O quadro Efemérides do Focus Portal Cultural, sob a curadoria do jornalista Alberto Araújo, destaca hoje os 195 anos do nascimento de Emily Elizabeth Dickinson, uma das maiores poetisas da literatura universal. Pouco conhecida em vida, Dickinson tornou-se, após sua morte, uma das figuras mais importantes da poesia americana, reconhecida por sua originalidade e profundidade.
Nascida em 10 de dezembro de 1830, em Amherst, Massachusetts, Dickinson viveu uma existência discreta e misteriosa, mas deixou uma obra que atravessou séculos e permanece como referência incontornável da poesia moderna. A efeméride ganha ainda mais relevância ao lembrarmos que a poetisa foi homenageada pela escritora Cecy Barbosa Campos na coletânea Mulheres Extraordinárias – volume 2, organizada pela jornalista e escritora Dyandreia Portugal, presidente da Rede Sem Fronteiras (2021), reafirmando a originalidade e a permanência de sua voz. Registro ainda que guardo em minha biblioteca dois livros de Emily Dickinson, sendo um deles presente de aniversário do meu saudoso mestre Sávio Soares de Sousa.
Emily nasceu em uma família abastada e culta. Seu avô, Samuel Fowler Dickinson, foi um dos fundadores do Amherst College, e seu pai, Edward Dickinson, advogado e político influente. Criada em ambiente privilegiado, recebeu sólida formação escolar, chegando a frequentar o South Hadley Female Seminary. Contudo, recusou-se a declarar publicamente sua fé, gesto que já revelava sua postura independente e avessa às convenções.
A partir da juventude, Emily passou a viver em relativo isolamento. Considerada excêntrica pelos vizinhos, preferia vestir-se de branco e evitava visitas. Com o tempo, restringiu-se quase inteiramente ao espaço doméstico, dividindo a casa com a irmã Lavínia. Essa reclusão lhe valeu o epíteto de “Grande Reclusa de Amherst”. Apesar disso, sua vida interior era intensa e fértil, alimentada por correspondências com amigos, intelectuais e familiares, além de leituras e reflexões que se transformaram em poesia.
Durante sua vida, Dickinson publicou apenas dez poemas e uma carta, quase sempre anonimamente e com alterações editoriais que buscavam adequá-los às normas da época. No entanto, sua produção foi vasta: cerca de 1.800 poemas, guardados em cadernos e folhas soltas, descobertos após sua morte em 1886. Essa obra monumental só veio a público em sua forma quase integral em 1955, quando o estudioso Thomas H. Johnson organizou The Poems of Emily Dickinson.
Sua poesia rompeu com padrões formais. Versos curtos, sem títulos, uso peculiar de maiúsculas e travessões criaram um estilo único. Os temas recorrentes, morte, imortalidade, natureza, espiritualidade, estética e sociedade, revelam uma mente que buscava compreender o mistério da existência. Sua linguagem, ao mesmo tempo simples e abismal, transformava elementos triviais em símbolos universais.
Grande parte do que sabemos sobre Emily vem de suas cartas. Entre seus interlocutores estavam Susan Huntington Gilbert Dickinson, sua cunhada e vizinha, a quem dedicou diversos poemas; Samuel Bowles, editor do Springfield Republican; o crítico Thomas Wentworth Higginson, que a incentivou literariamente; e a escritora Helen Hunt Jackson. Essas correspondências revelam não apenas sua visão poética, mas também sua sensibilidade diante do cotidiano.
Um detalhe curioso é que muitas dedicatórias a Susan foram apagadas por Mabel Loomis Todd, responsável pela primeira edição de seus poemas em 1890. Esse gesto, revelado décadas depois, mostra como a obra de Dickinson foi manipulada antes de ser reconhecida em sua autenticidade.
Emily Dickinson faleceu em 15 de maio de 1886, vítima de nefrite. Foi sepultada no West Cemetery, em Amherst, junto de seus familiares. Após sua morte, Lavínia encontrou os manuscritos que revelaram a dimensão de sua obra. Desde então, Dickinson passou de figura excêntrica e pouco conhecida a ícone da poesia mundial.
Suas obras foram publicadas em diferentes edições ao longo do século XX e XXI, incluindo traduções para diversas línguas. No Brasil, destacam-se as versões de Jorge de Sena e Augusto de Campos, que ressaltaram a densidade e a musicalidade de seus versos. Augusto de Campos observou que sua poesia condensa “micro e macrocosmo compactados em aforismos poéticos”, revelando tanto a solidão quanto a visão cósmica da autora.
Emily Dickinson criou um idioma poético próprio, desafiando convenções e antecipando a modernidade literária. Sua poesia é marcada por paradoxos: simplicidade e profundidade, isolamento e universalidade, silêncio e intensidade. Ao transformar o cotidiano em metáfora, deu vida a uma poesia metafísica, impregnada de misticismo e reflexão existencial.
Sua obra continua a inspirar escritores, críticos e leitores. Ao ser homenageada na coletânea Mulheres Extraordinárias, Dickinson reafirma sua posição como mulher que, mesmo em reclusão, rompeu barreiras e deixou um legado imortal. Sua originalidade não está apenas na forma, mas na coragem de ser fiel à própria voz, mesmo quando o mundo ao redor não a compreendia.
Celebrar os 195 anos do nascimento de Emily Dickinson é reconhecer a força de uma poesia que transcende o tempo. Sua vida discreta, marcada pelo isolamento, contrasta com a vastidão de sua obra, que continua a ecoar em cada verso. Dickinson nos ensina que a verdadeira liberdade está em criar, em transformar o silêncio em palavra e em dar sentido ao efêmero. Sua poesia é, ainda hoje, uma janela para o infinito.
OBRAS
Poems by Emily Dickinson - Organização de Mabel Loomis Todd & T. W. Higginson. Boston: Robert Brothers, 1890.
The poems of Emily Dickinson, 3 volumes. Organização de Thomas H. Johnson. Cambridge: The Belknap Press, Harvard University Press, 1955.
The letters of Emily Dickinson, 3 volumes. Organização de Thomas H. Johnson & Theodora Ward. Cambridge: The Belknap Press, Harvard University, 1958.
The complete poems of Emily Dickinson. Organização de Thomas H. Johnson. Boston e Toronto: Little, Brown and Company, 1960.
The manuscript books of Emily Dickinson, 2 volumes. Organização de R. W. Franklin. Cambridge e Londres: The Belknap Press, Harvard University Press, 1981.
The masters letters of Emily Dickinson. Organização de R. W. Franklin. Amherst: Amherst College Press, 1986.
The poems of Emily Dickinson. Organização de R. W. Franklin. Cambridge e Londres: The Belknap Press, Harvard University Press, 1999.
Emily Dickinson's Poems: As She Preserved Them. - Cristanne Miller, ed. - Harvard University Press, 2016.
80 poemas de Emily Dickinson - Traduzidos para língua portuguesa por Jorge de Sena - Edições 70, 1978
Emily Dickinson: Poemas. - Tradução de
Margarita Ardanaz. Edição bilingue inglês/espanhol - Cátedra, 1987.
@ Alberto Araújo
Focus Portal Cultural

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