O
CAMINHO PARA A DISTÂNCIA
O
primeiro livro de Vinicius de Moraes já trazia no título o aspecto dramático
que atravessava sua poesia de juventude. Com forte interesse pelas ideias dos
intelectuais católicos e metafísicos do Rio de Janeiro de então, o poeta
investe em longos versos sobre tormentas de sua alma e conflitos espirituais
internos que davam o tom do grupo. Otavio de Faria, América Jacobina Lacombe,
Augusto Frederico Schmidt e Lucio Cardoso eram alguns dos nomes que faziam
parte da vida e das orientações intelectuais do jovem Vinicius.
Com
o primeiro poema publicado em 1932, na revista católica A Ordem, dirigida por
Alceu Amoroso Lima, a carreira de poeta do jovem estudante de Direito do Catete
estava selada, mesmo que ainda de forma tímida. Sua filiação quase completa aos
temas católicos faz de sua estreia um esboço ainda distante do que, logo no
livro seguinte, de 1935, já indica um poeta em deslocamento. Seus versos
partem, aos poucos, rumo a temas mais amplos do que a questão católica. Neste
livro, lemos ainda um poeta que olha o mundo através da fé, sem nunca perder,
porém, o conturbado ponto de vista da alma.
MÍSTICO
O
ar está cheio de murmúrios misteriosos
E
na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização...
Tudo
está cheio de ruídos sonolentos
Que
vêm do céu, que vêm do chão
E
que esmagam o infinito do meu desespero.
Através
do tenuíssimo de névoa que o céu cobre
Eu
sinto a luz desesperadamente
Bater
no fosco da bruma que a suspende.
As
grandes nuvens brancas e paradas —
Suspensas
e paradas
Como
aves solícitas de luz —
Ritmam
interiormente o movimento da luz:
Dão
ao lago do céu
A
beleza plácida dos grandes blocos de gelo.
No
olhar aberto que eu ponho nas coisas do alto
Há
todo um amor à divindade.
No
coração aberto que eu tenho para as coisas do alto
Há
todo um amor ao mundo.
No
espírito que eu tenho embebido das coisas do alto
Há
toda uma compreensão.
Almas
que povoais o caminho de luz
Que,
longas, passeais nas noites lindas
Que
andais suspensas a caminhar no sentido da luz
O
que buscais, almas irmãs da minha?
Por
que vos arrastais dentro da noite murmurosa
Com
os vossos braços longos em atitude de êxtase?
Vedes
alguma coisa
Que
esta luz que me ofusca esconde à minha visão?
Sentis
alguma coisa
Que
eu não sinta talvez?
Porque
as vossas mãos de nuvem e névoa
Se
espalmam na suprema adoração?
É
o castigo, talvez?
Eu
já de há muito tempo vos espio
Na
vossa estranha caminhada.
Como
quisera estar entre o vosso cortejo
Para
viver entre vós a minha vida humana...
Talvez,
unido a vós, solto por entre vós
Eu
pudesse quebrar os grilhões que vos prendem...
Sou
bem melhor que vós, almas acorrentadas
Porque
eu também estou acorrentado
E
nem vos passa, talvez, a ideia do auxílio.
Eu
estou acorrentado à noite murmurosa
E
não me libertais...
Sou
bem melhor que vós, almas cheias de humildade.
Solta
ao mundo, a minha alma jamais irá viver convosco.
Eu
sei que ela já tem o seu lugar
Bem
junto ao trono da divindade
Para
a verdadeira adoração.
Tem
o lugar dos escolhidos
Dos
que sofreram, dos que viveram e dos que compreenderam.
VINICIUS
DE MORAES
Vinicius de Moraes, nascido Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes no Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 e faleceu no Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980), foi um poeta, dramaturgo, jornalista, diplomata, cantor e compositor brasileiro.
Poeta essencialmente lírico, o que lhe renderia o apelido "Poetinha", que lhe teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se pelos seus sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. O Poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida e suas esposas foram, respectivamente: Beatriz Azevedo de Melo (mais conhecida como Tati de Moraes), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nelita de Abreu, Cristina Gurjão, Gessy Gesse, Marta Rodrigues Santamaria (a Martita) e Gilda de Queirós Mattoso.
Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Ainda assim, sempre considerou que a poesia foi sua primeira e maior vocação, e que toda sua atividade artística deriva do fato de ser poeta. No campo musical, o Poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.
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