domingo, 6 de abril de 2025

O ENIGMA DA GOTA D'ÁGUA NA PÉTALA MINICONTO DE ALBERTO ARAÚJO


O silêncio era um bicho acocorado no canto da sala, observando com seus olhos invisíveis o lento desabrochar de uma orquídea sobre a mesa. Uma orquídea branca, de uma brancura que não era ausência de cor, mas antes a concentração de todas as cores em um ponto de pureza quase dolorosa. E ali, na ponta de uma pétala aveludada, repousava uma gota d'água. 

Não era uma gota qualquer. Era uma esfera perfeita, um pequeno universo líquido aprisionado pela tensão superficial, tremulando levemente sob a luz indecisa da manhã que espreitava por entre as cortinas. Dentro dela, o mundo se curvava, a sala se miniaturizava, os contornos se tornavam fluidos e misteriosos. Era um olho diminuto, refletindo não o que estava diante, mas talvez o que estava dentro.

Olhei para aquela gota e senti, como sempre sentia diante do ínfimo que continha o infinito, um aperto no peito. Uma espécie de saudade de algo que nunca possuí, ou talvez a memória vaga de um lugar onde tudo era possível, antes da palavra e da forma se solidificarem.

Quem era aquela gota? De onde viera? Teria sido um resíduo da chuva da noite anterior, um choro silencioso da orquídea, ou quem sabe, uma lágrima condensada do próprio tempo? Cada possibilidade era um fio solto, uma ponta de mistério a ser puxada, mesmo sabendo que a verdade, se é que existia uma, escorregaria entre os dedos como a própria água. 

Senti a urgência de compreender o inexplicável, a ânsia de decifrar o código secreto daquela minúscula esfera. Era como tentar agarrar a melodia fugidia de um sonho ao despertar, sabendo que a lógica fria do dia logo a dissiparia. 

A gota permanecia ali, imóvel em sua dança sutil, um diamante líquido cintilando com a promessa de revelações. Mas que revelações seriam essas? Sobre a fragilidade da beleza? Sobre a efemeridade da existência? Sobre o abismo que se esconde por trás da mais singela manifestação da natureza? 

Talvez a resposta não estivesse em decifrar, mas em sentir. Em deixar que a quietude daquela gota reverberasse em meu próprio silêncio interior. Em reconhecer que também eu era feito de água, de sonhos líquidos, de reflexos incertos.

A gota d'água na pétala da orquídea era um enigma sem solução aparente, mas era também um convite à contemplação, um espelho onde a alma podia se debruçar e, por um instante fugaz, vislumbrar a sua própria e insondável beleza. E talvez, no fundo, fosse tudo o que importava. Aquele instante de suspensão, aquele vislumbre do mistério, antes que o sol mais forte a evaporasse, levando consigo um pouco do segredo do mundo.

 

© Alberto Araújo


 

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