"O amor é uma
companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, porque já não posso andar só. Um
pensamento visível faz-me andar mais depressa e ver menos, e ao mesmo tempo
gostar bem de ir vendo tudo. Mesmo a ausência dela é uma cousa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. Se a não vejo, imagino-a e
sou forte como as árvores altas. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do
que sinto na ausência dela. Todo eu sou qualquer força que me abandona. Toda a
realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. Que beleza!
O AMOR COMO COMPANHIA E METAMORFOSE
Reflexão sobre o Amor inspirada em Alberto Caeiro – Heterônimo de Fernando Pessoa © Alberto Araújo
O amor, como descreve o poeta na voz de Cleonice, não é apenas um sentimento; é uma alteração profunda na nossa percepção do mundo. Amar é, antes de tudo, abrir mão da solidão absoluta. Quando o amor se instala, o "eu" deixa de ser um navegador solitário para se tornar parte de uma dualidade, mesmo quando o outro não está fisicamente presente. Como diz o texto, a ausência de quem se ama torna-se uma "cousa" concreta, uma companhia que preenche os espaços vazios.
Há uma beleza paradoxal nessa entrega. O amor nos torna fortes e vulneráveis ao mesmo tempo. Na distância, o pensamento no ser amado nos sustenta, nos faz "fortes como as árvores altas", capazes de resistir ao vento e ao tempo pela simples força da memória e da imaginação. No entanto, o encontro real, o "ver" é desarmante. Diante da presença do outro, a segurança se dissolve em tremor; a força nos abandona porque o amor exige a fragilidade para ser pleno. Não se ama com armaduras.
Além disso, o amor funciona como uma lente que reorganiza a realidade. O mundo exterior deixa de ser uma sucessão de objetos aleatórios para se tornar um reflexo da pessoa amada. A imagem do girassol é perfeita: assim como a flor busca o sol, o olhar de quem ama busca, em cada detalhe da vida, o rosto, o gesto ou a lembrança do outro. O cotidiano ganha um novo centro de gravidade.
No fim das contas, amar é aceitar que
nunca mais andaremos sozinhos, não porque o outro nos carregue, mas porque
passamos a carregar o outro dentro de nós. É uma jornada onde o "ver
menos", pela pressa do desejo e o "gostar de ir vendo tudo" pela
alegria da partilha, coexistem. O amor é essa beleza que nos faz tremer, que
nos tira a força, mas que nos dá, em troca, todo o sentido do mundo.
© Alberto Araújo
Focus Portal Cultural
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