A presente coletânea de
ensaios críticos de Dalma Nascimento debruça-se sobre um movimento crucial na
literatura local do final do século XX e início do XXI: a ascensão das vozes
outrora marginalizadas ao centro do debate cultural. "O Velho, A Mulher e
O Imigrante" emerge como um espaço de reflexão acerca da representação literária
de três segmentos sociais – a velhice, o universo feminino e a experiência da
imigração – que, historicamente relegados às periferias da atenção social e
cultural, ganham protagonismo nas páginas que se seguem.
Nesta jornada analítica, o
leitor será convidado a explorar a densidade humana da velhice através das
narrativas sensíveis e autobiográficas de Norberto Seródio Boechat em "Me
dê a mão". Seus contos, radicados na experiência clínica, desvelam a
realidade física e interior dos anciãos, suas complexas relações familiares e
as emocionantes lições de vida que emanam de sua trajetória.
Em um segundo momento, o
foco se volta para a intrincada e multifacetada experiência da mulher, tal como
capturada pela pena perspicaz de Helena Parente Cunha em obras seminais como
"Os provisórios", "Mulher no espelho" e "As doze cores
do vermelho". As análises aqui reunidas, muitas delas preservando a marca
temporal de sua concepção original, oferecem um panorama da luta feminina por
reconhecimento e igualdade nas décadas finais do século XX, um período de
significativas transformações socioculturais.
Por fim, adentraremos o
universo da imigração através da prosa poética e das soluções dramáticas
engenhosamente construídas por Luiz Calheiros em "Dívidas de amor". A
saga de um imigrante italiano no Brasil, permeada por paixão, mistério e
memória, ressoa com a crescente relevância da temática migratória no cenário
contemporâneo, convidando à reflexão sobre o desenraizamento, a identidade e os
encontros interculturais.
Ao longo destes ensaios,
busca-se não apenas analisar as particularidades de cada uma dessas
representações literárias, mas também evidenciar como esses três autores, cada
um à sua maneira, "literalizaram" a emergência dessas vozes,
contribuindo para um revisionismo crítico que reconhece a pluralidade da
experiência humana e a interconexão dos diversos territórios culturais.
A obra "O Velho, A
Mulher e O Imigrante" de Dalma Nascimento, publicada em 2013, em Niterói,
Rio de Janeiro, com 208 páginas sob a curadoria de Mauro Carreiro Nolasco,
emerge como um farol crítico-teórico sobre as significativas transformações
sociais e suas reverberações na literatura local. Longe de ser apenas uma
coletânea de ensaios, o livro se configura como um mapa das "falas da
diferença" que ascenderam ao proscênio cultural desde o final do século
XX, encontrando eco nas obras de Norberto Seródio Boechat, Helena Parente Cunha
e Luiz Calheiros. A própria gênese da obra, reunindo análises concebidas em
diferentes momentos históricos, confere-lhe uma camada adicional de
profundidade, capturando a dinâmica das mudanças sociais em tempo real.
A premissa central do livro
reside na observação perspicaz de que o velho, a mulher e o imigrante, outrora
relegados às margens da sociedade e imersos em uma "gramática da
solidão", passaram a ocupar um espaço central no debate cultural. A
literatura, como espelho e motor das questões humanas, não poderia permanecer
alheia a essa metamorfose. Dalma Nascimento articula, com clareza e erudição,
como as obras dos três autores niteroienses iluminam as particularidades e as
interconexões dessas experiências.
Norberto Seródio Boechat,
através dos contos de "Me dê a mão", oferece uma janela sensível para
o universo da velhice. Consagrado geriatra, Boechat transcende a frieza do
olhar clínico, tecendo narrativas curtas e saborosas que pulsam com "o
sensível acolhimento da alteridade, a terna compaixão, o respeito e a
valorização do ancião". O próprio título da obra evoca a fraternidade e o
encontro humano, desmistificando a figura do velho como alguém isolado e
dependente. Seus contos, ao narrar fragmentos da experiência clínica, carregam
uma mensagem política e humana urgente, especialmente em um contexto social que
frequentemente invisibiliza ou marginaliza os idosos.
