RICARDO CAVALIERE, O ARTESÃO DA LÍNGUA E O GUARDIÃO DA MEMÓRIA
Nasceu em Niterói, cidade de brisas atlânticas e silêncios que escutam o mar, em 25 de junho de 1953. Ricardo Stavola Cavaliere não veio ao mundo apenas para viver entre palavras, ele veio para escutá-las em sua respiração mais antiga, para decifrar seus segredos e para devolver-lhes o brilho que o tempo tenta apagar. Filólogo por vocação, linguista por rigor, poeta por natureza, Cavaliere é um dos raros intelectuais que fazem da gramática uma ponte entre o pensamento e a emoção.
Formou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1975, e mais tarde, como quem busca compreender também os códigos da sociedade, graduou-se em Direito pela mesma instituição. Mas foi na língua portuguesa que encontrou seu verdadeiro território: um campo fértil onde a história, a forma e o sentido se entrelaçam como raízes de uma árvore milenar. Mestre e doutor em Língua Portuguesa, com pós-doutorado em História da Gramática, Cavaliere não apenas estudou a língua, ele a escavou, como quem busca relíquias em camadas de tempo e cultura.
Seu trabalho é uma arqueologia do verbo. Ao investigar a gramática brasileira dos séculos XVI ao XIX, ele não apenas revelou os alicerces da nossa fala, mas também iluminou os caminhos por onde passaram os sonhos e os dilemas de um povo em formação. Seus livros são mapas de uma língua em movimento, e suas aulas, verdadeiros rituais de iniciação ao pensamento linguístico. Professor aposentado da Universidade Federal Fluminense, continua ativo no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, onde sua presença é mais que acadêmica, é simbólica.
Membro da Academia Brasileira de Filologia e conselheiro do Real Gabinete Português de Leitura, onde ostenta o título de Grande Benemérito, Cavaliere é também conselheiro do Liceu Literário Português. Sua atuação nesses espaços não é apenas institucional: é uma forma de manter viva a chama da cultura luso-brasileira, de preservar o diálogo entre tradição e contemporaneidade. Como cidadão italiano, carrega em si o eco de duas línguas que se cruzam como rios, o português e o italiano, e talvez por isso compreenda tão bem que a linguagem é sempre um território de encontros.
Em 27 de abril de 2023, foi eleito para a Cadeira 08 da Academia Brasileira de Letras, com 35 votos. A escolha não foi apenas um reconhecimento, foi uma celebração. A Cadeira que já pertenceu a nomes como Clóvis Beviláqua e João Cabral de Melo Neto agora abriga um estudioso que, como Cabral, entende que a palavra é pedra e música, forma e fogo.
Mas Cavaliere não é apenas um homem de instituições. Ele é um homem de escuta. Escuta o português como quem escuta uma sinfonia em ruínas, tentando recompor seus acordes originais. Escuta os manuscritos antigos como quem lê cartas de amor esquecidas. Escuta os alunos como quem cultiva sementes de pensamento. Sua presença em sala de aula é marcada por uma elegância intelectual que não se impõe, seduz. Seu olhar sobre a língua é ao mesmo tempo técnico e afetivo, como quem sabe que cada vírgula carrega uma história, cada acento uma intenção, cada construção uma memória.
Ao longo de sua trajetória, Cavaliere construiu pontes entre o rigor da análise e a delicadeza da escuta. Seus estudos sobre a história da gramática brasileira não são apenas contribuições acadêmicas, são gestos de cuidado com a nossa identidade linguística. Ele nos lembra de que falar português é também herdar séculos de escolhas, de influências, de resistências. E que estudar essa língua é, portanto, um ato de cidadania cultural.
Seus textos, embora densos, não são áridos. Há neles uma pulsação que vem da paixão pelo idioma, uma vibração que transforma a gramática em narrativa. Cavaliere escreve como quem conversa com os fantasmas da língua, como quem dialoga com os mestres do passado e os alunos do futuro. Sua obra é uma constelação de saberes que ilumina o céu da linguística brasileira.
Mais do que um estudioso, Ricardo Cavaliere é um curador da palavra. Ele a limpa, a restaura, a contextualiza. E ao fazer isso, nos oferece não apenas conhecimento, mas também pertencimento. Porque entender a língua é entender a si mesmo. E Cavaliere, com sua erudição generosa, nos ensina que a língua portuguesa não é apenas um instrumento, é uma casa. E que essa casa, como toda casa viva, precisa de quem a cuide, de quem a compreenda, de quem a ame.
© Alberto Araújo
Jornalista e escritor
Focus Portal Cultural
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