domingo, 27 de abril de 2025

A EMERGÊNCIA DAS FALAS DA DIFERENÇA EM O VELHO, A MULHER E O IMIGRANTE DE DALMA NASCIMENTO ENSAIO LITERÁRIO DE ALBERTO ARAÚJO

 

A presente coletânea de ensaios críticos de Dalma Nascimento debruça-se sobre um movimento crucial na literatura local do final do século XX e início do XXI: a ascensão das vozes outrora marginalizadas ao centro do debate cultural. "O Velho, A Mulher e O Imigrante" emerge como um espaço de reflexão acerca da representação literária de três segmentos sociais – a velhice, o universo feminino e a experiência da imigração – que, historicamente relegados às periferias da atenção social e cultural, ganham protagonismo nas páginas que se seguem.

Nesta jornada analítica, o leitor será convidado a explorar a densidade humana da velhice através das narrativas sensíveis e autobiográficas de Norberto Seródio Boechat em "Me dê a mão". Seus contos, radicados na experiência clínica, desvelam a realidade física e interior dos anciãos, suas complexas relações familiares e as emocionantes lições de vida que emanam de sua trajetória.

Em um segundo momento, o foco se volta para a intrincada e multifacetada experiência da mulher, tal como capturada pela pena perspicaz de Helena Parente Cunha em obras seminais como "Os provisórios", "Mulher no espelho" e "As doze cores do vermelho". As análises aqui reunidas, muitas delas preservando a marca temporal de sua concepção original, oferecem um panorama da luta feminina por reconhecimento e igualdade nas décadas finais do século XX, um período de significativas transformações socioculturais.

Por fim, adentraremos o universo da imigração através da prosa poética e das soluções dramáticas engenhosamente construídas por Luiz Calheiros em "Dívidas de amor". A saga de um imigrante italiano no Brasil, permeada por paixão, mistério e memória, ressoa com a crescente relevância da temática migratória no cenário contemporâneo, convidando à reflexão sobre o desenraizamento, a identidade e os encontros interculturais.

Ao longo destes ensaios, busca-se não apenas analisar as particularidades de cada uma dessas representações literárias, mas também evidenciar como esses três autores, cada um à sua maneira, "literalizaram" a emergência dessas vozes, contribuindo para um revisionismo crítico que reconhece a pluralidade da experiência humana e a interconexão dos diversos territórios culturais.

A obra "O Velho, A Mulher e O Imigrante" de Dalma Nascimento, publicada em 2013, em Niterói, Rio de Janeiro, com 208 páginas sob a curadoria de Mauro Carreiro Nolasco, emerge como um farol crítico-teórico sobre as significativas transformações sociais e suas reverberações na literatura local. Longe de ser apenas uma coletânea de ensaios, o livro se configura como um mapa das "falas da diferença" que ascenderam ao proscênio cultural desde o final do século XX, encontrando eco nas obras de Norberto Seródio Boechat, Helena Parente Cunha e Luiz Calheiros. A própria gênese da obra, reunindo análises concebidas em diferentes momentos históricos, confere-lhe uma camada adicional de profundidade, capturando a dinâmica das mudanças sociais em tempo real.

A premissa central do livro reside na observação perspicaz de que o velho, a mulher e o imigrante, outrora relegados às margens da sociedade e imersos em uma "gramática da solidão", passaram a ocupar um espaço central no debate cultural. A literatura, como espelho e motor das questões humanas, não poderia permanecer alheia a essa metamorfose. Dalma Nascimento articula, com clareza e erudição, como as obras dos três autores niteroienses iluminam as particularidades e as interconexões dessas experiências.

Norberto Seródio Boechat, através dos contos de "Me dê a mão", oferece uma janela sensível para o universo da velhice. Consagrado geriatra, Boechat transcende a frieza do olhar clínico, tecendo narrativas curtas e saborosas que pulsam com "o sensível acolhimento da alteridade, a terna compaixão, o respeito e a valorização do ancião". O próprio título da obra evoca a fraternidade e o encontro humano, desmistificando a figura do velho como alguém isolado e dependente. Seus contos, ao narrar fragmentos da experiência clínica, carregam uma mensagem política e humana urgente, especialmente em um contexto social que frequentemente invisibiliza ou marginaliza os idosos.