Helena Parente Cunha, por
sua vez, assume o protagonismo na análise do feminino. Os ensaios reunidos no
livro, muitos deles revisitando textos sem retoques de momentos históricos
cruciais para a ascensão da problemática feminina, testemunham a trajetória da
luta pela igualdade de gênero. O livro revisita análises de obras seminais como
"Os provisórios", "Mulher no espelho" e "As doze cores
do vermelho", resgatando o fervor de um tempo em que a "supremacia do
sistema patriarcal" começava a ser vigorosamente questionada. A manutenção
das análises originais, mesmo que hoje possam parecer "defasadas",
revela a importância de compreender a historicidade das conquistas femininas e
o longo caminho percorrido em direção à "gislania" – conceito de Rian
Eisler que evoca a partilha igualitária entre homens e mulheres. A obra de
Parente Cunha, desde a década de 1980, desfraldou bandeiras em prol dessa visão
de um futuro onde o amor e a vida são compartilhados sem hierarquias de gênero.
O universo do imigrante
encontra sua representação literária na prosa poética de Luiz Calheiros em
"Dívidas de amor". A obra, publicada originalmente em 1995 e
republicada em 2013, ganha nova ressonância no contexto da crescente
globalização e dos complexos fluxos migratórios contemporâneos. A análise
presente no livro destaca como Calheiros desvela as "filigranas da alma de
um imigrante italiano" em sua experiência no Brasil, abordando temas
universais como o mistério, o destino e a memória. A obra se abre a diversas
leituras culturais, explorando as "aventuras e desventuras de um
estrangeiro" em um mundo marcado por deslocamentos e pela busca por novas
identidades. A atualidade da temática da imigração, intensificada nas últimas
décadas pelos fenômenos da globalização e pelas "práticas conflituosas e
desumanas das potências dominantes", confere ao romance de Calheiros uma
relevância pungente.
Dalma Nascimento argumenta
que a reunião desses três autores e suas respectivas temáticas não é fortuita.
Ela demonstra como, apesar de explorarem searas distintas, suas obras convergem
para um propósito comum: "pensar as falas antes da 'margem',
valorizando-as em igualdade com os outros discursos na dinâmica da
cultura". O livro celebra a emergência dessas vozes que antes eram
silenciadas ou marginalizadas, reconhecendo sua intrínseca importância para a
compreensão da complexidade da experiência humana.
Ao final, "O Velho, A
Mulher e O Imigrante" propõe uma nova paisagem mental, onde as dicotomias
entre "centro" e "periferia" se esvaem. A obra defende a
ideia de que todos participam das "mobilidades histórico-culturais do
atual milênio de forma convivente e ressignificada no processo dinâmico do vir
a ser". Nesse contexto de transformação contínua, a reflexão sobre o
velho, a mulher e o imigrante, tal como apresentada nas análises críticas deste
livro, torna-se fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e
inclusiva, onde as "falas da diferença" não apenas são ouvidas, mas
também valorizadas como constitutivas de um rico e multifacetado tecido
cultural.
As orelhas da obra "O
Velho, A Mulher e O Imigrante" complementam a introdução, oferecendo um
panorama conciso do conteúdo e da proposta do livro. Elas reforçam a ideia
central de que a obra se debruça sobre a representação literária de grupos
sociais antes marginalizados – o velho, a mulher e o imigrante – através da
análise de obras específicas de três autores niteroienses.
A primeira orelha explicita
a estrutura do livro, dividida em três ensaios analíticos focados em cada um
desses grupos, tomando como ponto de partida as obras ficcionais de Norberto
Seródio Boechat ("Me dê a mão"), Helena Parente Cunha ("Os
provisórios", "Mulher no espelho" e "As doze cores do
vermelho") e Luiz Calheiros ("Dívidas de amor"). A expressão
"literalizou", no contexto das mudanças sociais, sugere como esses
autores deram voz e visibilidade literária a seres que antes ocupavam as
margens da sociedade.
