Persistentes
na luta pela liberdade, esses homens e mulheres desafiaram o sistema escravista
da época e se tornaram ícones. “Os escravos eram adquiridos pelos traficantes
em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava”, escreveu o
historiador Jaime Pinsky em A Escravidão no Brasil. Eram embarcados entre 200 e
600 negros na África, a cada viagem. Vinham amarrados por correntes e separados
por sexo. Sofriam, além do desconforto físico, sendo forçados a viver com a
falta de água e doenças. Assim que chegavam ao Brasil, eram postos em
quarentena, a fim de evitar mais perdas por doenças. Depois, seguiam para os
mercados de negros da cidade, como o Valongo, na Gamboa, região central do Rio
de Janeiro. De cabelos raspados, velhos, jovens, mulheres e crianças eram
avaliados pela clientela, que apalpava dentes, membros e troncos.
Em
1885, a Lei dos Sexagenários decretava a liberdade dos escravos com mais de 60
anos, idade que poucos atingiam na época. Entretanto, mais que o sofrimento
causado pelas circunstâncias, tomava corpo um movimento abolicionista, que
reunia a resistência de negros escravizados e setores radicais da sociedade que
pregavam o fim da escravidão.
Mesmo
que tenham caído em esquecimento, inúmeros foram os negros latino-americanos
que lutaram pelo fim do sistema escravista no continente. Persistentes em sua
luta pela liberdade, confira 5 homens e mulheres que fizeram resistência às
atrocidades cometidas na América Latina durante o período da escravidão — e
ainda depois dele.
1.
BENKOS BIOHÓ
Benkos
Biohó foi um membro da família real do Arquipélago dos Bijagós, atual
Guiné-Bissau, comprado por um comerciante de escravos de Portugal. Mais tarde,
ele seria adquirido pelo espanhol Juan Palacios e, em 1596, levado para a
América do Sul, mais especificamente para onde hoje está localizada a cidade de
Cartagena das Índias, na Colômbia. Sua vida como escravo duraria pouco: apenas
três anos. Depois de fugir e sob o nome de Domingos Biohó, ele começou a
organizar um exército que chegaria a comandar regiões próximas às cordilheiras
Montes de María.
Por
meio de uma rede de inteligência, tornou-se responsável por ordenar inúmeras
fugas de outros escravos na Colômbia, guiando-os para um território livre que
era designado por eles como o “assentamento”. Esse local daria origem ao
primeiro quilombo das Américas.
Em
1605, o governador de Cartagena, Gerónimo de Suazo y Casalola, aceitou a
derrota perante a organização do exército de ex-escravos e ofereceu um tratado
de paz a Biohó, que permitia a livre circulação das pessoas no local. Ainda
assim, o acordo foi violado em 1919, quando o líder foi sequestrado na cidade
e, posteriormente, enforcado pelas autoridades regionais.
Foi
apenas em 1691 que o governo oficializou a existência do Palenque de San
Basilio, que se tornou, em 2005, Patrimônio Imaterial da Humanidade, avaliado
pela Unesco. No local, esteve presentes o primeiro povo negro livre das
Américas, inspirados pela luta e resistência de Domingos Biohó.
2.
PRINCESA AQUALTUNE
Era
a filha de um rei, ainda não identificado, do Congo, sendo uma
princesa-guerreira antes de ser vendida como escrava no Brasil, mais
especificamente em Recife, Pernambuco. Ainda no Congo, nos últimos anos do
século 16, ela foi responsável por liderar cerca de 10 mil congoleses na
Batalha de Mbwila.
A
derrota fez com que ela fosse capturada e transportada para a América do Sul,
onde seria escravizada. Ela foi vendida como “reprodutora”, por ser considerada
“forte e saudável”. Aqualtune teria sido levada já gravida ao Brasil, em 1597.
Nos
seus últimos meses de gravidez, a princesa organizou uma fuga de
aproximadamente 40 negros escravizados para a Serra da Barriga, que se
tornaria, mais tarde, o famoso Quilombo dos Palmares. Por possuir conhecimentos
sobre política, organização estatal e estratégias de guerra, a personagem foi
fundamental para o estabelecimento do quilombo.
