DO RIO AO OCEANO - MEMÓRIAS
NORDESTINAS
Memórias de um Piauiense
Sou filho das terras quentes do Piauí, onde o sol se deita sobre a caatinga e a vida floresce na resistência. Minhas raízes estão fincadas no chão vermelho, no cheiro da terra molhada pelas primeiras chuvas, no canto dos pássaros que anunciam a manhã e no silêncio profundo das noites estreladas. Carrego comigo o sotaque arrastado, a cadência das palavras que nascem do coração nordestino, e a memória dos que vieram antes de mim, lavrando o chão duro com mãos calejadas, mas cheias de esperança.
O Velho Monge, com suas águas que cortam o sertão, foi testemunha da minha infância e da minha formação. Suas margens guardam segredos de pescadores, histórias de famílias inteiras que se reuniam para celebrar a vida, e também o silêncio das despedidas. Foi nele que aprendi a escutar o tempo, a perceber que a correnteza nunca é a mesma, e que a vida é feita de travessias. Cada onda que se quebra contra a pedra é um chamado para seguir adiante, para não temer o desconhecido.
E assim, guiado por essa voz líquida, deixei as águas do Velho Monge me conduzirem. Minha jornada não foi apenas geográfica, mas também espiritual. Carreguei comigo o cheiro do sertão, o calor da terra gretada, a fé que se ergue em procissões e novenas, e a música que nasce do aboio, do repente, da sanfona que embala noites de festa. Cada passo que dei foi uma reafirmação de quem sou: nordestino, piauiense, herdeiro de uma cultura que não se curva ao esquecimento.
Cheguei, então, às águas da Guanabara. O mar se abriu diante de mim como um espelho imenso, refletindo não apenas o presente, mas também o passado que trago comigo. A baía, com sua vastidão, me recebeu como quem acolhe um viajante cansado, mas cheio de histórias. Aqui, entre barcos e ondas, reencontrei o sentido da jornada: não se trata de abandonar o que fui, mas de expandir o que sou.
Na Guanabara, as águas salgadas se misturam às doces lembranças do Velho Monge. Sou feito desse encontro: o sertão que resiste e o mar que se abre, a aridez que ensina e a abundância que acolhe. Trago no peito a coragem dos que partem e a gratidão dos que chegam. Sou ponte entre dois mundos, entre o silêncio do rio e o rumor do oceano, entre a raiz que finca e a asa que voa.
Minha identidade é essa travessia silenciosa. Sou piauiense, sou nordestino, sou filho das águas que me moldaram. E mesmo que o tempo me leve por outros caminhos, sei que em mim sempre correrá o Velho Monge, e sempre se abrirá a Guanabara. Porque ser nordestino é isso: é carregar o sertão dentro do peito, mesmo quando se está diante do mar. É nunca se esquecer de onde se veio, mesmo quando se descobrem novos horizontes.
E assim sigo, navegando entre memórias
e esperanças, entre raízes e destinos. Sou rio e sou oceano, sou permanência e
sou mudança. Sou, acima de tudo, a poesia viva das águas que me trouxeram até
aqui.
Hoje, 19 de outubro, o Piauí celebra 203 anos de sua emancipação política. E eu celebro junto, porque cada aniversário do meu estado é também um renascimento dentro de mim. É a lembrança de que minhas raízes continuam vivas, firmes, e que, mesmo distante, sigo sendo parte dessa história que começou no sertão e agora ecoa nas ondas da Guanabara.
© Alberto Araújo


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