OS SEGREDOS DOS MITOS TATUADOS NA ALMA
Existem
momentos mágicos na vida da gente, só percebidos quando os anos já se
debandaram. Na hora mesmo, não os seguramos com os dedos. Mas alguns grudam
quais tatuagens na alma e ficam escondidos na gente à espera de um dia
ressurgirem. E muito desses momentos inesquecíveis reviveram-se no sensível e
belo discurso da companheira Márcia Maria de Jesus Peçanha ao me saudar,
apresentando-me à Academia Niteroiense de Letras.
Sua
fala, pautando-se em meu livro "Das
neblinas e das colheitas de um memorial", 'sombrailuminou' muitos
daqueles instantes que, no sumidouro do tempo, já se iam transformando em
poeira. Mas Márcia Peçanha, com seu dizer encantatório, os reviveu. Por isso, o
meu olhar de saudade, transmitido nas fotos do evento sem dar um sorriso.
Reportei-me ao passado quando papai me contava histórias de mitos e de seres
fabulosos.
Na
minha infância, como não havia televisão, à noite, ele lia poesia e contava
histórias, enquanto mamãe corrigia cadernos, preparava aulas ou cerzia meias.
Eu ouvia, extasiada, lendas de amores despedaçados, de traições humanas.
Fascinava-me com o mundo mágico de bichos fantásticos do folclore local e de
terras estrangeiras.
Vivia
curiosa por aqueles relatos, em que meu pai-poeta livremente me ia dissecando a
nossa humana condição misturada àquelas lendas.
Menina
ainda eu já soubera – verdade, mesmo! daí meu interesse pelos mitos quando
adulta –, do infanticídio de Medeia para ferir o amor de Jasão; do parricídio
de Édipo, filho de Laio, e do seu casamento com a mãe, Jocasta; das viagens dos
argonautas a Cólquida, em busca do tosão dourado; de Orfeu a retirar Eurídice
das cavernas do Hades; dos nomes e dons das nove Musas filhas de Mnemósine; do
desafio de Antígona diante de Creonte; da sedução de Fedra enfeitiçando
Hipólito, o enteado; de Eletra e Orestes, filhos de Agamenon e Cliltemnestra, e
do amor desta por Egisto.
Sísifo,
subindo a montanha com a pedra, deixando-a cair e retornando dia a dia por todo
o sempre, até agora ainda vive em mim. Tanto que, hoje, adulta, com frequência
em meus livros, agradeço aos companheiros do trajeto, que me ajudam a carregar
a pedra na escalada ou a tirar a outra, a tal do Drummond que há no meio do
caminho. E todas essas histórias me vieram dos relatos de papai. Assim, em
plena celebração da ANL, eu me vi, de novo garota, por intermédio do caloroso
discurso de Márcia Peçanha.
Foi
meu pai quem primeiro me explicou que somos uma mistura de Sísifo, gente tenaz,
e de Fênix, bicho que renasce da adversidade. E que os mitos dizem verdades
profundas. Por isso, são eternos, mesmo com outras vestimentas. Mas, naquele
tempo, para o meu eu, de meninota, aquilo tudo me parecia meio nebuloso, apesar
de mexer com a alquimia interna do meu inconsciente.
Porém
para acolchoar as trágicas lembranças, ele me falava também dos animais
mitológicos. Ah! o encanto do canto das sereias. Floreava os detalhes da cera
nos ouvidos para Ulisses nada ouvir também, amarrado nos mastros do navio. Já
Fênix, ressurgindo das cinzas, para eu entender melhor, ele comparava às estrelinhas
prateadas das bombinhas de São João, vendidas na loja de miscelâneas da Casa Mansur
de nossa Barra do Piraí. E eu via a cena.
O
unicórnio, com seus segredos, foi um desses que ficaram plasmados em mim, mas
que só vim a entender plenamente o seu significado maior, trinta e tantos anos
depois quando, numa ida a Paris, visitei o Museu de Cluny. Numa próxima
postagem recontarei a minha emoção e a estranha maneira de contemplar, por
horas seguidas, a sequência daquelas tapeçarias.
DALMA
NASCIMENTO
Maravilhada também sou pelos mitos. Agradeço a Professora Dalma Nascimento pela aula. Aprendi dela.
ResponderExcluirObrigada.