PEDAGOGO
DA CULTURA POPULAR
Celebra-se
o centenário de um poeta e homem de teatro, que influenciou decisivamente
muitas gerações de jovens nos anos cinquenta e sessenta. António Manuel Couto
Viana foi, antes de tudo, um pedagogo da cultura popular portuguesa. Pode
dizer-se que foi esse seu papel de ativo educador através da leitura e do
teatro que deixou uma marca indelével. Filho de um português e de mãe
aragonesa, cultivou sempre as suas raízes galaico portuguesas e minhotas.
António
Manuel Couto Viana nasceu em Viana do Castelo, em 24 de janeiro de 1923 faleceu
em Lisboa, 8 de Junho de 2010, poeta, dramaturgo, ensaísta, memorialista e
tradutor, fez os seus estudos no seu Minho e em Lisboa. Era irmão de Maria
Manuela Couto Viana.
Desde
sempre foi um entusiasta do teatro, como a arte que melhor permite ligar a
criatividade popular e a necessidade da cultura, tendo recebido de seu avô, com
suas irmãs, em herança o Teatro Sá de Miranda de Braga. Cedo começou a
colaborar no Teatro Estúdio do Salitre, como ator, cenógrafo e encenador
(1948-1950), sendo ainda um dos animadores do Teatro de Ensaio do Monumental
(1952), bem como diretor do Teatro do Gerifalto (1956-1960) – onde também
estiveram Cecília Guimarães, Henriqueta Maya, Irene Cruz, Rui Mendes e Morais e
Castro. Participou na Companhia Nacional de Teatro – Teatro da Trindade
(1961-1965). Como ator, encenador e mestre da arte de dizer e de representar,
encenou na televisão portuguesa (RTP) espetáculos de teatro e animou conversas
e programas, com grande repercussão entre o público de todas as idades, mas
especialmente entre os jovens, atraindo uma nova geração de atores e artistas
para a arte de Talma. Lecionou no Liceu D. Leonor e foi membro do Conselho de
Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Estreou-se na escrita em 1948 com o
livro de poemas O Avestruz Lírico, muito bem recebido pela crítica. Foi autor
de mais de uma centena de obras escritas.
ATIVIDADE
INTENSA DE PROMOÇÃO DA CULTURA
De
1950 a 1954, dirigiu com David Mourão-Ferreira e Luiz de Macedo as folhas de
poesia Távola Redonda, e em 1956-1957 a revista de cultura Graal, participando
na revista Tempo Presente em 1959-1961. A sua obra poética procurou reabilitar
as tradições líricas populares e um certo culto do passado e da paisagem. Além
da poesia e do teatro, dedicou-se à literatura infantil, a partir dos
principais autores europeus e dos romanceiros portugueses antigos, estudando-a
em ensaios, escrevendo e traduzindo livros destinados aos mais jovens. Dirigiu
o Camarada (1949-1951). Uma boa parte da sua atividade teatral como ator,
encenador e autor dirigiu-se também aos jovens e às crianças, o que se
relaciona com a sua obra poética onde perpassam marcas dos temas dos contos
tradicionais. A referência ao Gerifalto, que marcou o mais importante grupo que
animou, tem a ver com a simbologia de uma ave semelhante ao falcão, que
representava a altivez e a valentia. Couto Viana está representado nas
principais antologias de poesia portuguesa, e os seus poemas foram traduzidos
para castelhano por Angel Crespo e para inglês por Joan R. Longland. Foi em
1960 premiado com o Prémio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, além de um
conjunto dos principais galardões relativos à poesia e ao conto.
