terça-feira, 29 de abril de 2025

O ENCONTRO SERENO COM A PALAVRA DE TAGORE - CRÔNICA E ANÁLISE LITERÁRIA DE ALBERTO ARAÚJO

Lembro-me bem da tarde em que seus versos dançaram pela primeira vez em minha mente. Era um dia como tantos outros, a brisa preguiçosa brincando com as cortinas da janela e o sol filtrando a poeira no ar. Eu folheava livros aleatoriamente, buscando algo que me prendesse, que quebrasse a monotonia daquele instante. Foi então que meus olhos pousaram em um volume de capa singela, com o nome Rabindranath Tagore gravado em letras discretas.

Confesso que, até então, o nome me soava distante, quase mítico. Sabia vagamente de sua importância, de sua aura de poeta laureado, mas nunca havia me aventurado em suas palavras. Talvez fosse o momento certo, a quietude da tarde conspirando a favor de um encontro especial. 

Abri o livro timidamente, como quem desvenda um segredo. E então, fui envolvido por uma melodia suave, um ritmo cadenciado que falava de coisas simples com uma profundidade surpreendente. Seus poemas eram como sussurros da alma, revelando a beleza escondida no cotidiano, a conexão sutil entre o homem e a natureza, o anseio universal por amor e transcendência. 

Fiquei ali, absorto, sentindo cada verso ressoar em meu interior. Era como se Tagore pegasse em minha mão e me guiasse por um jardim secreto, onde cada flor, cada folha, carregava uma mensagem. Sua escrita tinha a leveza de uma pluma e a força de uma raiz profunda, nutrindo a imaginação e acalmando o espírito. 

Naquele instante, o mundo ao meu redor pareceu se silenciar. Havia apenas eu e as palavras de Tagore, tecendo um laço invisível que perdura até hoje. Descobri um poeta que não apenas escrevia, mas que sentia o mundo em sua totalidade, traduzindo em linguagem acessível os mistérios da existência. 

Foi um encontro sereno, sem alarde, mas que deixou uma marca indelével. Desde então, Tagore se tornou um companheiro constante, um farol em meio às turbulências da vida. E sempre que retorno a seus escritos, reencontro aquela mesma sensação de encantamento, como se a beleza de suas palavras fosse inesgotável, sempre pronta a nos acolher em sua infinita sabedoria poética. 

© Alberto Araújo

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FLORESCER NA ESSÊNCIA HUMILDE: A LIÇÃO SILENCIOSA DE TAGORE 

"A flor que desabrocha onde a terra é mais humilde abre suas pétalas sem medo,"

ANÁLISE DE ALBERTO ARAÚJO 

A poesia de Rabindranath Tagore, com sua profunda sensibilidade e olhar atento para as nuances da existência, frequentemente nos presenteia com imagens que transcendem a beleza estética, carregando consigo camadas de significado que ecoam em nossa própria jornada. No verso singelo, porém poderoso: "A flor que desabrocha onde a terra é mais humilde abre suas pétalas sem medo," encontramos uma metáfora luminosa sobre a força que reside na simplicidade e a liberdade que emana da autenticidade.

A escolha da "terra humilde" como berço para a flor nos convida a desviar o olhar da grandiosidade e a contemplar a beleza que emerge do despretensioso. Essa base modesta, longe de ser uma limitação, revela-se o alicerce essencial para o florescimento. Assim como nossas raízes, por vezes humildes em sua origem, são a fonte de nossa nutrição e sustentação, a terra simples de Tagore simboliza a importância de valorizarmos nossos fundamentos, nossa essência despojada de adornos superficiais. 

Nessa perspectiva, a humildade da terra pode ser interpretada como receptividade, a capacidade de acolher a semente da vida sem resistência, permitindo que ela germine e cresça em seu próprio ritmo. É um lembrete de que o aprendizado genuíno e o desenvolvimento pessoal muitas vezes florescem a partir de experiências simples e da aceitação de nossas próprias origens. 

