No sertão cearense, no alto da Serra da Ibiapaba, onde o vento sopra como canto ancestral e a terra guarda a memória dos que a cultivam, nasceu em 3 de outubro de 1944 um menino chamado Cláudio Aguiar. Filho de agricultor e costureira, cresceu no Sítio Buriti dos Carreiros, em Várzea Formosa (hoje Poranga), em meio às dificuldades de acesso à leitura e aos livros. Mas foi justamente nesse cenário de escassez que germinou a semente de sua vocação: a palavra como instrumento de liberdade, a literatura como território de resistência e sonho.
Aos dez anos, mudou-se para Fortaleza, e mais tarde, em 1962, para Recife, onde estudou no tradicional Ginásio Pernambucano. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Recife em 1971, mas foi na literatura que encontrou sua verdadeira morada. Desde os primeiros contos e peças teatrais, já se percebia a força de uma escrita que não se contentava com o mero registro: era preciso interrogar a realidade, dar voz aos silêncios, transformar a experiência em arte.
Ao longo de mais de cinco décadas de produção, Cláudio Aguiar publicou mais de quarenta livros, romances, ensaios, biografias, teatro e poesia, que se tornaram referência na literatura brasileira contemporânea. Sua obra, traduzida para idiomas como francês, inglês, espanhol e russo, atravessa fronteiras e gerações. Entre os títulos mais marcantes, estão Caldeirão, romance que lhe rendeu os prêmios José Olympio e Nacional de Literatura MEC-INL; A Volta de Emanuel, vencedor do Prêmio Osman Lins; Francisco Julião – Uma Biografia, que lhe deu o Jabuti; além de O Último Romance de Proust, A Última Noite de Kafka e Gueixa, que revelam sua ousadia estética e sua capacidade de dialogar com a tradição literária universal.
Sua escrita é plural: vai do romance histórico ao experimentalismo narrativo, do ensaio biográfico à dramaturgia, sempre com densidade estética e reflexão sobre a condição humana. Em Suplício de Frei Caneca, por exemplo, recupera a memória de um mártir da liberdade; em Os Espanhóis no Brasil, mergulha na história para compreender as raízes de nossa formação; em A Corte Celestial ou Os Anjos Vingadores, explora os limites da ficção como espelho da realidade.
Mas Cláudio Aguiar não é apenas escritor: é também intelectual, articulador cultural e defensor incansável da leitura. Foi presidente do PEN Clube do Brasil entre 2011 e 2020, período em que fortaleceu a instituição como espaço de defesa da liberdade de expressão e de promoção da literatura. É membro da Academia Pernambucana de Letras, da Academia Carioca de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de outras entidades que preservam a memória cultural do país. Sua atuação institucional revela o mesmo compromisso que marca sua obra: a convicção de que a palavra é um bem coletivo, capaz de transformar sociedades.
Ao longo de sua trajetória, recebeu importantes prêmios e distinções, no Brasil e no exterior: o Prêmio Ibero-americano Miguel de Unamuno, o Prêmio Internacional “Cátedra de Poética Fray Luis de León”, da Universidade de Salamanca, o título de Huésped Distinguido da cidade de Salamanca, além do Grande Prêmio PEN Clube do Brasil 2024, pelo conjunto da obra. Reconhecimentos que atestam não apenas a qualidade literária, mas também a relevância cultural e humanista de seu trabalho.
Quando completou 80 anos, Cláudio Aguiar foi celebrado com a exposição “Entre Letras e Sonhos: 80 anos de Cláudio Aguiar”, na Galeria Waldemar Valente, na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. O evento contou ainda com o lançamento do livro Cláudio Aguiar – Vida e Obra Literária, organizado por Rosenberg Cariry. Uma justa homenagem a quem fez da literatura um espaço de diálogo entre memória e futuro, entre o sertão e o mundo.
De origem humilde, Cláudio Aguiar construiu uma carreira marcada pela paixão pela palavra, pelo rigor estético e pelo compromisso com temas relevantes da sociedade. Sua obra é fanal crítico e poético, que ilumina a complexidade da existência humana e reafirma a literatura como gesto de esperança.
Comemorar sua vida é também celebrar a
permanência da palavra: essa força que transforma o tempo em memória, o sonho
em literatura, a experiência em legado. Cláudio Aguiar vive, escreve e sonha e
nos ensina, com coragem e sensibilidade, que a literatura continua sendo o maior
instrumento de liberdade.
POEMA EM VERSO LIVRE A CLÁUDIO AGUIAR
Nasceu no sertão, onde o vento é memória
e a terra guarda o silêncio dos ancestrais.
De mãos humildes, ergueu-se a palavra,
como quem acende uma chama no escuro.
O menino que sonhava com livros
fez da ausência de páginas um impulso,
e da carência, um chamado.
Transformou a vida em literatura,
e a literatura em vida.
Romances, ensaios, biografias,
teatro, poesia —
cada obra um gesto de resistência,
cada frase um farol contra a noite.
Cláudio Aguiar escreve como quem semeia:
lança sementes no tempo,
e delas brotam memórias, histórias, utopias.
Oitenta e um anos depois, sua voz não se cala:
ela atravessa fronteiras,
fala em muitas línguas,
mas nunca esquece o sotaque da infância.
Celebrar sua vida
é celebrar a palavra que liberta,
a coragem que não se curva,
a esperança que insiste.
Cláudio Aguiar vive, escreve e sonha.
E nos ensina, com sua obra,
que a literatura
é sempre um ato de amor,
um ato de liberdade,
um ato de permanência.
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