Há línguas que nascem para nomear o pão, a casa, o amor, servas do cotidiano, fiandeiras do instante. Outras, porém, parecem ter sido sopradas por deuses antigos, moldadas na argila do mito, talhadas para a eternidade. O latim é uma dessas. Não é apenas um idioma extinto, mas uma presença que resiste ao esquecimento, como uma coluna romana que desafia os séculos, como um eco que se recusa a morrer. O latim não morreu: ele se transfigurou em pedra, em rito, em fundamento. Ele é a voz imortal do tempo.
Na tessitura dos séculos, há línguas que se calam, e há línguas que se tornam silêncio eloquente. O latim é esse silêncio que fala. Embora não ecoe nos mercados, nem se ouça nos cafés, ele permanece, não como ruína, mas como raiz. Dorme nas bibliotecas, desperta nos tribunais, respira nas liturgias. É uma língua que, mesmo silenciada, vive. Vive nos vocábulos da ciência, nas fórmulas do direito, nas orações da fé. Vive como vive o mármore: imóvel, mas eterno.
E é nesse território sagrado que habita o professor Marco Antônio Martins Pereira, mestre das letras, arqueiro da memória clássica, sacerdote da palavra. Um dos raros homens que não apenas estudam o latim: ele o escuta. Escuta-o nas entrelinhas de Cícero, nas elegias de Ovídio, nas sentenças jurídicas que ainda hoje se erguem com a solenidade de um templo romano. Para ele, o latim não é apenas idioma: é destino cultural, é vocação espiritual, é missão intelectual.
Originário do Latium, terra que viu nascer Roma, o latim foi a língua dos conquistadores e dos poetas, dos filósofos e dos padres. Moldou o pensamento jurídico, deu forma à retórica, ensinou à Europa medieval a pensar com lógica e beleza. E mesmo quando o mundo moderno quis esquecê-lo, ele persistiu, nos vocábulos científicos, nas fórmulas jurídicas, nos ritos da fé. Persistiu como persistem os mitos: invisível, mas essencial.
Mesmo sem falantes nativos, o latim permanece como língua oficial do Vaticano e como veículo de expressão ritual, acadêmica e jurídica. Foi a base das línguas neolatinas e a espinha dorsal da cultura ocidental. E é nesse território simbólico que Marco Antônio se move com elegância e paixão. Sua erudição não é apenas técnica: é poética. Sua relação com o latim é de reverência e intimidade, como quem conversa com os mortos ilustres e os escuta com o coração.
Formado em Letras e pós-graduado em Latim pela Université de Nancy, na França, construiu uma trajetória marcada pela devoção à cultura clássica. Em suas aulas, o latim não é uma língua morta: é uma chama acesa. Ele ensina com a reverência de quem sabe que cada declinação é uma chave para o pensamento romano, cada caso gramatical uma janela para a civilização. Seus alunos não aprendem apenas regras: aprendem a escutar o tempo.
Sua obra “Latim Forense” é mais que um tratado técnico: é uma ode à precisão e à beleza do idioma jurídico romano. Ao lado de suas contribuições como professor nas universidades Cândido Mendes, Gama Filho e Simonsen, Marco Antônio também se destaca como crítico literário e conferencista, tendo proferido palestras em academias de letras e instituições culturais sobre temas como Augusto dos Anjos, Euclides da Cunha e a importância do latim jurídico. Sua fala é sempre pontuada por uma elegância que não se aprende nos manuais, mas se cultiva na alma.
O latim, como ele bem sabe, é mais que uma língua ancestral: é uma estrutura de pensamento. Sua sintaxe flexiva permite uma liberdade que desafia os idiomas analíticos modernos. A ordem das palavras pode variar, mas o sentido permanece claro graças aos afixos e desinências. Essa maleabilidade é, ao mesmo tempo, desafio e encanto, e Marco Antônio a domina com a mestria de quem vê na gramática não uma prisão, mas uma dança. Uma dança que atravessa os séculos, conduzida por mãos invisíveis.
Do latim pré-literário das inscrições ao latim clássico de Cícero e Virgílio, passando pelo latim vulgar que deu origem ao português, francês e espanhol, a língua latina atravessou os séculos como um rio subterrâneo. Mesmo quando o grego passou a predominar entre os eruditos romanos, o latim manteve-se como língua jurídica e administrativa. E quando o Império se fragmentou, ele se adaptou, florescendo como latim medieval, renascentista e científico. Marco Antônio compreende essa evolução como poucos. Em suas análises, revela como o latim se tornou a língua dos acadêmicos medievais, dos tratados filosóficos e das bulas papais. E mais: como ele ainda pulsa nas palavras que usamos hoje, em expressões jurídicas, termos médicos, conceitos filosóficos. O latim é o esqueleto invisível de nossa linguagem.
Reconhecido nacional e internacionalmente, é membro da Société des Études Latines e do Conseil International de la Langue Française. Recebeu distinções como a Cruz do Mérito Cultural e a Medalha Almeida Victor. Foi convidado pelo Ministro de Estado da Cultura Francisco Correa Welfort para a entrega do Prêmio Ministério da Cultura 1998 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Seu artigo “A Importância do Latim Jurídico”, publicado no Jornal do Comércio e traduzido para várias línguas, é referência obrigatória. Detentor do título de Professor Laureado, sua maior condecoração talvez seja a admiração de seus alunos, que o veem como um mestre que transforma a sala de aula em templo, e a língua em revelação.
Em suas críticas culturais, como as que dedicou à minissérie Presença de Anita ou à obra de Nélida Piñon, Marco Antônio revela uma sensibilidade rara, a de quem enxerga na literatura não apenas estética, mas consciência. E essa mesma sensibilidade ele aplica ao latim, defendendo-o como fundamento da cultura, da literatura e do pensamento jurídico. Sua visão é ampla, profunda, generosa. Ele não apenas ensina: ele inspira.
Porque há línguas que passam. E há línguas que permanecem. O latim é uma dessas. E Marco Antônio Martins Pereira é seu intérprete mais lírico, mais culto, mais apaixonado. Ele não apenas ensina o latim: ele o escuta. Escuta-o nas ruínas, nas bibliotecas, nos tribunais. Escuta-o nas pedras de Roma, nas páginas de Santo Agostinho, nas vozes dos monges medievais. E ao escutá-lo, nos ensina a ouvir também o tempo, esse tempo que não se mede em horas, mas em ideias.
“Sic transit gloria mundi,” dizem os
antigos: “assim passa a glória do mundo.” Mas com o latim, a glória não
transita: ela permanece. Permanece na voz de quem a honra, na pena de quem a
celebra, na alma de quem a vive. E permanece, sobretudo, na personalidade
luminosa do professor Marco Antônio Martins Pereira, que fez da língua uma morada,
e da cultura, um altar.
© Alberto Araújo
Focus Portal Cultural


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