena, nas esquinas da cidade Luz.
No
dia 26, surpresa. Leon acordou-me com o violão costumeiro e sua belíssima voz
e, após o café, fez-me caminhar, junto com Noel, apenas um quarteirão. Sem que
eu percebesse, nosso hotel situava-se exatamente em outra rua, também a poucos
passos do Musée de Cluny.
E,
quando lá chegamos, meus dois netos taparam-me os olhos. Deixei-me ser
conduzida pelas seguras mão de ambos. Astuciosos, tudo eles programaram. De
olhos vendados já entrei no museu. Sempre amparada pelos dois, subimos escadas,
passamos pelos salões da Grécia antiga, por corredores para mim intermináveis.
Nesse
trajeto, que me pareceu labiríntico, só escutava o doce comando alternado de
ambos. Era tal de “Pera aí, vó, vai ver uma coisa linda”. E de novo passávamos por corredores, subíamos
escadas, e eu a ouvir “Vó, é só mais um pouquinho”. “Já estamos chegando, vó”.
Mas,
ó decepção! A Dame à la Licorne não mais estava no amplo salão redondo, de chão
de mármore de quando sobre ele, faz anos, eu me deitei. Agora, abrigaram-no
numa sala pequena acanhada tão diversa da antiga morada do resplendoroso
ambiente. Os painéis perderam a majestade.
Noel
fez questão de que eu deitasse no chão para contemplar. Mas onde? A pequena e abafada sala com seu piso de
tacos escuros nada dizia para mim. Tampouco, os painéis na parede. “Ou sont
les neiges d´antan? O poeta François
Villon, no século XVI, teria resposta
para mim? E parodiando Machado, mudaram
apenas a posição e o lugar da tapeçaria ou mudara, verdadeiramente, eu, já que
os bordados das cenas eram os mesmos?
Agora,
no meio da exígua sala, só havia um daqueles bancos de madeira, existentes nas
exposições para o visitante
contemplar obras de artes.
Para
agradar meus netos decepcionados, já que planejaram com carinho os detalhes da
surpresa, resolvi deitar-me ali no banco. Eles tiraram a foto – consta do vídeo
montado por Leon, o cineasta da família – ambos consternados com a minha
decepção. Despetalara-se meu sonho.
Eu quis fugir daquela azáfama de turistas já
chegando. Vozes que, futilmente em superficial “falatório”, não traduziam o
conhecimento da reserva atemporal que o Musée de Cluny abrigava. Ignoravam a
dimensão daquelas peças que eu sonhara revê-las no salão redondo com toda a
majestade.
Antes
de sair, fui à funcionária, guardiã do ambiente, saber o porquê daquela
mudança. Sua resposta: no salão redondo,
os painéis ficavam esticados, e a posição, assim circular, deteriorava aquelas
peças de tecidos bem antigos, talvez presentes de casamentos dos fidalgos da
época.
E
para justificar minha surpresa, a responsável foi-me dando outras explicações.
Feita em Flandres (em Bruxelas ou em outra cidade dos arredores, já nos fins da
Idade Média entre1480 ou 1482), a série fora descoberta num castelo no centro
da França. George Sand ao vê-la, deslumbrou-se e defendeu a necessidade de
conservá-la.
Como
papai, com a sensibilidade de esteta, gostaria de ter tido tais informações. E
na minha próxima postagem aqui no Focus Cultural do jornalista Alberto Araújo,
vocês saberão a tão peculiar maneira de meu pai apresentar-me a Baudelaire.
E
há também a história do Bar LILI.
***********************************************
SOBRE
AS TAPEÇARIAS A DAMA E O UNICÓRNIO
A
Dama e o Unicórnio (francês: La dame à la licorne) é o título de um ciclo de
tapeçarias francesas, frequentemente, consideradas como um dos grandes
trabalhos da arte medieval na Europa. Estima-se que tenham sido tecidas no
final do século XV (cerca do ano 1490), em Flandres Os tapetes são geralmente
interpretados como mostrando os seis sentidos - gosto, audição, visão, olfato,
tato e "À mon seul désir" ("Ao meu único desejo" - numa
tradução literal), este último interpretado como o amor ou a compreensão.
Cada
um dos seis tapetes mostra uma senhora nobre e um unicórnio, e alguns incluem
um macaco ou um leão na cena. As flâmulas, bem como os brasões de armas do
Unicórnio e do Leão nos tapetes carregam as armas do nobre que os patrocinou,
Jean Le Viste, poderoso na corte de Carlos VII de França. São feitos no estilo
mille-fleurs.
Os
tapetes foram redescobertos em 1841 por Prosper Mérimée, no castelo de Boussac.
