No dia 09 de dezembro de 1977, o
Brasil perdeu uma das maiores vozes da literatura do século XX: Clarice
Lispector, escritora cuja obra se tornou referência incontornável da
modernidade literária. Sua morte, ocorrida em decorrência de um câncer de
ovário, deu-se um dia antes de completar 57 anos. Desde então, sua presença
permanece viva na memória cultural brasileira e mundial, como autora que
revolucionou a forma de narrar, pensar e sentir através da palavra.
Clarice nasceu em 10 de dezembro de 1920, em Chechelnyk, pequena localidade da Ucrânia, então em processo de integração à União Soviética. Seu nome de batismo foi Chaya Pinkhasovna Lispector, filha de judeus que sofreram os horrores dos pogroms e da guerra civil que devastava a região. Em 1922, quando Clarice tinha apenas dois anos, a família emigrou para o Brasil, buscando refúgio e reconstrução. Fixaram-se inicialmente em Maceió, Alagoas, e depois no Recife, Pernambuco, onde Clarice cresceu e iniciou sua formação intelectual.
A infância foi marcada por dificuldades, sobretudo pela doença da mãe, que faleceu quando Clarice ainda era menina. Apesar disso, desde cedo demonstrou curiosidade e paixão pelas palavras, pela leitura e pela escrita, revelando uma sensibilidade que se tornaria sua marca registrada.
Clarice estudou Direito na então Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Embora tenha concluído o curso, sua verdadeira vocação sempre esteve ligada à literatura. Ainda jovem, trabalhou como tradutora e jornalista, aproximando-se dos círculos intelectuais cariocas. Aos 24 anos, publicou seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1944), obra que imediatamente chamou a atenção da crítica pela linguagem inovadora e introspectiva, recebendo o Prêmio Graça Aranha.
A trajetória literária de Clarice Lispector é marcada por uma constante busca de expressão do indizível. Sua escrita, muitas vezes considerada hermética, mergulha nas profundezas da subjetividade humana, explorando temas como identidade, solidão, transcendência e o sentido da existência.
ENTRE SUAS OBRAS MAIS SIGNIFICATIVAS DESTACAM-SE:
Laços de Família (1960), coletânea de contos que revela o cotidiano familiar e suas tensões ocultas.
A Paixão segundo G.H. (1964), romance filosófico e perturbador, em que uma mulher enfrenta o vazio existencial diante de uma barata esmagada.
A Hora da Estrela (1977), seu último
romance publicado em vida, que narra a história da nordestina Macabéa, figura
marginalizada e invisível, tornando-se um dos livros mais estudados da literatura
brasileira contemporânea.
Um Sopro de Vida (1978), publicado postumamente, que aprofunda ainda mais sua reflexão sobre o ato de escrever e a relação entre autor e personagem.
Além dos romances, Clarice produziu contos, crônicas, entrevistas e literatura infantil, sempre com a mesma intensidade e originalidade. Obras como O Mistério do Coelho Pensante e A Mulher que Matou os Peixes revelam sua versatilidade e capacidade de dialogar com diferentes públicos.
Paralelamente à ficção, Clarice atuou
como cronista em jornais e revistas, escrevendo textos que mesclavam
observações cotidianas, reflexões filosóficas e confissões íntimas. Suas
crônicas, reunidas em volumes como A Descoberta do Mundo, são hoje consideradas
parte essencial de sua obra, pois revelam a escritora em diálogo direto com
seus leitores, sem perder a densidade poética.
Clarice Lispector é frequentemente associada ao Modernismo tardio e ao movimento de renovação da prosa brasileira. Sua escrita rompe com a linearidade narrativa, privilegiando o fluxo de consciência, a fragmentação e a introspecção. Muitos críticos a comparam a autores como Virginia Woolf e James Joyce, embora sua voz seja absolutamente singular.
Sua obra influenciou gerações de escritores brasileiros e estrangeiros, tornando-se objeto de estudos acadêmicos em universidades de todo o mundo. Clarice é hoje traduzida em diversas línguas, e sua presença na literatura universal é cada vez mais reconhecida.
Nos anos 1970, Clarice enfrentou problemas de saúde, mas continuou escrevendo e publicando. Sua morte em 09 de dezembro de 1977, no Rio de Janeiro, foi recebida com grande comoção. O Brasil perdia não apenas uma escritora, mas uma pensadora que soube transformar a palavra em instrumento de revelação do ser humano em sua complexidade.
Quarenta e oito anos após sua partida, Clarice Lispector permanece como uma das maiores autoras brasileiras do século XX. Sua obra continua a inspirar leitores, escritores e estudiosos, sendo constantemente reeditada e adaptada para teatro, cinema e outras linguagens artísticas.
Clarice não apenas escreveu livros: ela reinventou a literatura brasileira, abrindo caminhos para uma escrita mais íntima, filosófica e existencial. Sua voz, marcada pela intensidade e pela busca incessante de sentido, ecoa até hoje, lembrando-nos de que a literatura é, antes de tudo, uma forma de viver e compreender o mundo.
© Alberto Araújo
Focus Portal Cultural











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