Um
dos seus poemas mais célebres, publicado em “Versos de Caracacá”, intitula-se
“A Maçã”, que recordamos: «Na relva cheia de pó, / cai uma maçã pequena / que
ao ver-se tão suja e só/começa a chorar de pena. / O galo do catavento, /
temendo alguma desgraça, / pára logo o movimento / e pergunta: - O que se
passa? / - Quero ver o Mundo! – diz / a maçã, a soluçar. / - O escaravelho é
feliz, / pois tem patas para andar! / / De um alto ramo pendente / via o Sol, o
Céu, a estrela / com gatos e cães e gente. / Mas, no chão, não vejo nada! / Eu
tenho uma rica ideia! / - diz o galo (e bate as asas). / - Dou-te esta noite
boleia / para veres gentes e casas. / E assim fez. Voa da igreja, / põe às
costas a maçã / que vê tudo o que deseja / até ao romper da manhã. / - Olha
outro galo tão lindo, / a voar! – Maçã pateta! – / responde-lhe o galo, rindo.
/ - Aquilo é uma borboleta! // Olha uma casa amarela! / Desço até ela. Já está!
/ Espreita pela janela / e diz-me o que vês por lá. / - Vejo uvas numa taça – /
diz a maçã. - Por favor, / chega-te mais
à vidraça, / para eu espreitar melhor. / E a maçã pôde, assim, ver, / sobre a
toalha engomada, / o garfo, a faca, a colher. / Viu tudo e ficou cansada. // O
galo regressou à sua / torre da igreja aldeã / para, aí, contar à Lua / a
viagem da maçã. //E a maçã muito contente, / diz, na relva, para consigo: / -
Vi o Mundo, finalmente! / E o galo é meu amigo!»
O
CULTO DAS TRADIÇÕES
Como
afirmou um dia sobre o Alto Minho: «A família toda foi uma apaixonada pela sua
terra, que é encantadora: meu pai, um etnólogo, um homem que fez o
ressurgimento do trajo à lavradeira (aquilo a que se chama «trajo à minhota»,
mas que é apenas do concelho de Viana do Castelo) e escreveu sobre Viana; minha
irmã mais velha também tinha uma grande paixão por Viana e escreveu muito sobre
ela e o mesmo com a minha outra irmã... O Luís d’Oliveira Guimarães dizia que o
meu pai amava tanto a própria terra que até a usava no nome (Couto Viana). Eu
identifico-me com a cidade e tenho recebido dela um carinho e uma admiração
muito grandes – recentemente foi edificada a Biblioteca Municipal de Viana, que
tem quatro salas: a sala Camões, a sala Fernando Pessoa, a sala José Saramago e
a sala Couto Viana; sou cidadão de mérito da cidade; a Câmara Municipal tem
publicado muitos livros meus de poesia e ensaio. A cidade tem correspondido ao
meu amor”. Esta referência significa que a obra de António Manuel Couto Viana
procura ligar, a partir da poesia, a literatura, a língua e a procura da
compreensão da cultura como ponto de encontro entre as gerações – numa
verdadeira noção de património cultural como realidade viva. Assim, a leitura
da sua obra constitui um ensinamento permanente sobre o cadinho complexo e
heterogéneo que vai construindo a língua portuguesa – de Camões a Eça de
Queiroz, passando por Vieira e Garrett, por Sá de Miranda e Antero, sem
esquecer os antigos trovadores, de que o poeta se considerava seguidor. Um pedagogo
da cultura popular não poderia ser outra coisa do que um ouvinte fiel das
tradições e leitor atento da melhor língua erudita.
HOMENAGENS
A
9 de junho de 1995 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. António
Viana recebeu vários galardões literários como o Prêmio de Poesia Luso-Galaica
Valle-Inclan, o Prêmio Antero de Quental, o Prêmio Nacional de Poesia, o Prêmio
Fundação Oriente ou o Prêmio Academia das Ciências de Lisboa. Foi condecorado
com a Banda da Cruz de Mérito, Grão Cruz da Falange Galega e a medalha de
Mérito Cultural da Cidade de Viana do Castelo.
