sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O FUTURO PARÓDICO DE TOM STOPPARD.







Onde estarão os personagens quando não exercem seu papel em cena? O que estarão fazendo para passar o tempo antes de serem convocados pelo autor para dar seguimento à trama? Terão vida própria ou serão como manequins que só servem para alguma coisa quando vestidos? Vejam bem: aqui, não se fala de atores ou atrizes, mas de personagens. Dos personagens fictícios inventados pelo autor. Atores e atrizes ficam na coxia, provavelmente estudando suas próximas falas ou mesmo jogando truco ou trocando ideias sobre um novo aplicativo.

Quem falou de ecos de Pirandello, acertou. Em parte. Não é bem isso. Quem falou em ecos de Beckett também acertou. Em parte. É quase isso, mas é também outra coisa.

Muito bem. Rosencrants e Guildenstern Morreram, do dramaturgo inglês Tom Stoppard, é sobre isso, uma alucinação fabulística que especula algo que estava no inconsciente de todo mundo, mas que ninguém deu a menor bola. Um achado temático, um golpe de gênio que enxergava o óbvio enrustido nas entranhas dos textos de teatro.

Rosencrants e Guildenstern são dois personagens menores do drama Hamlet, de Shakespeare. Ou seja, que aparecem muito pouco. O que estarão fazendo nos momentos em que não estão em cena?

Nesse sentido, a peça de Stoppard dialogava simultaneamente com o passado e o presente, intercambiando referências, mas também falava do futuro, onde nada será sagrado, e será possível misturar o clássico com a paródia cômica em igual intensidade, como aliás já tinha feito Beckett.

A primeira produção desta peça estreou em 1967 em Londres, mas só foi reconhecida e consagrada mundialmente em 1990, quando o próprio Stoppard dirigiu uma adaptação para o cinema, que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza.

A cena inicial de Rosencrants já antecipa muita coisa: os dois personagens brincam de jogar uma moeda para o ar inúmeras vezes: em oitenta e cinco tentativas seguidas, dá cara, o que proporciona uma discussão interminável sobre a Teoria das Probabilidades e o sentido da vida. Mas sentido da vida para personagens? O que isso quer dizer?



Na sequência, se perguntam se são felizes e a resposta é dúbia, não define nada. Depois, se questionam se é possível lembrar da primeira coisa que aconteceu naquele dia. Novamente, não há uma solução razoável. E assim continuam ganhando tempo, mas tudo isso se passa num limbo sem tempo nem espaço, não é possível perceber onde estão nem o que pretendem nem o que fazem e muito menos com qual objetivo. Até que são convocados para a trama propriamente dita, onde se desincumbem de seus papéis de forma extraordinária, dizendo os diálogos de Shakespeare de maneira segura e lógica, para voltarem em seguida (e periodicamente) para o seu claustro límbico onde ficarão se masturbando com temas considerados inúteis e bizarros.

Esse método (se é que podemos nos referir assim à maneira de encenar temas profundos num formato de pastelão escrachado) também está presente em sua peça Pastiches, de 1974, onde ele se volta para a relativização da densidade dos cânones ocidentais. Nela, as baterias focam James Joyce e Tristan Tzara, os dois maiores renovadores da literatura modernista do século 20, e as questões sociais mais relevantes na época, como a participação de Lênin na revolução russa de 1917.

Esse tom nostálgico de revisão do passado retorna em Rock´n´Roll, de 2006, onde Stoppard revisita seu próprio passado na Tchecoslováquia natal. Mas que ninguém se iluda: ele fala da abortada Primavera de Praga e suas consequências, mas num tom aparentemente pop.

Para se ter uma vaga ideia do que ele propunha, basta dizer que um dos primeiros diálogos da peça versa sobre a saída de Syd Barrett da banda Pink Floyd. Que rumo tomaria o grupo depois da defecção de seu idealizador, expulso por causa do uso excessivo de drogas?

A invasão soviética da Tchecoslováquia em virtude do Pacto de Varsóvia convive com músicas de Bob Dylan, Rolling Stones e com a dramática Golden Hair, de Barrett, que se baseia em um poema de James Joyce do livro Música de Câmara.

Se em Rosencrants, Stoppard se baseia integralmente no texto original de Shakespeare, em O Hamlet de Dogg, o Macbeth de Cahoot, ele alterna as duas peças, pinçando aqui & ali trechos que possibilitam às cenas um andamento circulatório, pois, segundo o autor, ambas se completam: uma não teria sentido sem a outra. O conjunto foi concebido para ser apresentado num ônibus de dois andares e flerta com as investigações filosóficas de Wittgenstein. Para poucos, sem dúvida.

Como se vê, Tom Stoppard não é um autor ortodoxo. Sua complexidade lhe valeu vários epítetos que foram cravados em sua testa ao longo da carreira: pensador original, mas leviano; gosta do cômico mais do que o suportável; um paródico genial; um amestrador do passado, com tendência a abordagens surreais.

O próprio Harold Bloom declarou que não gostava dessa mistura indigesta de estilos e gêneros, da mesma forma que não aprovara a leitura de Rei Lear que intuíra em Fim de Partida, de Beckett.

Enfim, não se pode agradar a tudo mundo, não é mesmo?

Para quem não tem referência alguma sobre Stoppard, é necessário dizer que foi um dos roteiristas do filme Brazil, de Terry Gilliam (do grupo Monty Python) e assinou a história de Shakespeare Apaixonado, que recebeu indicações e vários prêmios Oscar, inclusive de melhor filme e melhor roteiro, que Stoppard dividiu com Marc Norman.