3.
GANGA ZUMBA
Ganga
Zumba foi o primeiro grande líder do Quilombo dos Palmares, onde hoje fica a
divisa entre Alagoas e Pernambuco. Filho da princesa Aquatune e tio de Zumbi
dos Palmares, ele ficou conhecido por ter conseguido estabelecer um acordo de
paz com o governo local.
No
ano de 1677, o quilombo lutou bravamente contra a expedição portuguesa de
Fernão Carrilho. A guerra resultou em inúmeras mortes, como a do filho do líder
Zumba, Toculo, e também no sequestro de 47 pessoas, incluindo ainda mais dois
de seus filhos. Na batalha, o próprio homem foi ferido com uma flecha, mas conseguiu
fugir das tropas da coroa portuguesa.
Em
1678, ele foi convidado por autoridades da Nova Lusitânia para firmar um acordo
de paz entre o governo e o quilombo. O tratado, no entanto, dizia que os
habitantes do local seriam transferidos para outra região mais distante,
causando controvérsias entre muitos dos moradores de Palmares.
Em
Cucaú, eles passaram a viver sob a forte vigilância portuguesa e também
hostilidade das pessoas que moravam perto do local. Ganga Zumba morreria anos
depois por envenenamento causado por um partidário de Zumbi dos Palmares.
4.
ZACIMBA GABA
Zacimba
Gabafoi uma princesa guerreira do reino de Cabinda, na Angola, África, nascida
no século 17, que comandou seu povo numa guerra contra a invasão portuguesa na
região costeira. Cabinda, na década de 1690, foi praticamente dizimada pelas
tropas portuguesas e seus sobreviventes foram capturados e mandados ao Brasil
como escravos.
No
Espírito Santo, Brasil, ela foi vendida junto a 12 de seus súditos ao
fazendeiro português José Trancoso. No campo de trabalho, Zacimba foi
cruelmente castigada por não se submeter às ordens do senhor.
Zacimba
decidiu, então, utilizar o método do envenenamento para escapar do local. O
veneno era conhecido como pó de amassar sinhô e dado em doses pequenas, pois
não funcionava instantaneamente. Com medo desse tipo de golpe, os senhores
costumavam obrigar os escravos a experimentar as comidas que trazia. Com essa
consciência, Zacimba demorou anos para envenenar José Trancoso.
Quando
ele finalmente morreu envenenado, Zacimba ordenou a invasão da Casa Grande
pelos escravizados presos na senzala. Todos os torturadores foram mortos, mas a
família do português foi poupada. Ela seria responsável por fundar um quilombo
no Norte do Espírito Santo, hoje município de Itaúnas e passou o resto da vida
guiando batalhas no porto de São Matheus, pela libertação dos negros que eram
vendidos chegados de África, e a destruição dos navios negreiros.
5.
MÁRIA REMEDIOS DEL VALLE
Mária
Remedios Del Valle nasceu em Buenos Aires, na Argentina, quase 90 anos antes da
abolição da escravatura no país. Ela foi uma combatente e enfermeira que atuou
na Guerra de Independência da Argentina, ganhando os títulos de “capitã” e “mãe
da pátria”.
Mária
trabalhava como “rabona” nos acampamentos dos exércitos que lutavam pela
libertação da região da intervenção espanhola. O termo designava mulheres que
eram responsáveis pelo alimento e limpeza dos soldados, mas também atuava como
enfermeira em casos específicos.
A
partir desse contato, inspirada pela guerra pela independência, ela pediu ao
General Manuel Belgrano para continuar fazendo o seu trabalho nas tropas da
linha de frente. Ele negou, no entanto, a mulher foi mesmo assim.
Durante
a Batalha de Ayohuma, Mária acabou sendo atingida com um tiro e ainda foi
capturada pelas tropas inimigas. Ainda assim, ela seguiu ajudando as pessoas
que também estavam em cativeiro, cuidando de suas feridas — mas sofreu por
isso. Um de seus maiores castigos foi ser açoitada em público por nove dias
consecutivos. A soldada conseguiu fugir e permaneceu lutando até o fim da
guerra em 1818.
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