sexta-feira, 25 de abril de 2025

NO LABIRINTO DE ESPELHOS: A PRESENÇA PESSOA EM DALMA NASCIMENTO - ENSAIO DE ALBERTO ARAÚJO

 

Ensaio de Alberto Araújo sobre a obra: "Com Pessoa, estamos em pessoa na pessoa do mistério" de Dalma Nascimento.

A obra de Dalma Nascimento, "Com Pessoa, estamos em pessoa na pessoa do mistério", publicada sob os cuidados de Mauro Carreiro Nolasco em Niterói, 2019, com suas 136 páginas, configura-se como um mergulho singular e multifacetado na intrincada teia da poética e da persona fernandina. Longe de ser apenas mais um estudo sobre Fernando Pessoa, o ensaio de Dalma Nascimento pulsa com a vivacidade de um encontro pessoal que atravessa décadas, desde a efervescência da sala de aula universitária até a solenidade do púlpito da Biblioteca Nacional. 

A própria gênese do livro, narrada com candura e nostalgia pela autora, já nos introduz a uma relação visceral com o poeta português. O encantamento juvenil na Faculdade de Letras da UFF, materializado no singelo, porém significativo, jogral "Fernando Pessoa, o Eterno" de 1967, ressoa como o primeiro acorde de uma sinfonia que se desdobraria ao longo da vida de Dalma Nascimento. A decisão de resgatar e apresentar esse trabalho embrionário, com sua "rusticidade" estudantil intacta, confere ao livro uma camada de autenticidade e permite ao leitor testemunhar o despertar de uma paixão duradoura. 

A progressão do ensaio acompanha a jornada intelectual e afetiva da autora. O fascínio pelas aulas magistrais de Cleonice Berardinelli na UFRJ, aprofundando a compreensão da pluralidade pessoana, demonstra um engajamento contínuo e a busca por novas camadas de interpretação. A palestra "Os mistérios de Pessoa", proferida na Biblioteca Nacional em 1985, erige-se como um marco nessa trajetória, um momento de partilha de reflexões maduras ao lado de renomados especialistas. A republicação desse texto, com "mínimos retoques", atesta a perenidade das ideias ali apresentadas e a solidez da análise de Dalma Nascimento. 

A inclusão do jogral original e da palestra, lado a lado com as reflexões posteriores da autora, cria um diálogo temporal enriquecedor. Podemos acompanhar a evolução do olhar crítico de Dalma Nascimento, desde a intuição juvenil até a erudição da pesquisadora experiente, sem que a chama inicial do encantamento se apague. Essa estrutura peculiar do livro permite ao leitor não apenas conhecer a obra de Pessoa através da lente de Dalma, mas também testemunhar a própria construção desse olhar.

As palavras de Mauro Carreiro Nolasco nas orelhas do livro capturam a essência da proposta de Dalma Nascimento: um mergulho nos "mistérios de Pessoa segundo o olhar crítico-afetivo" da autora. A metáfora do "mosaico formado por tesselas d'alma de Pessoa" ilustra a forma como o ensaio aborda a complexidade do poeta, reunindo fragmentos de sua obra e de sua recepção pela sensibilidade e inteligência de Dalma Nascimento. 

Ao republicar seus textos originais, Dalma Nascimento não apenas compartilha sua trajetória pessoal com Pessoa, mas também oferece um valioso material para futuros estudiosos. O jogral, com sua simplicidade e foco no contraponto entre o ortônimo e os heterônimos, pode servir como ponto de partida inspirador para novas abordagens didáticas e performáticas da obra pessoana. A palestra, por sua vez, oferece uma análise concisa e perspicaz dos "mistérios" que envolvem a figura e a escrita de Fernando Pessoa. 

"Com Pessoa, estamos em pessoa na pessoa do mistério" transcende a mera análise literária. É um testemunho de um encontro transformador, de uma relação duradoura com a obra de um dos maiores poetas da língua portuguesa. Através da escrita sensível e erudita de Dalma Nascimento, somos convidados a revisitar os labirintos da alma pessoana, a nos confrontarmos com a multiplicidade do ser e a nos perdermos, para talvez nos encontrarmos, nesse fascinante jogo de espelhos que é a poesia de Fernando Pessoa. A inclusão do poema inédito e do apêndice de eventos da professora na Biblioteca Nacional enriquecem ainda mais este valioso contributo aos estudos pessoanos, solidificando a presença viva e perene de Pessoa na experiência de Dalma Nascimento e, por extensão, na nossa. 

© Alberto Araújo 



FERNANDO PESSOA: UMA ALMA PLURAL NO CORAÇÃO DE LISBOA

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, 13 de junho de 1888 e faleceu em Lisboa, 30 de novembro de 1935, aos 47 anos, foi um dos maiores e mais complexos poetas da língua portuguesa e da literatura mundial. Sua vida, marcada pela introspecção e pela criação de múltiplos heterônimos, é tão fascinante quanto sua vasta e inovadora obra. 

