Nós, criaturas errantes, por vezes nos iludimos com a linearidade do tempo, com a ilusão de um caminho predeterminado. Mas a vida, essa tecelã incansável de destinos e desencontros, raramente se curva às nossas expectativas mais simples. E é nesse labirinto de memórias, de anseios e de renúncias, que a bússola, não a de magnetismo puro, mas a forjada na substância da alma se revela.
Não a busquemos em mapas celestes ou em promessas vazias. Essa bússola, por vezes caprichosa e outras vezes cruelmente precisa, reside na tessitura de nossos afetos, nas cicatrizes que o tempo imprime e nos silêncios que reverberam em nossa carne. Ela é o pulsar da ancestralidade, a voz que ecoa das galerias de nossos mortos, dos que nos precederam e nos legaram não apenas o sangue, mas também o fardo e a glória de uma existência.
Nesse trajeto, que por vezes se assemelha a um mar revolto, somos compelidos a decifrar os sinais, a tatear o terreno sob nossos pés. O norte, ah, o norte de nossa bússola, não é um ponto fixo, uma estrela inamovível. É antes uma constelação de valores, de princípios que, por mais que a vida nos tente desviar, permanecem como faróis na escuridão. A lealdade aos nossos sonhos mais íntimos, a coragem de abraçar o desconhecido, a generosidade que nos eleva acima da mesquinhez do cotidiano, esses são os pontos cardeais que delineiam nossa jornada.
E a literatura, essa fiel companheira
dos desamparados e dos curiosos, cumpre seu papel de cartógrafa dessa bússola.
Ela nos oferece os espelhos onde podemos vislumbrar nossa própria imagem, por
vezes distorcida, por vezes nítida, em meio à voragem da existência. Ela nos
convida a mergulhar nas profundezas da condição humana, a desvendar os meandros
da alma e a reconhecer que, mesmo na solidão mais profunda, jamais estamos
verdadeiramente sós. A palavra, essa matéria-prima de nossa existência,
torna-se, então, o ponteiro a nos guiar, a nos lembrar de que o sentido da vida
não é encontrado, mas sim construído, fio a fio, com cada escolha, cada afeto,
cada suspiro. E assim, navegamos, com a bússola da vida a nos instigar, a nos
desafiar, a nos forçar a reescrever, a cada amanhecer, a nossa própria lenda.
© Alberto Araújo
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