04 de junho de 2025. Há vozes que se calam, mas seu eco se eterniza. Na poeira dourada do tempo, onde os ventos da história sussurram segredos antigos, Niède Guidon ergueu-se como a guardiã das memórias mais remotas. Com mãos que pareciam sentir o calor de eras esquecidas, ela recolheu os últimos fragmentos do homem pré-histórico no Brasil. Cada lasca de pedra, cada traço de tinta nas grutas, cada vestígio fossilizado era um verso em um poema milenar, e Niède, a poeta incansável, soube ler e reescrever essa epopeia em um mundo que teimava em não ouvir.
Ela não apenas escavou; ela ouviu. Ouviu o clamor de vidas que se foram há dezenas de milhares de anos, de culturas que floresceram sob um sol primordial. Sua insistência, muitas vezes solitária, em afirmar a presença humana no continente americano em tempos imemoriais, não foi teimosia, mas a convicção de quem via o invisível, de quem sentia o pulso de um passado que a muitos parecia impossível. Com ela, a Serra da Capivara deixou de ser apenas um lugar geográfico para se tornar um santuário de revelações, um espelho que nos devolve a imagem de nossos ancestrais mais distantes.
E agora, que a tecelã do tempo partiu, o chão do Piauí parece chorar a ausência de seus passos. Mas sua partida não é um fim, e sim a continuidade de um ciclo cósmico. Niède não se vai; ela se dilui na eternidade, fundindo-se com as próprias pedras que desvendou, com a areia que pacientemente peneirou, com o ar que respirou nas grutas sagradas. Sua mente, antes debruçada sobre enigmas terrenos, agora se lança aos mistérios do universo, carregando consigo a sabedoria de milênios.
O legado de Niède Guidon é mais que ciência; é poesia, é a celebração da persistência, da curiosidade e do amor por uma terra que ela ensinou a olhar com outros olhos. Que sua jornada para a eternidade seja tão grandiosa quanto a história que ela nos ajudou a reescrever. O silêncio que agora a envolve é apenas o véu para uma nova forma de existência, onde a arqueóloga se torna, ela mesma, parte inseparável da história que tanto amou.
© Alberto Araújo
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