quinta-feira, 27 de março de 2025

O AROMA DA SAUDADE NA GAROA CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO


A garoa fina que teimava em cair sobre Niterói naquela tarde de outono tinha um cheiro peculiar. Não era apenas o odor úmido da terra e das folhas, mas algo mais sutil, quase nostálgico. Era o aroma da saudade, pensei, enquanto observava as gotas escorrerem preguiçosamente pela janela do café. 

O café estava quase vazio. Algumas mesas ocupadas por figuras solitárias, absortas em seus próprios mundos, aquecendo as mãos em torno de xícaras fumegantes. O silêncio era quebrado apenas pelo tilintar ocasional de uma colher e pelo murmúrio distante de buzinas dos automóveis. 

Na minha mesa, um livro aberto repousava intocado. Meus pensamentos, como a garoa lá fora, escorriam sem rumo definido. Saudade de quê, exatamente? De um tempo que se foi, de pessoas que não estão mais por perto, de momentos que a memória insiste em pintar com cores mais vibrantes do que talvez tenham tido? 

Olhei para a rua através do vidro embaçado. As cores da cidade pareciam atenuadas pela umidade, e as pessoas apressavam o passo, buscando abrigo. Cada rosto era uma história, cada passo uma jornada. E em cada um deles, talvez, uma ponta de saudade. 

A saudade não é necessariamente tristeza. Às vezes, ela se manifesta como uma doce melancolia, um reconhecimento da beleza efêmera da vida. É como sentir o eco de uma música que tocou fundo na alma, mesmo depois que as últimas notas se dissiparam no ar.

Pedi outro café. O aroma quente e reconfortante invadiu minhas narinas, misturando-se àquele cheiro indefinível da garoa. Senti um leve sorriso surgir nos meus lábios. A saudade, afinal, também era uma forma de manter vivo o que foi importante. Era a prova de que havíamos amado, vivido, sentido. 

Enquanto a tarde avançava e a garoa persistia, percebi que o aroma da saudade não era algo a ser evitado, mas sim apreciado. Era um tempero sutil na receita da vida, lembrando-nos de onde viemos e, talvez, para onde queremos voltar. E ali, naquele café tranquilo em Niterói, sob o manto úmido da garoa, a saudade se tornou um abraço morno na alma. 

© Aberto Araújo



 

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