sexta-feira, 18 de abril de 2025

AS GUARDIÃS DA SEXTA-FEIRA: UMA VIGÍLIA DE FÉ E PAZ EM JERUSALÉM - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO

 

Imagem: Essa obra, intitulada "O Sepultamento de Cristo", 
é do famoso pintor italiano Caravaggio.

O crepúsculo da Sexta-feira da Paixão envolve Jerusalém em um manto de solenidade. O silêncio reverente que paira sobre a cidade ecoa a dor daquele dia fatídico, mas também ressoa com a força silenciosa de uma fé inabalável. No coração dessa quietude, as mulheres de Jerusalém, as herdeiras espirituais das que testemunharam a Paixão de Cristo, as viúvas de sua dor, unem-se em um propósito sagrado. 

Seus rostos, marcados pela história e pela devoção, refletem a luz tênue das velas que começam a se acender. Vestidas com a simplicidade que lhes é característica, elas se recolhem em suas casas, em pequenos grupos fraternos ou nos espaços sagrados das igrejas. Seus lábios entoam salmos e preces, tecendo uma tapeçaria sonora de súplicas que se elevam na noite. 

O jejum deste dia santo transcende a privação física; é uma imersão profunda na dor de Cristo, uma identificação silenciosa com seu sacrifício. Cada hora que avança, despojada de alimento e bebida, torna-se uma oferenda pessoal, um testemunho da magnitude daquele amor redentor. 

Mas a Sexta-feira da Paixão para essas mulheres de fé não se encerra com o cair da noite. Ela se transforma em uma vigília fervorosa que se estende até a meia-noite. Horas dedicadas à oração incessante, à meditação sobre os mistérios da Paixão e à súplica fervorosa pela paz que o mundo tanto almeja.

Em cada lar, em cada canto iluminado pela chama vacilante de uma vela, seus corações se unem em um clamor uníssono. Elas intercedem por um mundo livre da violência, onde a justiça e a compaixão prevaleçam. Seus olhos, por vezes marejados, fixam-se em imagens sagradas, buscando força e consolo na fé que as sustenta. 

A noite avança, carregada de um silêncio eloquente, pontuado apenas pelos sussurros das orações. Nessas horas de vigília, as viúvas de Jesus em Jerusalém se tornam faróis de esperança, irradiando uma luz espiritual que desafia a escuridão do mundo. Sua dedicação inabalável nos lembra de que a fé perseverante é um poderoso antídoto contra o desespero, e que a oração constante pode mover montanhas de sofrimento. 

Enquanto as horas se esvaem em direção à meia-noite, a força coletiva dessas mulheres se intensifica. Sua vigília é um testemunho vivo de que a memória da Paixão não é apenas uma lembrança dolorosa, mas uma fonte inesgotável de esperança e um chamado constante à busca pela paz. E sob o céu estrelado de Jerusalém, a fé dessas guardiãs da Sexta-feira continua a brilhar, um farol de luz para toda a humanidade. 

© Alberto Araújo

Retrato a giz de Caravaggio, c. 1621


UM POUCO SOBRE CARAVAGGIO

Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1571-1610 foi um pintor italiano do período barroco, conhecido por seu estilo inovador e dramático uso de luz e sombra, técnica chamada de chiaroscuro ou tenebrismo. Sua vida foi tão intensa e turbulenta quanto suas pinturas. 

Nascido provavelmente em Milão e criado na vila de Caravaggio, perdeu o pai cedo e, aos 12 anos, começou a trabalhar como aprendiz de pintor em Milão. Mudou-se para Roma por volta de 1592, onde inicialmente viveu em dificuldades, trabalhando em ateliês e vendendo pinturas nas ruas. 

Sua carreira começou a ascender quando passou a trabalhar para o Cardeal Francesco Maria del Monte, que se tornou seu importante patrono. Foi nessa época que pintou algumas de suas primeiras obras notáveis, como "Os Músicos" e "Baco Doente".

O estilo de Caravaggio era revolucionário para a época. Ele rompeu com as convenções do maneirismo, buscando um realismo cru e intenso. Seus personagens eram frequentemente retratados com grande naturalidade, sem idealização, e ambientados em cenários escuros e dramáticos, com fortes contrastes de luz que destacavam pontos focais da cena. Seus temas eram predominantemente religiosos, mas ele os abordava de uma maneira humana e acessível, chocando muitas vezes o público da época com sua representação vívida e terrena de figuras sagradas.

Ao longo de sua carreira, Caravaggio criou obras-primas como "A Vocação de São Mateus", "A Crucificação de São Pedro", "Judite e Holofernes" e "O Sepultamento de Cristo" (a obra que você mencionou). Sua influência na arte barroca foi imensa, e seus seguidores ficaram conhecidos como "Caravaggisti". 

A vida pessoal de Caravaggio foi marcada por um temperamento explosivo e envolvimento em diversas brigas. Em 1606, matou um homem em uma disputa e fugiu de Roma, passando por Nápoles, Malta e Sicília. Durante esse período de fuga, continuou a pintar obras importantes. Em Malta, foi feito cavaleiro da Ordem de São João, mas posteriormente foi expulso devido a outro incidente violento. 

Em 1610, enquanto viajava de volta a Roma na esperança de obter perdão, morreu em circunstâncias incertas em Porto Ercole. Sua morte prematura, aos 38 anos, encerrou uma carreira breve, mas incrivelmente impactante na história da arte. Apesar de sua vida conturbada, Caravaggio é hoje reconhecido como um dos maiores e mais influentes pintores de todos os tempos.

 



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