A segunda orelha aborda a
questão da temporalidade das análises, especialmente no que concerne à
representação da mulher. O reconhecimento de que as leituras podem parecer
"defasadas" é contrabalanceado pela justificativa de manter os textos
originais como "memórias de transições e mudanças". Essa escolha
editorial sublinha a importância de compreender a evolução do debate sobre o
papel da mulher na sociedade e como a literatura da época refletia essas transformações.
A terceira orelha conecta as
análises ao contexto do século XXI, onde o velho, a mulher, o imigrante e
outros grupos antes "apagados" ganham maior participação social. O
livro é apresentado como parte de um "revisionismo crítico" que retira
essas vozes dos "subterrâneos culturais", problematizando suas
experiências e reconhecendo a pluralidade do universo cultural. A crítica às
"relações assimétricas" endossadas pelas elites e a celebração da
subversão de paradigmas reforçam o caráter engajado e a relevância da obra para
o debate contemporâneo.
As citações diretas das
obras analisadas nas orelhas oferecem um aperitivo do estilo e da temática de
cada autor. A descrição dos contos de Boechat como "narrativas sintéticas,
mas densas de memórias autobiográficas" e a ênfase no "perceptível
olhar do médico" que se transmuta na "dicção memorialista do
escritor" revelam a profundidade humana e a sensibilidade presentes em sua
abordagem da velhice. A menção aos livros de Helena Parente Cunha como reflexos
das "décadas finais do século passado" e testemunhas de um tempo de
"transformações na cena sociocultural" contextualiza a importância de
sua obra na representação da mulher em um período de significativas mudanças.
Por fim, a caracterização de "Dívidas de amor" como um romance com
"soluções dramáticas bastante criativas", impregnado de
"expressivas metáforas e ritmos poéticos", e a menção aos temas do
mistério, do destino e da memória, preparam o leitor para a imersão na experiência
do imigrante sob a lente particular de Luiz Calheiros.
Em suma, as orelhas da obra
"O Velho, A Mulher e O Imigrante" funcionam como um guia essencial
para o leitor, sintetizando a proposta do livro, sua estrutura, o contexto
histórico das análises e oferecendo um vislumbre das obras literárias que
servem de base para a reflexão sobre a emergência e a valorização das
"falas da diferença".
Ao percorrer as análises
dedicadas à representação do velho, da mulher e do imigrante nas obras de
Norberto Seródio Boechat, Helena Parente Cunha e Luiz Calheiros, esta coletânea
buscou iluminar a significativa transformação operada no panorama literário e
social das últimas décadas. O que outrora se encontrava à margem, silenciado ou
estereotipado, ascende nestas páginas como força motriz de narrativas ricas e
complexas, espelhando a crescente conscientização da pluralidade que define a
experiência humana.
A sensibilidade de Boechat
ao retratar a velhice, a perspicácia de Parente Cunha ao desbravar o universo
feminino em tempos de efervescência e a poética de Calheiros ao narrar a
jornada do imigrante convergem para um mesmo propósito: a valorização das
"falas da diferença". Ao revisitar análises concebidas em momentos
históricos distintos, este livro não apenas celebra a emergência dessas vozes,
mas também preserva a memória das transições e mudanças que moldaram o
presente.
No limiar do século XXI, a
participação ativa do velho, da mulher, do imigrante e de outros grupos antes
marginalizados na dinâmica social é um fato inegável. O revisionismo crítico
aqui empreendido ecoa um movimento mais amplo de reconhecimento da pluralidade
do universo e da necessidade de integrar diversas perspectivas com igual peso
no movimento do progresso. Acreditamos que a leitura atenta dessas
representações literárias contribui para a desconstrução de antigas dicotomias
e para a construção de um futuro onde o convívio e o intercâmbio entre os
"diferentes" enriqueçam o tecido cultural em sua totalidade. Assim,
encerramos esta jornada analítica com a convicção de que a literatura, em sua
capacidade de dar voz ao silenciado, continua a ser um instrumento poderoso
para a compreensão e a transformação do nosso mundo.
© Alberto Araújo
Niterói 2017
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