A ação da flor de abrir suas pétalas "sem medo" adiciona uma dimensão de profunda liberdade. Essa ausência de receio revela uma confiança intrínseca na própria natureza, um abandono à sua vocação de ser quem é, sem se preocupar com julgamentos externos ou expectativas alheias. A flor que desabrocha na humildade da terra nos ensina que a beleza autêntica não necessita de palcos suntuosos para se manifestar; ela irradia de dentro para fora, impulsionada por uma força vital que não se intimida com a modéstia do seu entorno.

A imagem da flor "sem medo" também evoca a pureza de um ser que se entrega ao seu propósito sem hesitação. É uma lição sobre a importância de nos conectarmos com nossa própria essência, de confiarmos em nosso potencial e de nos expressarmos livremente, sem as amarras do medo ou da insegurança. 

Em sua concisão poética, Tagore nos oferece uma reflexão poderosa sobre a beleza que reside na simplicidade, a força que emana da humildade e a liberdade que nasce da autenticidade. A flor que floresce na terra humilde não apenas embeleza o seu entorno, mas também nos convida a revisitar nossas próprias bases, a valorizar nossa jornada e a abrir nossas próprias pétalas ao mundo, sem medo de sermos quem realmente somos. 

© Alberto Araújo

  

RABINDRANATH TAGORE: O SOL POÉTICO DE BENGALA E ALÉM

TEXTO DE ALBERTO ARAÚJO

Imagine um homem cuja vida floresceu como um vasto jardim, cada verso uma pétala, cada melodia um sussurro da alma, cada peça teatral um palco para as profundezas humanas. Esse homem foi Rabindranath Tagore, nascido em Calcutá em um dia de maio de 1861, um presente da Índia para o mundo. Mais do que um polímata: poeta, romancista, músico, dramaturgo. Tagore foi um alquimista de palavras e sons, capaz de transformar a tradição bengali em uma linguagem universal. 

Em um tempo onde o Oriente e o Ocidente ainda se observavam com alguma distância, Tagore ergueu pontes de beleza e compreensão. Sua pena dançava entre o lirismo apaixonado e a reflexão filosófica, reformulando a literatura e a música de Bengala com uma frescura que ecoava tanto o sagrado quanto o terreno. Sua obra magna, "Gitanjali" ("Oferenda Lírica"), não era apenas uma coleção de versos; era um mergulho profundo na comunhão entre o ser humano e o divino, uma tapeçaria de "versos profundamente sensíveis, frescos e belos," como descreveu a Academia Sueca, que o consagrou como o primeiro não europeu a receber o Nobel de Literatura em 1913. 

Mas a genialidade de Tagore transcendia o reconhecimento ocidental. Suas canções poéticas eram imbuídas de uma espiritualidade vibrante, capturando a efemeridade da vida com uma delicadeza mercurial. No entanto, para além das fronteiras de Bengala, permanecia um tesouro ainda a ser plenamente descoberto: sua "prosa elegante e poesia mágica," que aguardavam para encantar um público mais vasto com sua riqueza e profundidade. 

Conhecido carinhosamente como "Gurudev" o mestre reverenciado e aclamado como o "Bardo de Bengala," Tagore personificou a alma literária de sua terra. Sua influência era tamanha que sua estatura cultural só podia ser comparada à de Mahatma Gandhi, a quem ele próprio apelidou de 'Mahatma' em um gesto de profunda admiração mútua. Ambos, cada um à sua maneira, moldaram o século XX com a força de suas ideias e a integridade de seus espíritos. 

Tagore não foi apenas um escritor; foi um visionário que fundou a Visva-Bharati University, uma instituição que buscava harmonizar as culturas oriental e ocidental, um lar para a mente livre e a busca incessante pelo conhecimento. Sua vida foi uma ode à criatividade, à busca pela verdade e à crença inabalável na unidade da humanidade. 

