Prezados leitores, eis o resumo,
bem panorâmico, de certos momentos elaborados
pela professora Dalma Nascimento de “A República dos Sonhos”, obra de Nélida
Piñon. O primeiro capítulo aludiu à vinda do imigrante
Madruga da Galícia (região montanhosa de Sobreiro) a terras
nacionais; à sua amizade dele com Venâncio; ao sucesso econômico de
Madruga; ao casamento com a piedosa e sonhadora
Eulália; à vinda dos cinco filhos, de tão
peculiares tendências; à ênfase à filha Esperança, símbolo da nova
mulher e à neta, Breta, filha de Esperança.
A importância dos narradores orais na obra de
Nélida Piñon
Madruga
era fascinado pela precocidade de Breta, a neta sensível e filha de Esperança.
Porém, ele sempre entrava em disputa com Breta, pois ambos possuíam o mesmo
espírito tenaz, forte, combativo – o mesmo daimon. Apesar
de seu temperamento imbatível e do afrontamento nos atos, Madruga fertilizou o
imaginário de Breta com o universo galego, pois, trazia a terra natal,
tatuada na alma. A memória levava-lhe à infância, feudo encantado, no qual
ficara a presença do inesquecível avô Xan. Foi com Xan que Madruga, ainda
garotinho, aprendeu a sonhar e a amar a tradição. Xan foi seu chão existencial,
lembrança que o levava às existentes sobras de sua Sobreiro natal.
A memória leva-o diretamente à Galícia,
cenário de sua infância. Por onde se movia como um caçador de borboletas. Sem
se esquecer porém de recorrer ao avô Xan. Era ele o primeiro a fazê-lo voar, a
lhe propor a abertura (p. 8).
Pelas
cordas do coração, Xan acordava-lhe o refulgente passado. Porque Xan, igual aos
primitivos druidas dos celtas, estava sempre presente nos momentos
inesquecíveis do neto, Normalmente, contando-lhe
histórias, ensinava-lhe a importância da arte da palavra. E isto
Madruga dizia a Breta: “Só as palavras essenciais comovem de verdade. (...)
Lembre-se sempre do meu avô Xan (p.22).
As
referências ao velho narrador Xan representam um dos momentos mais
líricos do livro. O avô de Madruga, em suas narrativas,
transitava no território sem fronteiras do maravilhoso. Nele,
fantásticos enredos iam-se “logotecendo’,
ou seja. tecendo nas palavras puras da tribo aqueles relatos populares que
ficaram no avô de Breta para sempre. Xan “contando histórias em
pedaços”(p.122), lembrava aqueles velhos rapsodos, “bordacosturando”
fios que já vêm de muito longe, cintilando a ancestralidade que se
arrasta pelos elos do tempo.
Por
sua vez , os racontos de Xan foram recebidos de Salvador, um contador
mais antigo ainda, que percorria a Galícia, escavando-lhe a seiva, em
consagradas andanças, montado no seu cavalo Pégaso. Por meio dos nomes de
Salvador e Pégaso, a ficção relembra míticas memórias gregas. Salvador recorda
o soter, o
salvador da tradição e o soldador dos fragmentos lendários dispersos. Salvador,
sobre o dorso de Pégaso, voava nas asas do mítico cavalo alado da
tradição helena. Conforme diz a lenda, a patada de Pégaso
gerara, no monte Parnaso, a fonte de Hipocrene, de cujas águas minava a
inspiração dos poetas.
O
ato e a arte de narrar de Salvador e Xan penetravam nas fontes da origem
galega, esquecidas pelos domínios da Espanha.. Assim, as história da
terra nunca morreriam. Eles tinham compromisso com as memórias mais
ancestrais. Com suas narrativas, os velhos
narradores reiluminavam o que fora apagado, soterrado
pela supremacia dos fortes reis espanhóis. Xan “deblaterava-se
contra os castelhanos acusados de espoliar a Galícia” (p.84).
De
fato, os reis.” Isabel, Fernando e sucessores, além de privá-los da
autonomia, haviam-lhes roubado a língua, o acervo dos mitos. E muitas destas
lendas passavam agora por invenção castelhana” (p.84). De igual modo, “Madruga
também reagia, irritado ante o fausto de Castela que os desfalcara do
imaginário mais poderoso da Espanha” (p.85).
Porém,
no céu cultural da Galícia, as lendas de Xan, “faiscando como
pirilampos”, revitalizam-se na mente extasiada da jovem,
pois, de acordo com o avô: “... desde menina Breta interessou-se por me
ouvir. (...) Como se por mim falassem vozes anônimas. Especialmente aqueles
velhos que me precederam em Sobreira” (p.221).
.
Assim, as histórias nativas foram-se chegando ao universo da pequena neta
mediatizadas pelo patriarca da família. Pressentindo sua vocação de escritora,
aos dez anos, o avô a levou à Galícia, à sólida matriz da aldeia. Ele queria
“sobretudo afiar a memória e deixá-la de herança para Breta” (p.9),
preparando-a para salvar recordações de Sobreira por meio da escrita
futura. “Porque só os artistas prorrogam a existência” (p.55), sentencia o
narrador onisciente.
No
mergulho às origens, ela recolheu os símbolos de além-mar, “joias faiscando de
geração em geração”. No sagrado galego, a menina Breta descobriu sortilégios e
bruxedos “de um povo cercado de pedras e entidades” (p.162), aí fazendo sua
iniciação de futura narradora também.
Adulta,
ela aventurou-se pelo universo primordial, mítico, sagrado do lendário nativo,
ouvido na infância, e as lembranças de Xan, de Salvador, de
Madruga. de Eulália, de Venâncio, e dos outros filhos do clã eternizaram-se na
letras literárias de Breta, alter-ego
da grande romancista de agora, Nélida Piñon, a verdadeira
autora do magistral livro “A República dos Sonhos’’.
Que beleza!
ResponderExcluirAngela Guerra