sábado, 26 de fevereiro de 2022

ENTREVISTA DE CLARICE LISPECTOR À PROFESSORA DALMA NASCIMENTO




Entrevista de Clarice Lispector à professora Dalma Nascimento

“ Não leio você para a Literatura. Leio você para a vida”

 

Clarice me concedeu uma entrevista em 1974, publicada no Suplemento Literário do Jornal de Brasília em 23/06/1974, antecipada por longo texto sobre a vida e obra da escritora. A matéria foi republicada em francês na revista La Parole Métèque em Montréal, no Canadá, em outono de 1989, edição de nº 11, toda dedicada a Clarice. Na década seguinte, em meio a outras informações, a entrevista foi mais uma vez republicada no jornal carioca “Tribuna da Imprensa”, caderno Tribuna Bis em 25 de maio de 1995, quando resenhei o livro da professora Nádia Battella Gotlib, Clarice, uma vida que se conta, antes mesmo de seu livro ter sido lançado.

 

Observem a densidade das respostas, o jeito introspectivo de  Clarice manifestar-se, sintetizando ideias na serena consciência de que “menos é mais”. Em algumas respostas, existe certo hermetismo para leitores menos acostumados ao ser tão especial de Clarice. Mas os que a leem com amor, penetrando em seus meandros, perceberão a profundidade das asserções, já presente na primeira resposta desta entrevista.

 

Dalma Nascimento – Que é ser Clarice?
Clarice Lispector – Viver cada instante na fruição do momento. É como se estivesse em estado de graça, na clara/escura plenitude de meu silêncio.

 

DN – Uma obra de arte é para ser sentida ou analisada?
CL – Sentida, sobretudo.

 

DN – Então, as análises feitas pela crítica literária são dispensáveis?
CL – Mas análises também são sentidas. É um co-nascer do próprio crítico para a grandeza da obra.

 

DN – A tecnologia atua no escritor? Se verdade, de que maneira? E a obra literária se sente prejudicada pela era tecnológica?
CL – O ideal seria não atuar. A tecnologia minimiza a potencialidade do próprio criar. Massifica tanto a sua humanidade...

 

DN – “Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem”. Você disse isto em algum lugar, Clarice. Isso se incorporou em nós. E como você tenta romper os limites? Como e ampliar o mundo?
CL – Deixando a si próprio nascer o que vem.

 

DN – Seu romance pode ser considerado como novo romance (“le nouveau roman”)?
CL – Não cabe a mim responder.

 

DN – Em que obra você se sente mais realizada?
CL – Em nenhuma. A realização é sempre a obra futura. Realizar-se é estagnar. Se eu já tivesse me realizado, pararia, e assim me desclassificaria, perderia a minha dimensão, a minha humanidade.

 

DN – Seu conceito de ser se aproxima de Fernando Pessoa? Porque nos dois nós sentimos uma busca existencial...
CL – Há identidades, sim, creio. Eu não leio Fernando Pessoa. Porque se lesse, não mais escreveria. Iria me encontrar tanto com ele que não precisaria escrever nada mais.

 

Nunca leu, também, Heidegger – fez questão de frisar. Mas seus livros, sobre a mesinha da sala, nos falam também por ela. – Talvez estejamos na consciência do mesmo processo, do mesmo tempo, não sei – afirma Clarice, olhando, vagamente, o espaço, como se quisesse possuí-lo em respostas.

 

DN – Você permitiria que seus textos figurassem no Vestibular?
CL – Permitiria, por que não?! E evocadora, completa: inclusive, um texto meu sobre Brasília já figurou no Vestibular antes de ser unificado.

 

DN – Gostaria de saber os três maiores elogios que recebeu. 

CL – O primeiro de uma moça – disse ela – quando lhe perguntei: Por que gosta do que escrevo? – Porque, quando a gente lê você, parece que a gente é que está escrevendo. 

O segundo, de uma menininha. A avó leu para a garota que ainda não sabia ler, um dos meus livros infantis: O mistério do coelho pensante. Depois, perguntou se a menina gostou e esta respondeu: – Deus me livre se não tivesse gostado.

O terceiro foi na casa de Pedro Bloch, onde encontrei Guimarães Rosa. Ele me disse de cor pedaços de um dos meus livros. Reconheci, vagamente, e perguntei se fui eu que tinha escrito aquilo e como é que ele sabia de cor. E a resposta veio de manso: – Não leio você para Literatura. Leio você para a Vida!

 

 

Assim, nós também, “guimarãesrosando” a resposta do grande mestre e autor de Grande sertão: veredas, lemos você, sedutora Clarice, para a Vida!




Livros de Clarice Lispector



Clarice fala sobre solidão




Excelente a entrevista de Clarice Lispector. Uma relíquia através dos tempos. O melhor que foi concedida com exclusividade à Mestra Dalma Nascimento. Somente a professora tem essa entrevista. Inclusive, está publicada no livro de Dalma Nascimento "Antígonas da Modernidade", nas páginas 101 a 103.  Aplausos. ALBERTO ARAÚJO.



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