sexta-feira, 13 de junho de 2025

DEBAIXO DA MANGUEIRA, EU ME RECONHEÇO POEMA DE ALBERTO ARAÚJO


Não havia segredo.
Bastava caminhar descalço pelo quintal
e seguir o cheiro doce que vinha do alto.

Lá estavam elas:
as mangas, gordas de sol,
penduradas como promessas
no galho que se curvava só para me ver chegar. 

Eu estendia a mão como quem colhe o próprio passado.
Mordia com gosto.
O caldo escorria pelo queixo,
e eu ria.
Ria como quem sabe que está exatamente onde devia estar. 

Depois, sem pressa,                                                              
abraçava o tronco da mangueira.
Sentia o calor da casca,
a força das raízes invisíveis,
a alma da terra pulsando sob meus pés.

E então eu dizia,
num sussurro que só Deus e a árvore ouviam:
“Esta é a minha essência.”

Era verdade.
Ali estava tudo:
o menino,
o tempo,
a fé quieta que mora nas coisas simples. 

Minha mãe, Maria,
aparecia na lembrança com o coração na mão,
sorrindo diante da minha roupa suja de manga
e de alegria. 

Santa Luzia olhava do alto,
como quem confirma:
sim, ele ainda é aquele menino.
Sim, ainda está sob a luz. 

O Velho Monge serpenteando ao longe,
mas sei que sorriu também,
pois ele conhece todas as árvores que me formaram.

E naquele instante,
abraçado ao tronco,
eu era mais do que lembrança.
Era verdade.
Era raiz.
Era bênção.

 

© Alberto Araújo



 

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