sábado, 6 de dezembro de 2025

DOMÍCIO PROENÇA FILHO E A LEITURA CONTEMPORÂNEA DE MACHADO DE ASSIS


A Academia Brasileira de Letras encerra seu ciclo anual de conferências com um encontro que promete ser memorável. O escritor e acadêmico Domício Proença Filho conduz a reflexão intitulada “A percepção de Machado de Assis”, última atividade do programa “Memórias da Academia – Duas faces da Academia”. O mote que orienta a conferência, “A Academia Brasileira de Letras e o posicionamento do Presidente Machado de Assis: tradição ou inovação?” abre espaço para uma discussão que ultrapassa os limites da crítica literária e se insere no debate sobre identidade cultural, permanência histórica e renovação estética. 

Machado de Assis, fundador e primeiro presidente da ABL, é figura incontornável da literatura brasileira. Sua obra, marcada por ironia, sutileza psicológica e crítica social, continua a provocar debates mais de um século após sua morte. A questão proposta por Domício, tradição ou inovação? não é meramente retórica. Ela toca no cerne da recepção machadiana: seria Machado um guardião da forma clássica, ou um precursor das modernidades literárias que se consolidariam no século XX? 

Ao longo de sua trajetória, Machado foi visto ora como conservador, ora como revolucionário. Sua linguagem contida, aparentemente sóbria, esconde experimentações narrativas que antecipam técnicas modernas, como o narrador não confiável, a fragmentação do discurso e a ironia estrutural. Proença Filho, ao revisitar essa ambiguidade, convida o público a refletir sobre como a tradição pode se reinventar e como a inovação pode nascer do diálogo com o passado. 

O encontro acontece na terça-feira, 9 de dezembro, às 16h, sob a coordenação do acadêmico Arno Wehling. A entrada é gratuita, e o público pode acompanhar presencialmente ou pela transmissão ao vivo no canal da ABL no YouTube. Mais do que um evento acadêmico, trata-se de uma celebração da memória literária nacional, em que se cruzam história, crítica e criação. 

A conferência encerra um ciclo que, ao longo do ano, buscou explorar as “duas faces da Academia”: a preservação da tradição e a abertura para novas leituras. Nesse sentido, Machado de Assis surge como figura-síntese, pois sua obra é simultaneamente clássica e moderna, nacional e universal, íntima e filosófica. 

Domício Proença Filho não é apenas um estudioso de Machado; é também um criador que dialoga com o mestre. Em seu romance “Capitu – Memórias Póstumas”, ele dá voz à personagem mais enigmática da literatura brasileira. Capitu, tantas vezes julgada, silenciada ou reduzida a estereótipos, assume o papel de narradora e oferece sua versão dos acontecimentos. Ao fazê-lo, Domício não apenas revisita Dom Casmurro, mas também questiona a própria tradição crítica que se construiu em torno da obra. O gesto é ousado: transformar um clássico em palco de debate contemporâneo sobre gênero, subjetividade e poder. 

Já em “Melhores Contos Machado de Assis”, Domício realiza uma seleção pessoal, guiada pelo gosto e pela sensibilidade. Ao escolher e apresentar os contos, ele reafirma a vitalidade da obra machadiana, mostrando como cada leitor pode encontrar diferentes caminhos de interpretação. A tarefa, segundo o próprio autor, é “gratificante” porque permite redescobrir Machado em sua pluralidade. 

A programação cultural da Academia não se limita à conferência de Domício. Na quarta-feira, 10 de dezembro, às 16h, haverá a sessão solene em comemoração aos 80 anos do Instituto Rio Branco, instituição responsável pela formação diplomática brasileira. Logo em seguida, às 17h30, ocorre a palestra especial “Ocupação poética”, homenagem aos poetas Paulo Henriques Britto e Claudia Roquette-Pinto, nomes que marcaram a poesia contemporânea com estilos distintos, mas igualmente relevantes. 

Na quinta-feira, 11 de dezembro, às 17h30min, o ator Othon Bastos apresenta o monólogo “Não me entrego, não”, encerrando oficialmente a programação cultural do ano. A presença de Bastos, reconhecido por sua força interpretativa, reforça a diversidade das atividades da ABL, que transitam entre literatura, poesia, história e teatro.

O interesse renovado por Machado de Assis não é casual. Em tempos de rápidas transformações sociais e culturais, sua obra oferece um espelho crítico para compreender o Brasil. A ironia machadiana, que desvela hipocrisias e contradições, continua atual. Seus personagens, divididos entre ambição e fragilidade, refletem dilemas humanos universais. Ao propor uma leitura contemporânea de Machado, Domício Proença Filho reafirma a pertinência do escritor para o século XXI. 

A questão da tradição e da inovação, central na conferência, também dialoga com o papel da própria Academia Brasileira de Letras. Fundada em 1897, a ABL nasceu como espaço de preservação da língua e da literatura nacionais. Hoje, enfrenta o desafio de se manter relevante em um mundo digital, globalizado e em constante mudança. Ao revisitar Machado, Domício sugere que a resposta pode estar justamente na capacidade de unir memória e criação. 

Entre os muitos aspectos que a conferência deve abordar, destaca-se a figura de Capitu. Símbolo da ambiguidade machadiana, ela representa tanto a força da imaginação quanto a fragilidade das interpretações. Ao dar voz à personagem, Domício não apenas reescreve a história, mas também questiona os limites da crítica literária. Afinal, quem tem direito à narrativa? Quem decide o que é verdade ou mentira? Essas perguntas, que atravessam Dom Casmurro, continuam a ecoar na contemporaneidade, em um mundo marcado por disputas de versões e narrativas. 

A programação da ABL, ao reunir conferências, homenagens e apresentações artísticas, reafirma a importância da cultura como espaço de resistência e diálogo. Em um cenário em que a velocidade da informação muitas vezes ameaça a profundidade da reflexão, eventos como esse convidam à pausa, à escuta e ao pensamento crítico. Machado de Assis, com sua escrita refinada e sua visão penetrante, é exemplo de como a literatura pode iluminar questões sociais e existenciais. 

O ciclo “Memórias da Academia – Duas faces da Academia” termina com chave de ouro. A conferência de Domício Proença Filho não é apenas uma homenagem a Machado de Assis, mas também um convite à reflexão sobre o papel da literatura e da crítica na sociedade contemporânea. Ao revisitar o fundador da ABL, Domício reafirma que tradição e inovação não são opostos, mas dimensões complementares de uma mesma experiência cultural.

Machado permanece vivo porque sua obra continua a nos interpelar. E a Academia, ao abrir espaço para esse diálogo, cumpre sua missão de preservar e renovar a memória literária brasileira. O público que acompanhar a conferência, seja presencialmente ou pelo YouTube, terá a oportunidade de participar de um momento único: a celebração de um escritor que, mais do que nunca, nos ajuda a compreender quem somos e para onde vamos.


Editorial

© Alberto Araújo





 

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