CINZAS E LEMBRANÇAS CARNAVALESCAS POR MÁRCIA PESSANHA
O Carnaval tem sido objeto de análises, enquanto expressão de um "rito de passagem" ou de "um rito de calendário", conforme conceitua um ensaio do antropólogo Roberto da Matta. E para o filósofo russo Mikhail Bakhtin, o Carnaval constituía simultaneamente em um conjunto de manifestações da cultura popular e um princípio de compreensão holística dessa cultura, em termos de visão do mundo coerente e organizado. Uma manifestação da cultura popular, medieval, envolvendo riso, dialogismo e heterogênese. Nesse sentido, a migração da práxis carnavalesca para a literatura e outras artes é o que ele define como "carnavalização".
É consabido que no período carnavalesco, que apresenta um caráter lúdico festivo, vivencia-se um processo de "hybris", de desmedida, libera-se o corpo para as danças e Dionísio reina. Há a banalização do sério, como já diz a canção de Zé Kéti "Quanto riso, oh! quanta alegria!, mais de mil palhaços..."pois é o reinado da folia, em que as fantasias e máscaras dão uma nova identidade, embora efêmera, aos foliões.
Assim, na música "A noite dos mascarados", de Chico Buarque surgem os versos: "Quem é você? Diga logo / que eu quero saber o seu jogo". Entretanto, depois, o mesmo folião diz para seu par: "Seja você quem for/seja o que Deus quiser"/ Mas é Carnaval/ Não me diga mais quem é você/ Amanhã tudo volta ao normal". E esse disfarce identitário também se faz presente em outra composição de Chico Buarque: "Sonho de um Carnaval", onde se lê: "Carnaval, desengano/ Deixei a dor em casa me esperando/ E brinquei e gritei e fui vestido de rei./ Quarta-feira sempre desce o pano." É uma volta ao tempo dito "normal". Acabou a fantasia. É hora de tirar a máscara carnavalesca. E para finalizar eis alguns fragmentos da "Marcha da quarta-feira de cinzas", de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes: "Ninguém passa mais brincando feliz/E nos corações saudades e cinzas foi o que restou./... Quem me dera viver para ver/ E brincar outros carnavais/ com a beleza do velhos carnavais, que marchas tão lindas!/ E o povo cantando seu canto de paz..."
Márcia
Pessanha
Professora,
escritora e presidente da Academia Fluminense de Letras
ANÁLISE DO TEXTO: CINZAS E LEMBRANÇAS CARNAVALESCAS DE MÁRICA PESSANHA POR ALBERTO ARAÚJO
O texto de Márcia Pessanha explora o Carnaval como um fenômeno cultural complexo, analisando-o sob as diferentes perspectivas teóricas e ilustrando suas características através de exemplos da música popular brasileira.
A autora inicia a análise mencionando a perspectiva do antropólogo Roberto Da Matta, que vê o Carnaval como um "rito de passagem" ou um "rito de calendário". Essa visão destaca a função do Carnaval como um momento de transição, seja entre períodos do ano ou entre estados sociais. Também cita o filósofo russo Mikhail Bakhtin, que descreve o Carnaval como um conjunto de manifestações da cultura popular e um princípio de compreensão dessa cultura. A "carnavalização" seria a migração da prática carnavalesca para outras formas de arte, como a literatura.
O texto destaca o caráter lúdico e festivo do Carnaval, um período de "hybris" (desmedida) em que o corpo se liberta para a dança e a alegria. A canção de Zé Keti, "Quanto riso, oh! quanta alegria!", é usada para ilustrar a banalização do sério que ocorre durante o Carnaval, com a presença de fantasias e máscaras que criam identidades efêmeras.
Canções de Chico Buarque, como "A noite dos mascarados" e "Sonho de um Carnaval", exemplificam o disfarce identitário presente no Carnaval, onde as máscaras permitem que as pessoas sejam quem quiserem, mesmo que por um breve período. A "Marcha da quarta-feira de cinzas", de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, simboliza o fim da fantasia carnavalesca e o retorno à "normalidade". A letra da música expressa a saudade dos carnavais passados e a sensação de que restam apenas "cinzas" após a folia.
O texto de Márcia Pessanha oferece uma visão abrangente do Carnaval, explorando suas dimensões antropológicas, filosóficas e culturais. Ao utilizar exemplos da música popular brasileira, a autora torna a análise mais acessível e ilustrativa, permitindo que o leitor compreenda a complexidade e a riqueza dessa manifestação cultural.
Análise
de Alberto Araújo
Focus
Portal Cultural
14 de
março de 2025
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