Onde estarão
os personagens quando não exercem seu papel em cena? O que estarão fazendo para
passar o tempo antes de serem convocados pelo autor para dar seguimento à
trama? Terão vida própria ou serão como manequins que só servem para alguma
coisa quando vestidos? Vejam bem: aqui, não se fala de atores ou atrizes, mas
de personagens. Dos personagens fictícios inventados pelo autor. Atores e
atrizes ficam na coxia, provavelmente estudando suas próximas falas ou mesmo
jogando truco ou trocando ideias sobre um novo aplicativo.
Quem falou de
ecos de Pirandello, acertou. Em parte. Não é bem isso. Quem falou em ecos de
Beckett também acertou. Em parte. É quase isso, mas é também outra coisa.
Muito bem.
Rosencrants e Guildenstern Morreram, do dramaturgo inglês Tom Stoppard, é sobre
isso, uma alucinação fabulística que especula algo que estava no inconsciente
de todo mundo, mas que ninguém deu a menor bola. Um achado temático, um golpe
de gênio que enxergava o óbvio enrustido nas entranhas dos textos de teatro.
Rosencrants e
Guildenstern são dois personagens menores do drama Hamlet, de Shakespeare. Ou
seja, que aparecem muito pouco. O que estarão fazendo nos momentos em que não
estão em cena?
Nesse
sentido, a peça de Stoppard dialogava simultaneamente com o passado e o
presente, intercambiando referências, mas também falava do futuro, onde nada
será sagrado, e será possível misturar o clássico com a paródia cômica em igual
intensidade, como aliás já tinha feito Beckett.
A primeira
produção desta peça estreou em 1967 em Londres, mas só foi reconhecida e
consagrada mundialmente em 1990, quando o próprio Stoppard dirigiu uma
adaptação para o cinema, que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza.
A cena
inicial de Rosencrants já antecipa muita coisa: os dois personagens brincam de
jogar uma moeda para o ar inúmeras vezes: em oitenta e cinco tentativas
seguidas, dá cara, o que proporciona uma discussão interminável sobre a Teoria
das Probabilidades e o sentido da vida. Mas sentido da vida para personagens? O
que isso quer dizer?
Na sequência,
se perguntam se são felizes e a resposta é dúbia, não define nada. Depois, se
questionam se é possível lembrar da primeira coisa que aconteceu naquele dia.
Novamente, não há uma solução razoável. E assim continuam ganhando tempo, mas tudo
isso se passa num limbo sem tempo nem espaço, não é possível perceber onde
estão nem o que pretendem nem o que fazem e muito menos com qual objetivo. Até
que são convocados para a trama propriamente dita, onde se desincumbem de seus
papéis de forma extraordinária, dizendo os diálogos de Shakespeare de maneira
segura e lógica, para voltarem em seguida (e periodicamente) para o seu
claustro límbico onde ficarão se masturbando com temas considerados inúteis e
bizarros.
Esse método
(se é que podemos nos referir assim à maneira de encenar temas profundos num
formato de pastelão escrachado) também está presente em sua peça Pastiches, de
1974, onde ele se volta para a relativização da densidade dos cânones
ocidentais. Nela, as baterias focam James Joyce e Tristan Tzara, os dois
maiores renovadores da literatura modernista do século 20, e as questões
sociais mais relevantes na época, como a participação de Lênin na revolução
russa de 1917.
Esse tom
nostálgico de revisão do passado retorna em Rock´n´Roll, de 2006, onde Stoppard
revisita seu próprio passado na Tchecoslováquia natal. Mas que ninguém se
iluda: ele fala da abortada Primavera de Praga e suas consequências, mas num
tom aparentemente pop.
Para se ter
uma vaga ideia do que ele propunha, basta dizer que um dos primeiros diálogos
da peça versa sobre a saída de Syd Barrett da banda Pink Floyd. Que rumo
tomaria o grupo depois da defecção de seu idealizador, expulso por causa do uso
excessivo de drogas?
A invasão
soviética da Tchecoslováquia em virtude do Pacto de Varsóvia convive com
músicas de Bob Dylan, Rolling Stones e com a dramática Golden Hair, de Barrett,
que se baseia em um poema de James Joyce do livro Música de Câmara.
Se em
Rosencrants, Stoppard se baseia integralmente no texto original de Shakespeare,
em O Hamlet de Dogg, o Macbeth de Cahoot, ele alterna as duas peças, pinçando
aqui & ali trechos que possibilitam às cenas um andamento circulatório,
pois, segundo o autor, ambas se completam: uma não teria sentido sem a outra. O
conjunto foi concebido para ser apresentado num ônibus de dois andares e flerta
com as investigações filosóficas de Wittgenstein. Para poucos, sem dúvida.
Como se vê,
Tom Stoppard não é um autor ortodoxo. Sua complexidade lhe valeu vários
epítetos que foram cravados em sua testa ao longo da carreira: pensador
original, mas leviano; gosta do cômico mais do que o suportável; um paródico
genial; um amestrador do passado, com tendência a abordagens surreais.
O próprio
Harold Bloom declarou que não gostava dessa mistura indigesta de estilos e
gêneros, da mesma forma que não aprovara a leitura de Rei Lear que intuíra em
Fim de Partida, de Beckett.
Enfim, não se
pode agradar a tudo mundo, não é mesmo?
Para quem não
tem referência alguma sobre Stoppard, é necessário dizer que foi um dos
roteiristas do filme Brazil, de Terry Gilliam (do grupo Monty Python) e assinou
a história de Shakespeare Apaixonado, que recebeu indicações e vários prêmios
Oscar, inclusive de melhor filme e melhor roteiro, que Stoppard dividiu com
Marc Norman.
Tom Stoppard
está com 82 anos, continua ativo e não pretende parar tão cedo.
Tom Stoppard
nascido em Tomáš Straussler, Zlín, Checoslováquia, em 03 de julho de 1937 é um
dramaturgo e guionista inglês de origem checa.
Obras
Romance
• 1966: Lord Malquist and Mr Moon
Teatro
• 1964: A Walk on the Water
• 1965: The Gamblers , baseado no
romance The Gambler de Dostoevsky
• 1966: Tango, adaptado da peça de
teatro de Sławomir Mrożek traduzida por Nicholas Bethell, estreou no Teatro
Aldwych
• 1966: Rosencrantz and Guildenstern Are
Dead
• 1968: Enter a Free Man. Desenvolvido
de A Walk on the Water. A primeira actuação foi a 28 de Março de 1968.
• 1968: The Real Inspector Hound
• 1969: Albert's Bridge estreou no St.
Mary's Hall em Edimburgo
• 1969: If You're Glad I'll Be Frank
estreou no St. Mary's Hall em Edimburgo
• 1970: After Magritte apresentado
frequentemente como uma peça de companhia de The Real Inspector Hound
• 1971: Dogg's Our Pet estreado no
Almost Free Theatre
• 1972: Jumpers
• 1972: Artist Descending a Staircase[1]
• 1974: Travesties
• 1976: Dirty Linen and New-Found-Land
apresentado pela primeira vez a 6 de Abril de 1976
• 1976: 15-Minute Hamlet
• 1977: Every Good Boy Deserves Favour
foi escrito a pedido de André Previn. A peça exige uma orquestra completa
• 1978: Night and Day
• 1979: Dogg's Hamlet, Cahoot's Macbeth
– duas peças escritas para serem representadas juntas.
• 1979: Undiscovered Country – uma
adaptação de Das Weite Land pelo dramaturgo Austríaco Arthur Schnitzler
• 1981: On the Razzle baseado em Einen
Jux will er sich machen de Johann Nestroy
• 1982: The Real Thing
• 1983: Libretto inglês para The Love
for Three Oranges. Ópera original de Sergei Prokofiev.
• 1984: Rough Crossing baseado em Play
at the Castle de Ferenc Molnár
• 1986: Dalliance Uma adaptação de
Liebelei de Arthur Schnitzler
• 1987: Largo Desolato, traduzido de uma
peça de Václav Havel
• 1988: Hapgood
• 1993: Arcadia
• 1995: Indian Ink – baseado na peça de
rádio de Stoppard In The Native State
• 1997: The Invention of Love
• 1997: The Seagull – traduzido da peça
de Anton Chekhov
• 2002: The Coast of Utopia é uma
trilogia de peças: Voyage, Shipwreck, e Salvage
• 2004: Enrico IV (Henry IV) – tradução
da peça italiana de Luigi Pirandello[2] Primeira representação no Donmar
Theatre, Londres, em Abril de 2004
• 2006: Rock 'n' Roll ]] – representada
publicamente pela primeira vez a 3 de Junho de 2006 no Royal Court Theatre.
• 2010: The Laws of War – contribuidor
para uma peça colaborativa de uma noite para uma representação de caridade a
favor da Human Rights Watch.[3]
• 2015: The Hard Problem
Obras
originais para rádio
• 1964: The Dissolution of Dominic Boot
• 1964: 'M' is for Moon Amongst Other
Things
• 1966: If You're Glad I'll be Frank
• 1967: Albert's Bridge
• 1968: Where Are They Now? , escrita
para rádios escolares
• 1972: Artist Descending a Staircase
• 1982: The Dog It Was That Died
• 1991: In the Native State, mais tarde
alongado para se tornar a peça de teatro Indian Ink (1995)
• 2007: On Dover Beach[4]
• 2012: Albert's Bridge, Artist
Descending a Staircase, The Dog It Was That Died, and In the Native State have
been published by the British Library as Tom Stoppard Radio Plays[5]
• 2013: Darkside , escrita para a BBC
Radio 2[6]
Peças
televisivas
• A Separate Peace transmitido a Agosto
de 1966[7]
• Teeth
• Another Moon Called Earth (contém
alguns diálogos e situações incorporadas mais tarde em Jumpers)
• Neutral Ground (uma adaptação livre de
Sophocles' Philoctetes)
• Professional Foul
• Squaring the Circle
Adaptações
cinematográficas e televisivas de peças e livros
• 1975: Three Men in a Boat adaptação do
romance de Jerome K. Jerome para a BBC Television
• 1975: The Boundary em co-autoria com
Clive Exton, para a BBC
• 1985: Brazil em co-autoria com Terry
Gilliam e Charles McKeown, guião nomeado para um Prémio da Academia
• 1987: Empire of the Sun primeiros
rascunhos do guião
• 1989: Indiana Jones and the Last
Crusade rescrita final da rescrita de Jeffrey Boam do guião de Menno Meyjes
• 1990: The Russia House]] guião para o
filme de 1990 do romance de John Le Carré
• 1990: Rosencrantz & Guildenstern
Are Dead – venceu o Golden Lion e que também realizou
• 1998: Shakespeare in Love em
co-autoria com Marc Norman; o guião venceu um Prémio da Academia
• 1998: Poodle Springs adaptação
televisiva do romance de Robert B. Parker e Raymond Chandler
• 2001: Enigma guião cinematográfico do
romance de Robert Harris
• 2005: The Golden Compass um rascunho
de guião, não realizado
• 2012: Parade's End, guião televisivo
para a BBC/HBO de colecção de romances de Ford Madox Ford'
• 2012: Anna Karenina, guião
cinematográfico do romance de Tolstoi
• 2014: Tulip Fever, guião
cinematográfico do romance de Deborah Moggach.
APOIO NA DIVULGAÇÃO
TEXTO DE FURIO LONZA, ESCRITOR, DRAMATURGO E JORNALISTA ÍTALO-BRASILEIRO.
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