Olá,
Gilda, depois de ler teu comentário na minha prosa sobre as barcas, algo em mim
também atravessou a Baía. Tuas lembranças me tocaram fundo, senti tua infância,
tua juventude, o frio na barriga das águas agitadas e a poesia do cotidiano que
hoje já é memória. Foi impossível não escrever algo movido por essa emoção que
você generosamente compartilhou. Nasceu este poema, "Mar de Dentro",
inspirado por tua travessia e pela beleza da tua lembrança. Com gratidão e
carinho,
Alberto
Araújo
MAR
DE DENTRO
POEMA
DE ALBERTO ARAÚJO
Tuas
palavras vieram
como
vento leve que sopra no convés,
despertando
a vela adormecida
do
meu próprio coração.
Falaste
de botos, de céu baixo,
do
rugido das asas de metal,
e
eu vi tudo,
como
se as águas da Baía
estivessem
agora sob meus pés.
A
barca, que tantos pensam ser só transporte,
foi
teu palco de infância,
teu
fio de ligação com o mundo,
teu
rito de ida e volta.
E
ao me contar isso,
fizeste
também minha travessia.
Passei
contigo pelas lembranças,
pisei
na plataforma do Gragoatá,
ouvi
o ranger da madeira no flutuante,
e
vi, lá longe, a Igrejinha te saudando como quem diz:
"Bem-vinda,
filha das marés."
Quem
conta com amor, eterniza.
Quem
lembra com ternura, reza.
E
teu comentário, Gilda,
foi
como orvalho de saudade
caindo
no mar de dentro.
Obrigado por navegar comigo.
A PROSA ORIGINAL
A
BARCA E O CÉU DE ICARAÍ
Nesta linda tarde, a barca que corta as águas da Baía de Guanabara não transporta apenas a alma humana, ela conduz histórias, esperanças, silêncios e promessas. Em cada travessia, pulsa o coração de um povo que aprendeu a viver entre o ir e o vir, sem nunca perder o rumo.
O céu de Icaraí se estende amplo, sobre as areias finas e o contorno sereno da Praia das Flechas. As gaivotas cruzam o azul como versos soltos, voando sobre o calçadão de pedras portuguesas, onde passos se repetem há gerações. Ao fundo, o contorno das ilhas da Boa Viagem, Jurujuba se desenha como um poema quieto.
As sombras dos flamboyants balançam suavemente na orla, enquanto o vento traz o cheiro do mar misturado ao das amendoeiras. Há risos de crianças no Campo de São Bento, vozes no coreto, o frescor de um picolé artesanal comprado ali mesmo na esquina da Rua Gavião Peixoto. Cada canto da cidade guarda um pedaço de saudade e sonho.
E mesmo quando as estações mudam, o amor dos icaraienses permanece. Está no aceno da varanda do edifício antigo, no café tirado com carinho, na conversa demorada em frente à livraria ou ao quiosque. É um amor que resiste ao tempo, ao concreto, ao mar que se agita. Um amor que é casa, cais e bússola.
Icaraí não é apenas lugar é alma em repouso. É memória viva. Quem sente isso sabe: há algo de eterno em cada barca que parte... e em cada coração que fica à beira da areia, olhando o Pão de Açúcar de longe, como quem aguarda sempre um reencontro.
Que esta tarde nos traga paz, e que a semana que se inicia seja leve, fértil e abençoada para todos nós.
©
Alberto Araújo
COMENTÁRIO DA GILDA UZEDA
Alberto
Li seu texto que fala das barcas e, muita coisa me voltou à memória. Muitas passagens que marcaram minha infância e juventude, do tempo que ainda não havia a Ponte.
As barcas que cruzam as águas da Baía de Guanabara escreveram histórias na vida de muita gente.
As antigas barcas e lanchas já não existem e foram substituídas por outras mais modernas e pelos Catamarã. Mas a beleza da travessia permanece.
Minha família mais próxima fazia a travessia diariamente, pois, quase todos trabalhavam no Rio.
Eu mesma não sei quantas vezes atravessei a baía, vendo cardumes de botos a cruzarem as águas; ouvindo o ronco dos aviões em pousos e decolagens no Aeroporto Santos Dumont _ eles passavam bem pertinho, por cima da barca; ficando tensa quando a barca desviava e passava bem perto e quase encostada aos navios que entravam e saíam da Baía; também, segurando um friozinho na barriga quando o mar estava agitado e a barca balançava mais forte, em frente à entrada da barra; ficando encantada com a visão da Ilha Fiscal, e, finalmente, ouvindo o rangido das cordas na atracação ao flutuante de embarque e desembarque.
Foi um pouco mais de uma centena ou foram mil vezes que atravessei a Baía? Não sei, mas foram muitas vezes!
Quantas vezes, na travessia de volta a Niterói, vi passar ao largo o bucólico cais do Gragoatá, o Forte, a Igrejinha de São Domingos?
Era um alívio, pois, a travessia sempre me passava alguma sensação de aventura.
Enfim, você me fez lembrar de tudo isso e eu agradeço de coração.
Grande abraço. Gilda.
RESPOSTA DE ALBERTO ARAÚJO
Olá, Gilda, seu comentário me atravessou como as barcas atravessam a Baía com beleza, emoção e memória viva. É um privilégio tocar lembranças tão preciosas com palavras, e mais ainda receber de volta esse mar de sentimentos que você compartilhou. Obrigado por navegar comigo nessa travessia do tempo. Seu relato é poesia pura e me inspira profundamente. Lindo! Abraços do Alberto Araújo.
09 de junho de 2025
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