A vida de Pessoa foi profundamente moldada por perdas precoces. Com apenas cinco anos, perdeu o pai, Joaquim de Seabra Pessoa, vítima de tuberculose. No ano seguinte, seu irmão Luís morreu com apenas um ano de idade. Em 1896, sua mãe, Maria Magdalena Pinheiro Nogueira, casou-se em segundas núpcias com João Henrique Rosa, cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. 

Essa mudança para a distante Durban, onde viveu dos nove aos dezessete anos, foi crucial para a formação intelectual de Pessoa. Lá, teve uma educação de excelência em escolas inglesas, desenvolvendo um domínio notável da língua inglesa e um profundo contato com a literatura britânica, de Shakespeare a Milton e Shelley. Foi nessa época que começou a ensaiar suas primeiras escritas em inglês, prenunciando sua futura capacidade de desdobramento linguístico e identitário. 

Em 1905, Pessoa regressou a Lisboa para estudar na Faculdade de Letras, curso que abandonou pouco tempo depois, dedicando-se inteiramente à leitura e à escrita de forma autodidata. Lisboa, com suas ruas melancólicas e seus cafés vibrantes, tornou-se o palco principal de sua vida e a musa inspiradora de muitos de seus poemas. 

Foi nesse período que começou a germinar a ideia que revolucionaria sua obra: a criação dos heterônimos. Mais do que simples pseudônimos, os heterônimos eram personalidades poéticas completas, com biografias, estilos de escrita, filosofias e até mesmo horóscopos distintos. Alberto Caeiro, o mestre bucólico e anti-metafísico; Ricardo Reis, o clássico e estoico; Álvaro de Campos, o futurista e sensorial; e o semi-heterônimo Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros que personifica a angústia da vida urbana, são apenas alguns dos mais célebres dessa legião de vozes que habitavam a alma de Pessoa. 

Essa invenção genial permitiu a Pessoa explorar diferentes perspectivas filosóficas e estéticas, dialogar consigo mesmo de maneiras complexas e criar uma obra multifacetada que escapava às limitações de uma única identidade autoral. Cada heterônimo possuía uma voz inconfundível, expressando uma visão de mundo particular e enriquecendo o panorama literário português com uma diversidade inédita. 

Apesar da genialidade de sua produção literária, Pessoa levou uma vida relativamente modesta e discreta. Trabalhou como correspondente comercial em empresas estrangeiras, traduzindo textos e mantendo uma rotina burocrática que contrastava com a efervescência criativa de seu mundo interior. 

Sua vida amorosa foi marcada por um único relacionamento significativo com Ophélia Queiroz, que durou com intermitências e terminou de forma inconclusiva. Essa experiência, embora breve, deixou marcas em sua poesia, especialmente nos poemas assinados pelo ortônimo. 

Pessoa publicou pouco em vida, principalmente em revistas literárias como "Orpheu", da qual foi um dos fundadores e principal dinamizador da primeira fase do modernismo em Portugal. A ousadia e a inovação estética de "Orpheu" causaram escândalo na época, mas marcaram um ponto de inflexão na literatura portuguesa. 

Fernando Pessoa morreu precocemente, aos 47 anos, vítima de uma crise hepática. Deixou uma vasta quantidade de manuscritos inéditos guardados em uma arca, contendo poemas, peças de teatro, ensaios filosóficos, cartas e anotações em diversas línguas. 

Foi somente após sua morte que a magnitude de sua obra começou a ser revelada e reconhecida. A descoberta e a publicação gradual de seus escritos póstumos causaram um impacto profundo no mundo literário, consagrando-o como um dos maiores poetas do século XX. 

A figura de Fernando Pessoa continua a intrigar e a fascinar. Sua genialidade reside não apenas na qualidade de sua poesia, mas também na profundidade de sua reflexão sobre a identidade, a linguagem, a realidade e a própria existência. A criação dos heterônimos é a manifestação mais emblemática dessa busca incessante por compreender a multiplicidade do ser humano.

Pessoa foi um poeta da fragmentação, da dúvida e da melancolia, mas também da lucidez cortante e da busca pela beleza em todas as suas formas. Sua obra, rica em nuances e contradições, continua a ecoar através do tempo, convidando-nos a explorar os labirintos da nossa própria interioridade e a questionar as fronteiras da identidade. 

Fernando Pessoa foi um enigma literário, um criador de mundos interiores que habitou o coração de Lisboa e expandiu as fronteiras da poesia para a eternidade. Sua vida, tecida entre a introspecção e a genialidade, é um testemunho da força da imaginação e da capacidade humana de se reinventar através da palavra.

 

© Alberto Araújo








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