Helena Parente Cunha, por sua vez, assume o protagonismo na análise do feminino. Os ensaios reunidos no livro, muitos deles revisitando textos sem retoques de momentos históricos cruciais para a ascensão da problemática feminina, testemunham a trajetória da luta pela igualdade de gênero. O livro revisita análises de obras seminais como "Os provisórios", "Mulher no espelho" e "As doze cores do vermelho", resgatando o fervor de um tempo em que a "supremacia do sistema patriarcal" começava a ser vigorosamente questionada. A manutenção das análises originais, mesmo que hoje possam parecer "defasadas", revela a importância de compreender a historicidade das conquistas femininas e o longo caminho percorrido em direção à "gislania" – conceito de Rian Eisler que evoca a partilha igualitária entre homens e mulheres. A obra de Parente Cunha, desde a década de 1980, desfraldou bandeiras em prol dessa visão de um futuro onde o amor e a vida são compartilhados sem hierarquias de gênero.

O universo do imigrante encontra sua representação literária na prosa poética de Luiz Calheiros em "Dívidas de amor". A obra, publicada originalmente em 1995 e republicada em 2013, ganha nova ressonância no contexto da crescente globalização e dos complexos fluxos migratórios contemporâneos. A análise presente no livro destaca como Calheiros desvela as "filigranas da alma de um imigrante italiano" em sua experiência no Brasil, abordando temas universais como o mistério, o destino e a memória. A obra se abre a diversas leituras culturais, explorando as "aventuras e desventuras de um estrangeiro" em um mundo marcado por deslocamentos e pela busca por novas identidades. A atualidade da temática da imigração, intensificada nas últimas décadas pelos fenômenos da globalização e pelas "práticas conflituosas e desumanas das potências dominantes", confere ao romance de Calheiros uma relevância pungente.

Dalma Nascimento argumenta que a reunião desses três autores e suas respectivas temáticas não é fortuita. Ela demonstra como, apesar de explorarem searas distintas, suas obras convergem para um propósito comum: "pensar as falas antes da 'margem', valorizando-as em igualdade com os outros discursos na dinâmica da cultura". O livro celebra a emergência dessas vozes que antes eram silenciadas ou marginalizadas, reconhecendo sua intrínseca importância para a compreensão da complexidade da experiência humana.

Ao final, "O Velho, A Mulher e O Imigrante" propõe uma nova paisagem mental, onde as dicotomias entre "centro" e "periferia" se esvaem. A obra defende a ideia de que todos participam das "mobilidades histórico-culturais do atual milênio de forma convivente e ressignificada no processo dinâmico do vir a ser". Nesse contexto de transformação contínua, a reflexão sobre o velho, a mulher e o imigrante, tal como apresentada nas análises críticas deste livro, torna-se fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde as "falas da diferença" não apenas são ouvidas, mas também valorizadas como constitutivas de um rico e multifacetado tecido cultural.

As orelhas da obra "O Velho, A Mulher e O Imigrante" complementam a introdução, oferecendo um panorama conciso do conteúdo e da proposta do livro. Elas reforçam a ideia central de que a obra se debruça sobre a representação literária de grupos sociais antes marginalizados – o velho, a mulher e o imigrante – através da análise de obras específicas de três autores niteroienses.

A primeira orelha explicita a estrutura do livro, dividida em três ensaios analíticos focados em cada um desses grupos, tomando como ponto de partida as obras ficcionais de Norberto Seródio Boechat ("Me dê a mão"), Helena Parente Cunha ("Os provisórios", "Mulher no espelho" e "As doze cores do vermelho") e Luiz Calheiros ("Dívidas de amor"). A expressão "literalizou", no contexto das mudanças sociais, sugere como esses autores deram voz e visibilidade literária a seres que antes ocupavam as margens da sociedade.

