terça-feira, 17 de junho de 2025

MAR A DENTRO - POEMA DE ALBERTO ARAÚJO PRA GILDA UZEDA

 


Olá, Gilda, depois de ler teu comentário na minha prosa sobre as barcas, algo em mim também atravessou a Baía. Tuas lembranças me tocaram fundo, senti tua infância, tua juventude, o frio na barriga das águas agitadas e a poesia do cotidiano que hoje já é memória. Foi impossível não escrever algo movido por essa emoção que você generosamente compartilhou. Nasceu este poema, "Mar de Dentro", inspirado por tua travessia e pela beleza da tua lembrança. Com gratidão e carinho,

Alberto Araújo

 

MAR DE DENTRO

POEMA DE ALBERTO ARAÚJO

 

Tuas palavras vieram

como vento leve que sopra no convés,

despertando a vela adormecida

do meu próprio coração.

 

Falaste de botos, de céu baixo,

do rugido das asas de metal,

e eu vi tudo,

como se as águas da Baía

estivessem agora sob meus pés.

 

A barca, que tantos pensam ser só transporte,

foi teu palco de infância,

teu fio de ligação com o mundo,

teu rito de ida e volta.

 

E ao me contar isso,

fizeste também minha travessia.

Passei contigo pelas lembranças,

pisei na plataforma do Gragoatá,

ouvi o ranger da madeira no flutuante,

e vi, lá longe, a Igrejinha te saudando como quem diz:

"Bem-vinda, filha das marés."

 

Quem conta com amor, eterniza.

Quem lembra com ternura, reza.

E teu comentário, Gilda,

foi como orvalho de saudade

caindo no mar de dentro.

Obrigado por navegar comigo.

@ Alberto Araújo

 

A PROSA ORIGINAL





A BARCA E O CÉU DE ICARAÍ

           

Nesta linda tarde, a barca que corta as águas da Baía de Guanabara não transporta apenas a alma humana, ela conduz histórias, esperanças, silêncios e promessas. Em cada travessia, pulsa o coração de um povo que aprendeu a viver entre o ir e o vir, sem nunca perder o rumo.

O céu de Icaraí se estende amplo, sobre as areias finas e o contorno sereno da Praia das Flechas. As gaivotas cruzam o azul como versos soltos, voando sobre o calçadão de pedras portuguesas, onde passos se repetem há gerações. Ao fundo, o contorno das ilhas da Boa Viagem, Jurujuba se desenha como um poema quieto. 

As sombras dos flamboyants balançam suavemente na orla, enquanto o vento traz o cheiro do mar misturado ao das amendoeiras. Há risos de crianças no Campo de São Bento, vozes no coreto, o frescor de um picolé artesanal comprado ali mesmo na esquina da Rua Gavião Peixoto. Cada canto da cidade guarda um pedaço de saudade e sonho. 

E mesmo quando as estações mudam, o amor dos icaraienses permanece. Está no aceno da varanda do edifício antigo, no café tirado com carinho, na conversa demorada em frente à livraria ou ao quiosque. É um amor que resiste ao tempo, ao concreto, ao mar que se agita. Um amor que é casa, cais e bússola.

Icaraí não é apenas lugar é alma em repouso. É memória viva. Quem sente isso sabe: há algo de eterno em cada barca que parte... e em cada coração que fica à beira da areia, olhando o Pão de Açúcar de longe, como quem aguarda sempre um reencontro.

Que esta tarde nos traga paz, e que a semana que se inicia seja leve, fértil e abençoada para todos nós. 

© Alberto Araújo

 

COMENTÁRIO DA GILDA UZEDA

 

Alberto

Li seu texto que fala das barcas e, muita coisa me voltou à memória. Muitas passagens que marcaram minha infância e juventude, do tempo que ainda não havia a Ponte.

As barcas que cruzam as águas da Baía de Guanabara escreveram histórias na vida de muita gente.

As antigas barcas e lanchas já não existem e foram substituídas por outras mais modernas e pelos Catamarã. Mas a beleza da travessia permanece.

Minha família mais próxima fazia a travessia diariamente, pois, quase todos trabalhavam no Rio.

Eu mesma não sei quantas vezes atravessei a baía, vendo cardumes de botos a cruzarem as águas; ouvindo o ronco dos aviões em pousos e decolagens no Aeroporto Santos Dumont _ eles passavam bem pertinho, por cima da barca; ficando tensa quando a barca desviava e passava bem perto e quase encostada aos navios que entravam e saíam da Baía; também,  segurando um friozinho na barriga quando o mar estava agitado e a barca balançava mais forte, em frente à entrada da barra; ficando encantada com a visão da Ilha Fiscal, e,  finalmente, ouvindo o rangido das cordas na atracação ao flutuante de embarque e desembarque.

Foi um pouco mais de uma centena ou foram mil vezes que atravessei a Baía? Não sei, mas foram muitas vezes!

Quantas vezes, na travessia de volta a Niterói, vi passar ao largo o bucólico cais do Gragoatá, o Forte, a Igrejinha de São Domingos?

Era um alívio, pois, a travessia sempre me passava alguma sensação de aventura.

Enfim, você me fez lembrar de tudo isso e eu agradeço de coração.

Grande abraço. Gilda. 

RESPOSTA DE ALBERTO ARAÚJO

Olá, Gilda, seu comentário me atravessou como as barcas atravessam a Baía com beleza, emoção e memória viva. É um privilégio tocar lembranças tão preciosas com palavras, e mais ainda receber de volta esse mar de sentimentos que você compartilhou. Obrigado por navegar comigo nessa travessia do tempo. Seu relato é poesia pura e me inspira profundamente. Lindo! Abraços do Alberto Araújo.

09 de junho de 2025





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