segunda-feira, 28 de abril de 2025

O PERFUME DE MANGABA EM FLOR: UMA ELEGIA DESCALÇA AO PIAUÍ DE ONTEM CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO

 

Ah, Piauí, chão de sol e memória, ventre árido onde a vida teimava em brotar como flor de mandacaru. Sinto-te agora, nesta distância que se alarga em léguas e em tempos, como uma canção antiga que o vento teima em sussurrar aos meus ouvidos. Não a melodia vibrante dos folguedos, nem o aboio forte que ecoava pelas caatingas infinitas, mas um murmúrio lento, quase um lamento, tecido na saudade que me veste como um véu de poeira vermelha. 

Lembro-me dos caminhos de terra batida, onde meus pés infantis dançavam despreocupados, colecionando arranhões e a promessa de um futuro sem pressa. O sol, inclemente senhor daquelas paragens, não queimava apenas a pele; ele impregnava a alma com uma luz dourada e eterna, uma marca indelével que resiste a todos os crepúsculos.

E as noites? Ah, as noites piauienses! Um manto de estrelas tão próximas que pareciam ao alcance da mão, constelações bordadas em um céu de veludo negro. O silêncio era profundo, cortado apenas pelo canto longínquo de um grilo ou pelo sopro morno da brisa, carregando o perfume adocicado das mangabas em flor, um aroma que até hoje me transporta para aquele tempo de pureza e encantamento. 

Vejo em minha mente as casas de taipa, humildes e acolhedoras, onde o café fumegava no fogão a lenha e as histórias se desdobravam ao redor da mesa, tecendo a tapeçaria da nossa identidade. As mãos calejadas dos meus avós, a sabedoria silenciosa dos seus olhos, o riso frouxo que escapava dos lábios ressecados pelo sol tudo isso reside agora em um relicário de lembranças preciosas, fragmentos de um tempo que a modernidade teima em apagar. 

Sinto falta do toque áspero do algodão nas mãos, da doçura melosa do caju recém-colhido, do banho retemperador nas águas mornas do rio. Sinto falta da simplicidade essencial, da cadência lenta da vida, da certeza de pertencer a um lugar onde as raízes se agarravam à terra com a força das acácias. 

Este Piauí que habita minhas memórias não é o mesmo que pulsa nos dias de hoje, eu sei. O progresso, com suas máquinas ruidosas e suas promessas efêmeras, certamente traçou novas linhas naquele mapa. Mas no meu coração, permanece intacto o perfume de mangaba em flor, a melodia silenciosa da saudade, a certeza de que parte de mim sempre caminhará descalça pelos caminhos poeirentos daquele passado que teima em viver. E essa saudade, ah, essa saudade é a mais bela e dolorosa das minhas heranças piauienses. 

© Alberto Araújo.

 






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