segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

“O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA” - MANUEL DE BARROS O POETA PANTANEIRO. NO LIVRO: EXERCÍCIOS DE SER CRIANÇA-EDITORA SALAMANDRA,1999.




 O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

 

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

 

A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

 

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

 

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

 

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

 

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

 

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

 

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

 

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

 

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

 

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

 

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar

por seus despropósitos!

 

UM POUCO SOBRE MANOEL DE BARROS

 

Manoel Wenceslau Leite de Barros foi um dos grandes poetas brasileiros do século XX. Nascido na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, em 19 de novembro de 1916, mudou-se para Campo Grande ainda criança. Quando mais velho, foi para o Rio de Janeiro terminar os estudos e estudar Direito. Como poeta, foi representante do pós-Modernismo brasileiro, apesar de ter sido influenciado por Oswald de Andrade e o movimento antropofágico.

 

Logo aos 21 anos, Manoel de Barros publicou o seu primeiro livro, “Poemas concebidos sem pecado” (1937), seguido por “Face imóvel” (1942). Essas e tantas outras obras lhe renderam prêmios importantes na literatura brasileira, como dois Prêmios Jabuti (1989 e 2002) e o Prêmio da Academia Brasileira de Letras (2012), concedido aos autores dos melhores livros de poesia.

Abaixo, um belo poema do escritor sobre a arte e seus despropósitos, publicado em 1999, no livro “Exercícios de ser criança”.

Aos 97 anos, em 2014, Manoel faleceu na cidade de Campo Grande/MS, sendo consagrado um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX.







“O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA” 

- MANOEL DE BARROS – DECLAMAÇÃO DE ODILON ESTEVES.

CLICAR NO LINK: https://www.youtube.com/watch?v=JWRMUk4nzR0

 



 

 

 

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