A segunda orelha aborda a questão da temporalidade das análises, especialmente no que concerne à representação da mulher. O reconhecimento de que as leituras podem parecer "defasadas" é contrabalanceado pela justificativa de manter os textos originais como "memórias de transições e mudanças". Essa escolha editorial sublinha a importância de compreender a evolução do debate sobre o papel da mulher na sociedade e como a literatura da época refletia essas transformações.

A terceira orelha conecta as análises ao contexto do século XXI, onde o velho, a mulher, o imigrante e outros grupos antes "apagados" ganham maior participação social. O livro é apresentado como parte de um "revisionismo crítico" que retira essas vozes dos "subterrâneos culturais", problematizando suas experiências e reconhecendo a pluralidade do universo cultural. A crítica às "relações assimétricas" endossadas pelas elites e a celebração da subversão de paradigmas reforçam o caráter engajado e a relevância da obra para o debate contemporâneo.

As citações diretas das obras analisadas nas orelhas oferecem um aperitivo do estilo e da temática de cada autor. A descrição dos contos de Boechat como "narrativas sintéticas, mas densas de memórias autobiográficas" e a ênfase no "perceptível olhar do médico" que se transmuta na "dicção memorialista do escritor" revelam a profundidade humana e a sensibilidade presentes em sua abordagem da velhice. A menção aos livros de Helena Parente Cunha como reflexos das "décadas finais do século passado" e testemunhas de um tempo de "transformações na cena sociocultural" contextualiza a importância de sua obra na representação da mulher em um período de significativas mudanças. Por fim, a caracterização de "Dívidas de amor" como um romance com "soluções dramáticas bastante criativas", impregnado de "expressivas metáforas e ritmos poéticos", e a menção aos temas do mistério, do destino e da memória, preparam o leitor para a imersão na experiência do imigrante sob a lente particular de Luiz Calheiros.

Em suma, as orelhas da obra "O Velho, A Mulher e O Imigrante" funcionam como um guia essencial para o leitor, sintetizando a proposta do livro, sua estrutura, o contexto histórico das análises e oferecendo um vislumbre das obras literárias que servem de base para a reflexão sobre a emergência e a valorização das "falas da diferença".

Ao percorrer as análises dedicadas à representação do velho, da mulher e do imigrante nas obras de Norberto Seródio Boechat, Helena Parente Cunha e Luiz Calheiros, esta coletânea buscou iluminar a significativa transformação operada no panorama literário e social das últimas décadas. O que outrora se encontrava à margem, silenciado ou estereotipado, ascende nestas páginas como força motriz de narrativas ricas e complexas, espelhando a crescente conscientização da pluralidade que define a experiência humana.

A sensibilidade de Boechat ao retratar a velhice, a perspicácia de Parente Cunha ao desbravar o universo feminino em tempos de efervescência e a poética de Calheiros ao narrar a jornada do imigrante convergem para um mesmo propósito: a valorização das "falas da diferença". Ao revisitar análises concebidas em momentos históricos distintos, este livro não apenas celebra a emergência dessas vozes, mas também preserva a memória das transições e mudanças que moldaram o presente.

No limiar do século XXI, a participação ativa do velho, da mulher, do imigrante e de outros grupos antes marginalizados na dinâmica social é um fato inegável. O revisionismo crítico aqui empreendido ecoa um movimento mais amplo de reconhecimento da pluralidade do universo e da necessidade de integrar diversas perspectivas com igual peso no movimento do progresso. Acreditamos que a leitura atenta dessas representações literárias contribui para a desconstrução de antigas dicotomias e para a construção de um futuro onde o convívio e o intercâmbio entre os "diferentes" enriqueçam o tecido cultural em sua totalidade. Assim, encerramos esta jornada analítica com a convicção de que a literatura, em sua capacidade de dar voz ao silenciado, continua a ser um instrumento poderoso para a compreensão e a transformação do nosso mundo.

© Alberto Araújo

Niterói 2017 




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