Eu a vi como quem descobre, pela primeira vez, a festa da própria existência. Não era apenas uma borboleta: era um poema pousado no vidro, uma canção breve que o dia inventava. Suas asas vibravam como quem dança, e cada movimento era um convite para sorrir.
O sol lá fora e a claridade dentro da casa se encontravam em harmonia, como se o mundo tivesse decidido abrir-se em celebração. A borboleta batia as asas contra o vidro e, em cada batida, eu via não a insistência, mas a alegria de quem acredita que o ar é palco. O silêncio do cômodo se transformava em música, e eu me deixava levar por essa sinfonia invisível.
As cores dela eram vivas como carnaval: manchas que lembravam frutas maduras, tecidos bordados, memórias de verões que ainda virão. Era como se carregasse mapas de festas populares, procissões de alegria, cantos de roda. E eu pensei: somos todos assim, pequenas borboletas que procuram janelas para abrir, não para escapar, mas para celebrar o infinito que nos chama.
A janela, com sua poeira antiga, parecia guardar histórias. Quando a borboleta tocou o pó, vi um encontro delicado entre o gesto da natureza e o tempo humano. Não havia desordem, havia mistura: o lar se tornava palco, e a vida, espetáculo.
Olhei tanto porque ela era testemunha de algo que eu precisava lembrar: que a liberdade é também festa. Clarice dizia que a gente se estranha; eu, ao contrário, me reconhecia naquela dança. A borboleta vinha e ia como quem ensaia passos de quadrilha, e eu, espectador, me sentia parte da coreografia.
Quando ela parou, imóvel, parecia meditar. Mas sua pausa não era silêncio: era repouso de quem sabe que a alegria também descansa. Eu quis falar com ela, mas percebi que borboletas não precisam de palavras, elas conversam com cores.
O céu se fez branco como papel em branco, pronto para ser pintado. A borboleta pousou como quem escreve uma linha de poesia. E eu entendi: observar é também participar. A vida nos pede apenas delicadeza.
Quando partiu, deixou não vazio, mas rastro de festa. O espaço parecia maior, como salão depois da dança. Abri a janela e o vento entrou como música nova, trazendo histórias de outros lugares.
Aprendi que ser leve não é ser superficial: é carregar o mundo como quem carrega um tamborim, sem peso, apenas ritmo. A borboleta me ensinou que o vidro protege, mas também pode ser palco. A vida exige contato, e o risco é parte da dança.
No dia seguinte, voltei à janela como quem espera o início de outro espetáculo. Não veio borboleta, mas veio a certeza: a lição já estava dada. Há encontros que são eternos porque nos mudam.
À noite, quando a casa se recolhe, lembro da asa que tocou o pó e penso na alegria que insiste. A borboleta habita minhas horas como lembrança que não pede explicação. A janela, percebo, não é barreira: é convite.
E eu fico ali, acreditando que algum dia aprenderei a bater asas com a mesma leveza. Não para fugir, mas para celebrar. A borboleta talvez não saiba o que faz, mas sua dança simples me ensinou a palavra mais bonita: coragem. Coragem de ser pequeno e, ainda assim, inteiro. Coragem de voar sem destino, apenas porque voar é festa.
Assim, quando a madrugada pergunta onde estão as respostas, eu respondo com a memória de uma asa. Não é resposta verbal, é resposta que canta nos ossos. A borboleta na minha janela foi, antes de tudo, um espelho que me devolveu a imagem de alguém que ainda pode mudar de cor. E, por essa devolução, agradeço como quem recebe, na mesa, não um copo d’água, mas uma taça de alegria.
© Alberto Araújo

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