REPRESENTATIVIDADE
DE CADA TAPETE
PALADAR
A
Dama serve-se de um doce num prato, seguro por uma criada. Seus olhos fixos num
papagaio que está apoiado em sua mão esquerda. O leão e o unicórnio estão
deitados atrás delas, como uma moldura à senhora. Um macaco aparece aos pés,
comendo um dos doces.
AUDIÇÃO
A
Dama toca um instrumento sobre uma mesa. A criada jaz em pé do lado oposto,
apoiando-se no instrumento. O leão e o unicórnio também ornam o centro da
figura, mas nesta tapeçaria suas posições estão invertidas - de forma que eles
ficam ao centro da composição.
VISÃO
A
senhora está sentada, segurando em sua mão direita um espelho. O unicórnio está
ajoelhado, com sua pata direita no colo da dama, a quem contempla pelo reflexo
no espelho. O leão está ao lado esquerdo.
OLFATO
A
senhora está de pé, compondo uma grinalda de flores. Sua criada segura uma
cesta de flores, ao seu alcance. Novamente leão e unicórnio ornam a figura,
enquanto o macaco surge, tendo apanhado uma das flores, encerrando assim a
alegoria, cheirando-a.
TATO
A
dama ergue uma das mãos, tocando o chifre do unicórnio, enquanto a outra aponta
para cima. O leão jaz, observando a cena.
A
MON SEUL DÉSIR – AO MEU ÚNICO DESEJO
Esta
tapeçaria é mais larga que as outras, e tem um estilo um pouco diferente. A
senhora se levanta em frente a uma barraca, e na parte superior lê-se: À Mon
Seul Désir ("Ao meu único desejo"). A criada está ao pé, à direita,
abrindo um pequeno baú. A dama está colocando um colar, com o qual aparece nas
demais peças. A sua esquerda um banco com bolsas de moedas. O leão e o
unicórnio estão em suas posições normais.
Esta
tapeçaria tem suscitado diversas interpretações. Uma delas diz que a dama pondo
o colar no baú expressa a renúncia das paixões, despertadas pelos outros
sentidos, e como uma livre afirmação da vontade. Outros dizem que representa o
sexto sentido do entendimento. Outras tantas veem como o amor, ou a virgindade.
MENSAGEM
DE MATILDE CONTI NA POSTAGEM DO TEXTO “CONCLUINDO A HISTÓRIA DA DAMA E O
UNICÓRNIO” DE DALMA NASCIMENTO
“Meu
caro Alberto. Mais um texto magistral da nossa muito querida confreira Dalma
Nascimento. Ela até parece a menina Poliana, série de livros infanto juvenis,
onde as peripécias cometidas pela personagem, todas nos encantam pela singeleza
e seu saber. Assim é a Dalma com seus textos e a sua maravilhosa verve. Encantadas
ficamos e também repletas de muita cultura. Que venham mais e mais textos. Assim,
inigualáveis. Grande abraço saudoso. Gratidão. Muita gratidão.” Matilde – 15-05-22
PARA
MATILDE CONTI - RESPOSTA E AGRADECIMENTO DO ALBERTO ARAÚJO
“Governadora
Matilde, muito bom dia! Que mensagem linda você colocou para a nossa colega nas
Letras e no jornalismo, a competente e admirável Intelectual do Ano 2019,
Título concedido, honradamente, pelo Chanceler do IFEC Dr. Stelling Junior,
insígnia que você também foi agraciada em 2016. Certamente, vocês são as nossas
representantes na Cultura brasileira. Ambas têm "finesse"
inigualável. Sim, a professora Dalma Nascimento é uma expressiva produtora de
textos maravilhosos. Devido à nossa religiosidade aflorada no cristianismo,
somos e seremos os seus discípulos, isso se deve, em primeiro, a mestre sempre
colocar a sua alma e o coração em tudo que faz. E toda pessoa que abraça o
caminho da benevolência e da graciosa afetividade e com toda certeza arraiga as
ilustrações de amor nos corações das pessoas, serão sempre admiradas por nós.
Muito obrigado pelo carinho, muito obrigado pelo seu constante apoio aos nossos
colegas. Isso se chama companheirismo, não existe outra palavra para definir. E
companheirismo é tudo que precisamos nesta vida. Porque todos irmanados com o
carinho e amizade recebidos e ofertados. Sim, certamente, juntos, seremos os
maiores disseminadores do Amor em todo o planeta. Porque o Amor é a mola propulsora
que abarca o coração das pessoas para o mundo da felicidade. Mais uma vez
OBRIGADO!” ALBERTO ARAÚJO.15/05/2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário