CARMINA BURANA EM TRÊS TEMPOS -
PREFÁCIO DE EDUARDO F. COUTINHO
Carmina Burana: magia e questionamento cultural (A poesia dos goliardos, a cantata cênica de Carl Orff e o balé cinematográfico de Jean-Pierre Ponnelle) é um livro extraordinário, que certamente trará significativa contribuição tanto para os estudos medievalistas, pelo conhecimento que expressa da história e da cultura medievais, quanto para a área da Literatura Comparada, pelo diálogo que estabelece entre os Carmina Burana, poemas profanos e líricos da Idade Média Central, atribuídos aos goliardos – clérigos andarilhos, nas palavras da autora, “folgazões e críticos, que, por onde passavam, iam com suas produções literárias, desconstruindo a ortodoxia do universo medieval” –, a cantata cênica homônima do século XX do compositor alemão Carl Orff e o balé cinematográfico, de igual nome, do coreógrafo francês Jean-Pierre Ponnelle.
Dotada de enorme erudição e de uma sólida base teórica, mas sem se fechar no universo puramente acadêmico – o livro não se volta exclusivamente para os iniciados –, a autora oferece uma obra extremamente rica e instigante, que conquista o interesse do leitor do início ao fim, levando-o a viajar com ela pelos meandros da Idade Média, a penetrar nos sentidos mais profundos da cantata de Carl Orff, tão apreciada na cena contemporânea, e a perscrutar os labirintos simbólicos, míticos e culturais do balé cinematográfico de Ponnelle, que ela esmiúça cena por cena, numa análise crítica cuidadosamente elaborada.
Com subtítulos que apontam para uma espécie de teatralização do texto, a obra acha-se dividida em uma Introdução, designada de “Os bastidores da cena textual”, dois extensos blocos temporais e artísticos, o primeiro voltado para a Idade Média (“Abrem-se as cortinas do relato”) e o segundo para o século XX (“No palco do século XX”), e uma breve Conclusão (“Fechando a cena e este livro”), em que a autora fornece as peças que faltavam para completar o seu mosaico – a relação com citações da obra de Nélida Piñon que frequentam o texto e introduzem certos blocos e capítulos.
Na Introdução, em que expõe o método a ser adotado no livro, a autora deixa clara sua opção de articular dois momentos cronológicos e culturais distantes e também distintos (a Idade Média e o século XX), mas que apresentam aspectos em comum nas suas específicas diferenças, técnica plenamente acorde com princípios da Literatura Comparada, sobretudo em sua fase mais recente em que a descontinuidade passou a ocupar papel de relevo no seio da disciplina, em franca reação às tentativas de homogeneização que dominaram o quadro da reflexão teórica de meados do século passado. Aí, também, explicam-se as origens dos poemas medievais que constituem o eixo-motor do livro, bem como da cantata cênica do compositor alemão e do balé cinematográfico do coreógrafo francês.
O bloco referente à Idade Média, dividido em dez itens, está centrado em torno do núcleo irradiador de todo o livro, os poemas cantados Carmina Burana, presumivelmente compostos pelos goliardos, mas não se atém ao estudo desses textos. Grande conhecedora do período e de sua literatura, sobre a qual ministrou cursos em diversas instituições, dentre as quais a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a autora nos fornece um panorama densamente construído do mundo medieval, em especial da fase conhecida como Idade Média Central, focalizando o modus vivendi da época e a atividade questionadora dos goliardos, e precisando conceitos fundamentais para a compreensão de sua produção, como a significação de Cultura baseada na própria dinâmica desses vagantes, a noção de “sagrado” sem os dualismos redutores da ética judaica e cristã, e o sentido antropológico de “magia”.
Além disso, constrói o seu texto fazendo referências constantes a outras obras, tanto do repertório clássico (O Banquete de Platão ou a Ars amatoria de Ovídio), quanto do próprio período medieval (narrativas como a de Heloísa e Abelardo ou de Tristão e Isolda), estabelecendo frequentes contrapontos, à maneira do que há de melhor em Literatura Comparada. Ao rever criticamente a cultura do período medieval, a autora transita por todo o imaginário coletivo do período, explorando signos, emblemas, mitos e fábulas, presentes desde as cantigas de trovadores até as representações do baralho tarô, e vai desmitificando ideias cristalizadas ao revelar o caráter renovador de uma época que foi por longo tempo vista injustamente como a “noite dos séculos”.
O bloco referente ao século XX acha-se dividido em duas grandes partes: a primeira sobre Carl Orff e sua obra, em que se analisam minuciosamente todos os principais aspectos dos textos medievais que passaram por um processo de ressignificação em sua cantata, e a segunda centrada em torno do balé de Ponnelle, também detalhadamente explorado, máxime em suas semelhanças e diferenças com relação às obras anteriores. Nesse bloco, além de estudar os autores e suas respectivas obras, sem deixar de referir-se à recepção que ambos tiveram, a autora realiza, com a solidez da especialista, um estudo pormenorizado de topos que ocupam posições de relevo no contexto das obras, em especial na de Ponnelle, como o da Roda da Fortuna, do deus Jano com suas duas faces, do carnaval com as diabruras do curinga, o navio dos loucos e os procedimentos paródicos, da alquimia e do esoterismo da música, da árvore cósmica e do simbolismo das árvores masculina e feminina.
Além disso, tece uma análise mítico-cultural extremamente rica da produção conjunta Orff-Ponnelle, acompanhada de admirável iconografia, especificando em detalhes as cenas da montagem cinematográfica de Ponnelle, e compondo, com mestria e grande delicadeza, o que ela própria designou de “um afresco da Idade Média Central com as transformações de seu universo histórico”. Do ponto de vista teórico, o livro apresenta enorme solidez, dialogando não só com os medievalistas e os autores da chamada Nova História, como também com teóricos da literatura e especialistas em mito. Vozes como as de Bakhtin, Bataille, Deleuze, Hutcheon, Ricœur, Auerbach, Hauser, Eliade, Frazer, Curtius, Huizinga, Le Goff, Duby, Markale, Zumthor, Kristeva, Jung, etc. são convocadas com frequência, dando lugar a uma polifonia altamente profícua, mas em que se sente o tempo todo o fio condutor da autora, entremeando comentários e lúcidas observações.
O estudo comparado dos poemas profanos medievais com
as leituras deles feitas por Orff e Ponnelle já por si só constitui
extraordinária contribuição de sua autora ao campo da Literatura Comparada,
contudo mais que isso se destaque o tecido contrapontístico que o estudo
engendra, estabelecendo um diálogo constante com a tradição cultural ocidental,
da Antiguidade greco-romana aos nossos dias, e desde suas formas canônicas e
eruditas às mais variadas expressões da cultura popular, incluindo as paródias
carnavalescas e os arcanos do tarô. A tudo isso acrescente-se – e este é um
dado que não poderia faltar por constituir mérito inestimável – uma escrita
fluida e escorreita, altamente poética, que dá lugar a uma leitura prazerosa,
revelando, como quis Roland Barthes em seus escritos, que crítica e criação nem
sempre se encontram separadas.
Eduardo F. Coutinho
Professor Titular de
Literatura Comparada da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Pesquisador IA do CNPq, representante do Brasil nos
congressos internacionais, presidente do Centro de Estudos Afrânio Coutinho,
sediado na UFRJ, autor de inúmeros livros publicados e um dos maiores
especialistas da obra de Guimarães Rosa.
Ao Professor EDUARDO F. COUTINHO, meu AGRADECER MAIOR
Muito sensibilizada, agradeço a todos que se manifestaram sobre a publicação de meu ensaio na coletânea “Brazilian Literature as World Literture”, editada pela prestigiosa Bloomsbury Academic. Entretanto, testemunho aqui meu maior agradecimento ao Professor Titular de Literatura Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador 1A do CNPq, EDUARDO F. COUTINHO, a quem devo o honroso convite para participar de uma obra de tão significativo nível.
E, sobretudo,
na companhia dos professores de
reconhecido destaque no cenário literário: Beatriz Resende, Benjamin Abdala
Junior, Gustavo Bernardo Krause, Jorge Fernandes da Silveira, José Luís Jobim,
Lígia Maria Pondé Vassallo, Lúcia Helena, Luiza Lobo, Marcia Rios da Silva,
Rita Terezinha Schmidt, Roberto Acizelo de Souza e o editor-coordenador Eduardo F. Coutinho.
Além de agradecer, cumprimento o Professor Eduardo Coutinho por ter realizado, com real suceso, um projeto de dimensão internacional, empenhando-se por divulgar o valor de nossa literatura e, também o trabalho intelectual de seus companheiros de ofício.
Expoente de Literatura Comparada no Brasil e no exterior, Eduardo F. Coutinho é doutor em Literatura Comparada pela universidade da Califórnia, Berkely, EUA, tendo sido Professor Visitante em diversas Universidades no Brasil e no exterior. Dentre estas, Havana (Cuba), Córdoba (Argentina), Bochum (Alemanha) e Illinois (EUA), onde foi ‘Distinguished visiting Scholar’ no ano acadêmico de 2011-2012.
Além de tantos títulos, é membro fundador e
Ex-Presidente da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC),
ex-vice Presidente da Associação Internacional de Literatura Comparada
(AILC/ICLA), membro da ANPOLL e de muitas
outras entidades da área. Membro do PEN Clube Internacional e consultor científico de diversas agências de fomento à Educação,
Eduardo F. Coutinho é organizador de diversas
fortunas críticas de autores
nacionais. Também inúmeros são seus
livros publicados.
Difícil é escolher qual título diante da enorme lista de seus trabalhos editados, tanto na língua inglesa, quanto no idioma nacional. Cito apenas: “Em busca da terceira margem, ensaios sobre Guimarães Rosa”; “Sentido e função” da literatura comparada na América Latina”; “Literatura Comparada n América Latina” e, mais recentemente, ”Rompendo Barreiras - Ensaios de literatura brasileira e hispano-americana”.
Certamente agora, prezado leitor a quem agradeço seus comentários sobre meu ensaio, você entendeu o porquê de minha alegria em participar de tão significativa coletânea. E ficou sabendo que a origem dessa corrente de agradecimentos reside no Professor EDUARDO F. COUTINHO ao qual aqui envio o meu AGRADECER MAIOR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário