A CIDADE SITIADA faz parte do conjunto de três romances que Clarice
Lispector escreveu antes de completar 30 anos. O primeiro, Perto do coração
selvagem, foi lançado no ano em que ela se casou 1943, o terceiro, no ano em
que teve o primeiro filho, 1949. O livro A cidade sitiada é ambientado no
subúrbio de São Geraldo, durante a década de 1920, e é neste lugar pouco
atraente que vive Lucrécia Neves, uma jovem simplória que apenas vê a vida
passar... Possui narrativa em terceira pessoa e estrutura linear. Lucrécia e
São Geraldo são inseparáveis e indistinguíveis ao longo da trama. No processo
de buscar conhecer a si mesma, Lucrecia se exterioriza, tudo o que ela sabe de
si é o que ela vê ao seu redor. Até por isso, Clarice não utiliza aqui o fluxo
de consciência. O "ser" não está no pensamento e sim no olhar.
Em 1971,
Clarice Lispector disse ao jornal Correio da Manhã que A cidade sitiada, de
1949, foi seu livro mais difícil de escrever. Talvez porque, na história de
Lucrécia Neves, o talento de Clarice tenha levado à perfeição o paradoxo de
desumanizar ao máximo seus personagens para torná-los visceralmente humanos. A
simplória protagonista Lucrécia, docemente desprovida de raciocínio e/ou de
consciência, é alma gêmea de Macabéa, de A hora da estrela. Lucrécia é apenas o
que ela vê: os cavalos a esmo na suburbana cidade natal de São Geraldo, o morro
do Pasto, o armazém, o sol sem vento da tarde. Lucrécia portanto era São
Geraldo. Sua alma, suas emoções eram o tédio do subúrbio. Ela tinha um vago
desejo de se casar e, por isto, passeava com o tenente Felipe, do qual gostava
da farda militar, mas ele não gostava de São Geraldo, logo não gostaria de
Lucrécia. Saía com Perceu Maria, que desprezava talvez por ser atônito e vazio
como ela. Mas nenhum dos dois a pedia em casamento e, quando a agonia do
coração de Lucrécia batia em descompasso com a modorra da cidade, ela sonhava
com um baile. Um baile com música e danças seria a salvação. Por pura
catatonia, restou a Lucrécia o casamento com Mateus Correia, comerciante rico e
bem mais velho, por iniciativa da mãe, Ana, à qual não oferecera entusiasmo ou
resistência. Depois do casamento, Lucrécia continuou a ver diariamente o
movimento do trânsito, da construção de um viaduto, das aranhas fazendo suas
teias, os mosquitos. Via o marido e suas preocupações domésticas. Amava-o?
Depois da morte de Mateus, Lucrécia, menos sitiada, mas ainda não liberta, vai à
busca de um homem de bom coração. Mas para ela o amor era difícil. Ela não o
via e, portanto, não sabia o que era o amor. A cidade sitiada, como os demais
títulos de Clarice Lispector relançados pela Rocco, recebeu novo tratamento
gráfico e passou por rigorosa revisão de texto, feita pela especialista em
crítica textual Marlene Gomes Mendes.
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