Tom Stoppard está com 82 anos, continua ativo e não pretende parar tão cedo.






Tom Stoppard nascido em Tomáš Straussler, Zlín, Checoslováquia, em 03 de julho de 1937 é um dramaturgo e guionista inglês de origem checa.






Obras


Romance
          1966: Lord Malquist and Mr Moon


Teatro
          1964: A Walk on the Water
          1965: The Gamblers , baseado no romance The Gambler de Dostoevsky
          1966: Tango, adaptado da peça de teatro de Sławomir Mrożek traduzida por Nicholas Bethell, estreou no Teatro Aldwych
          1966: Rosencrantz and Guildenstern Are Dead
          1968: Enter a Free Man. Desenvolvido de A Walk on the Water. A primeira actuação foi a 28 de Março de 1968.
          1968: The Real Inspector Hound
          1969: Albert's Bridge estreou no St. Mary's Hall em Edimburgo
          1969: If You're Glad I'll Be Frank estreou no St. Mary's Hall em Edimburgo
          1970: After Magritte apresentado frequentemente como uma peça de companhia de The Real Inspector Hound
          1971: Dogg's Our Pet estreado no Almost Free Theatre
          1972: Jumpers
          1972: Artist Descending a Staircase[1]
          1974: Travesties
          1976: Dirty Linen and New-Found-Land apresentado pela primeira vez a 6 de Abril de 1976
          1976: 15-Minute Hamlet
          1977: Every Good Boy Deserves Favour foi escrito a pedido de André Previn. A peça exige uma orquestra completa
          1978: Night and Day
          1979: Dogg's Hamlet, Cahoot's Macbeth – duas peças escritas para serem representadas juntas.
          1979: Undiscovered Country – uma adaptação de Das Weite Land pelo dramaturgo Austríaco Arthur Schnitzler
          1981: On the Razzle baseado em Einen Jux will er sich machen de Johann Nestroy
          1982: The Real Thing
          1983: Libretto inglês para The Love for Three Oranges. Ópera original de Sergei Prokofiev.
          1984: Rough Crossing baseado em Play at the Castle de Ferenc Molnár
          1986: Dalliance Uma adaptação de Liebelei de Arthur Schnitzler
          1987: Largo Desolato, traduzido de uma peça de Václav Havel
          1988: Hapgood
          1993: Arcadia
          1995: Indian Ink – baseado na peça de rádio de Stoppard In The Native State
          1997: The Invention of Love
          1997: The Seagull – traduzido da peça de Anton Chekhov
          2002: The Coast of Utopia é uma trilogia de peças: Voyage, Shipwreck, e Salvage
          2004: Enrico IV (Henry IV) – tradução da peça italiana de Luigi Pirandello[2] Primeira representação no Donmar Theatre, Londres, em Abril de 2004
          2006: Rock 'n' Roll ]] – representada publicamente pela primeira vez a 3 de Junho de 2006 no Royal Court Theatre.
          2010: The Laws of War – contribuidor para uma peça colaborativa de uma noite para uma representação de caridade a favor da Human Rights Watch.[3]
          2015: The Hard Problem
Obras originais para rádio
          1964: The Dissolution of Dominic Boot
          1964: 'M' is for Moon Amongst Other Things
          1966: If You're Glad I'll be Frank
          1967: Albert's Bridge
          1968: Where Are They Now? , escrita para rádios escolares
          1972: Artist Descending a Staircase
          1982: The Dog It Was That Died
          1991: In the Native State, mais tarde alongado para se tornar a peça de teatro Indian Ink (1995)
          2007: On Dover Beach[4]
          2012: Albert's Bridge, Artist Descending a Staircase, The Dog It Was That Died, and In the Native State have been published by the British Library as Tom Stoppard Radio Plays[5]
          2013: Darkside , escrita para a BBC Radio 2[6]
Peças televisivas
          A Separate Peace transmitido a Agosto de 1966[7]
          Teeth
          Another Moon Called Earth (contém alguns diálogos e situações incorporadas mais tarde em Jumpers)
          Neutral Ground (uma adaptação livre de Sophocles' Philoctetes)
          Professional Foul
          Squaring the Circle
Adaptações cinematográficas e televisivas de peças e livros
          1975: Three Men in a Boat adaptação do romance de Jerome K. Jerome para a BBC Television
          1975: The Boundary em co-autoria com Clive Exton, para a BBC
          1985: Brazil em co-autoria com Terry Gilliam e Charles McKeown, guião nomeado para um Prémio da Academia
          1987: Empire of the Sun primeiros rascunhos do guião
          1989: Indiana Jones and the Last Crusade rescrita final da rescrita de Jeffrey Boam do guião de Menno Meyjes
          1990: The Russia House]] guião para o filme de 1990 do romance de John Le Carré
          1990: Rosencrantz & Guildenstern Are Dead – venceu o Golden Lion e que também realizou
          1998: Shakespeare in Love em co-autoria com Marc Norman; o guião venceu um Prémio da Academia
          1998: Poodle Springs adaptação televisiva do romance de Robert B. Parker e Raymond Chandler
          2001: Enigma guião cinematográfico do romance de Robert Harris
          2005: The Golden Compass um rascunho de guião, não realizado
          2012: Parade's End, guião televisivo para a BBC/HBO de colecção de romances de Ford Madox Ford'
          2012: Anna Karenina, guião cinematográfico do romance de Tolstoi
          2014: Tulip Fever, guião cinematográfico do romance de Deborah Moggach.



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TEXTO DE  FURIO LONZA, ESCRITOR, DRAMATURGO E JORNALISTA ÍTALO-BRASILEIRO.


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