Foi ao amanhecer, quando o sol ainda tateava o céu com dedos de luz tímida, que postei meu poema sobre as praias de Niterói. Um gesto simples, quase ritualístico, como quem acende uma vela diante do altar da memória. E então, como uma onda que retorna à areia trazendo conchas esquecidas, veio Gilda com sua resposta, uma carta-poema, um mergulho nostálgico que me tocou fundo.
Ela escreveu com a delicadeza de quem sabe que a palavra pode ser jangada: “Fiquei encantada com seu poema às Praias de Niterói. Mas há uma praia que para mim tem importância especial.” E então, com a ousadia dos que sabem que a saudade também é forma de coragem, poetizou:
“A Praia das Flechas
acena à entrada da barra,
a namorar o oceano”
Esses versos não apenas nomearam um lugar, eles o devolveram à vida. A Praia das Flechas, discreta e elegante, surgiu diante de mim como uma senhora de vestido branco, acenando da varanda para o mar que parte e volta, como quem nunca esquece.
Localizada no bairro do Ingá, entre a Pedra de Itapuca e o Museu de Arte Contemporânea, a Praia das Flechas é pequena, cerca de 400 metros de extensão, mas de uma beleza que desafia a escala. Suas águas, por vezes frias e escuras, refletem o céu e os humores da Baía de Guanabara. Há quem diga que seu nome vem das flechas dos índios, mas há também quem defenda que deriva de uma planta abundante nos brejos locais, da qual se extraía a paina da flecha.
Gilda nasceu ali perto. E foi ali, entre os passos da infância e os silêncios da juventude, que ela viu o mar se encher de vida. Cardumes de peixes que dançavam como se o oceano fosse palco. Botos que surgiam como personagens encantados, e arraias que deslizavam com a graça de bailarinas submersas. Tudo isso acontecia todos os dias. Todos os dias.
Imagino Gilda menina, os pés na areia, os olhos atentos, o coração em festa. Imagino os gritos de surpresa ao ver os botos saltarem, os dedos apontando, a alegria compartilhada com quem estivesse por perto. E depois, já moça, talvez sentada num banco ou numa pedra, olhando o mesmo mar com outros olhos, os olhos de quem começa a entender que o tempo também é uma maré.
Hoje, ela diz que tem saudades. E ao ler meu poema, lembrou. Porque a poesia tem esse poder: ela não apenas descreve, ela convoca. Convoca lembranças, afetos, imagens que estavam adormecidas como conchas sob a areia.
A Praia das Flechas, então, não é apenas um lugar. É um relicário. Um espaço onde o tempo se dobra, onde o passado ainda respira. E Gilda, com sua memória viva, nos convida a olhar para lá com mais do que os olhos, com o coração.
E eu, que escrevi sobre as praias de
Niterói com o olhar de quem observa, agora escrevo com o ouvido de quem escuta.
Escuta Gilda, escuta os botos, escuta a saudade. Porque há crônicas que nascem
da paisagem, mas há outras que nascem da partilha. E essa, sem dúvida, é uma
delas.
@ Alberto Araújo
06 de novembro


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