Ao lembrarmos de Rabindranath Tagore, não vemos apenas um nome nos livros de história, mas sentimos a pulsação de um coração que cantou a beleza do mundo, a profundidade do espírito humano e a urgência da conexão. Ele foi, e continua a ser, um farol de luz poética, guiando-nos através da melodia eterna da existência.

© Alberto Araújo 


 ALGUMAS POESIAS DE TAGORE


Senhor! Dá-me a esperança, leva de mim a tristeza e não a entrega a ninguém.
Senhor! Planta em meu coração a sementeira do amor e arranca de minha alma as rugas do ódio.
Ajuda-me a transformar meus rivais em companheiros, meus companheiros em entes queridos.
Dá-me a razão para vencer minhas ilusões.
Deus! Conceda-me a força para dominar meus desejos.
Fortifica meu olhar para que veja os defeitos de minha alma e venda meus olhos para que eu não cometa os defeitos alheios.
Dá-me o sabor de saber perdoar e afasta de mim os desejos de vingança.
Ajuda-me a fazer feliz o maior número de possível de seres humanos, para ampliar seus dias risonhos e diminuir suas noites tristonhas.
Não me deixe ser um cordeiro perante os fortes e nem um leão diante dos fracos.
Imprime em meu coração a tolerância e o perdão e afasta de minha alma o orgulho e a presunção.
Deus! Encha meu coração com a divina fé... Faz-me uma mulher realmente justa.


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É hora de partir, meus irmãos, minhas irmãs
Eu já devolvi as chaves da minha porta
E desisto de qualquer direito à minha casa.
Fomos vizinhos durante muito tempo
E recebi mais do que pude dar.
Agora vai raiando o dia
E a lâmpada que iluminava o meu canto escuro
Apagou-se.
Veio a intimação e estou pronto para a minha jornada.
Não indaguem sobre o que levo comigo.
Sigo de mãos vazias e o coração confiante.

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AMOR PACÍFICO E FECUNDO!

Não quero amor que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.

Dá-me esse amor freso e puro como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.

Amor que penetre ate o centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até os ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!

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Acho graça quando ouço dizer
que os peixes dentro d'água
estão com sede.
Você vaga inquieto,
de floresta em floresta,
enquanto a realidade
está dentro da sua morada.
A verdade está aqui!
Vá aonde quiser,
ao norte ou sul;
até que você tenha
encontrado DEUS em sua alma,
todo o mundo lhe parecerá
inexpressivo

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Cântico da Esperança

Não peça eu nunca
para me ver livre de perigos,
mas coragem para afrontá-los.

Não queira eu
que se apaguem as minhas dores,
mas que saiba dominá-las
no meu coração.

Não procure eu amigos
no campo da batalha da vida,
mas ter forças dentro de mim.

Não deseje eu ansiosamente
ser salvo,
mas ter esperança
para conquistar pacientemente
a minha liberdade.

Não seja eu tão cobarde, Senhor,
que deseje a tua misericórdia
no meu triunfo,
mas apertar a tua mão
no meu fracasso!

Rabindranath Tagore, 
in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões

Rabindranath Tagore, na sua obra "O Coração da Primavera", traduzida para português por Manuel Simões, explora temas como a natureza, o amor, a espiritualidade e a busca pela beleza interior. Este livro contém poesias que reflectem a sua visão do mundo e a sua sensibilidade para com a beleza da vida. A tradução de Manuel Simões busca captar a essência das palavras de Tagore, transmitindo a profundidade e a beleza da poesia original.  "O Coração da Primavera" é uma das obras mais conhecidas de Rabindranath Tagore, um poeta indiano, escritor e filósofo, ganhador do Nobel de Literatura em 1913. A obra, em português, é uma seleção de poesias que abordam temas como a natureza, o amor, a espiritualidade e a busca pela beleza interior.






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