Obras
Entre outras obras publicou: ·
O Avestruz
Lírico (1948) ·
No Sossego da
Hora (1949) ·
O Caminho É
por Aqui (1949) ·
Era uma
Vez... Um Dragão (1950) ·
O Coração e a
Espada (1951) ·
Em Louvor do
Teatro Infantil (1951) ·
Auto das Três
Costureiras (1952) ·
A Face Nua (1954) ·
O Fidalgo
Aprendiz (1955) ·
A Tentação do
Reino (1956) ·
O Acto e o
Destino (1957) ·
Um Espinho da
Flor (1959) ·
Mancha Solar (1959) ·
O Milagre de
Ourique (1959) ·
A Rosa
Sibilina (1960) ·
Do Cimo desse
Telhado (1962) ·
Relatório
Secreto (1963) ·
Poesia
(1948/1963) (1965) ·
O Teatro ao
Serviço da Criança (1967) ·
Desesperadamente
Vigilante (1968) ·
Antígona,
Ajax e Rei Édipo (1970) ·
O Avarento (1971) ·
O Senhor de
Pourceaugnac (1971) ·
Pátria
Exausta (1971) ·
Em Redor da
Mesa (1972) ·
10 Poesias de
Agustin de Foxá (1973) ·
Raiz da Lágrima (1973) ·
O Almada Que
Eu Conheci (1974) ·
2
"Modernistas" do Alto Minho (1976) ·
709 Poesias
de Reclamo à Casa Brasileira (1977) ·
Coração
Arquivista (1977) |
·
Nado Nada (1977) ·
Voo Doméstico (1978) ·
João de Deus
e um Século de Literatura Infantil em Portugal (1978) ·
As Pedras do
Céu (1979) ·
Júlio de
Lemos, num Retrato Breve e Leve (1979) ·
Retábulo para
Um Íntimo Natal (1980) ·
As
(E)vocações Literárias (1980) ·
Morte e
Glória de Narciso no Poeta Alfredo Pimenta (1982) ·
Frei Luís de
Sousa à Luz de Novas Luzes (1982) ·
Ponto de Não
Regresso (1982) ·
Para um
Encontro com o Poeta Alfredo Pimenta (1983) ·
Versos de
Cacaracá (1984) ·
Uma Vez uma
Voz: Poesia Completa - 1948-1983 (1985) ·
as
antologias “Tesouros da Poesia Popular Portuguesa” (1984) ·
Postais de
Viana (1986) ·
O Senhor de Si (1991) ·
Café de
Subúrbio (1991) ·
Colegial de
Letras e Lembranças (1994) ·
A Gastronomia
no Teatro e na Poesia Portuguesa (1994) ·
Bom Garfo e
Bom Copo (1997) ·
Por Outras
Palavras (1997) ·
Comeres em
Lisboa: Roteiro Gastronómico (1998) ·
Prefiro
Pátria às Rosas (1998) ·
Dez Peças de
Teatro Infantil ·
Teatro
Português d'Outrora Agora ·
Restos de
Quase Nada (2007) ·
Disse e
Repito (2008) ·
Bichos
diversos em verso (2008) ·
Que é que eu
tenho Maria Arnalda? (2009) ·
Cancioneiro
do Rio Lima (2001). ·
60 anos de
poesia (2 vols.) (2004) |
Os seus poemas estão traduzidos em francês, inglês, espanhol,
chinês, alemão e russo.
O escritor António Manuel Couto Viana morreu esta tarde aos 87 anos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, disse à Lusa fonte próxima da família.
O
escritor, que residia há cerca de dez anos na Casa do Artista, em Lisboa, foi
internado naquele hospital “nos últimos dias, devido a problemas num pé que se
agravaram, vindo a falecer”, disse a mesma fonte.
O
último livro de António Manuel Couto Viana, poeta, contista, ensaísta, actor,
dramaturgo, encenador e figurinista, foi a poesia de “Ainda não”, com poemas
autobiográficos, lançado em Abril. O volume de contos pícaros com o título “O
que é que eu tenho Maria Arnalda?” foi editado em Setembro de 2009.
FONTE:
https://e-cultura.blogs.sapo.pt/a-vida-dos-livros-1427536
TEXTO
DO JORNALISTA: GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
COMPLEMENTO:
ALBERTO ARAÚJO
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