Não houve legenda. Nenhuma palavra. Apenas a imagem. Um quadro clássico, uma mulher envolta em sombras e tecidos, o olhar perdido em si mesma, ao lado de um vaso que parece conter o mundo antigo em miniatura. E no centro, em letras firmes, em grego: MEDEA — EURÍPIDES. Foi assim que o professor Marco Antônio Martins Pereira decidiu se manifestar naquele dia, não com frases, mas com um gesto silencioso e eloquente. E como toda boa arte, bastou isso para provocar inquietação.
Medeia não é apenas uma personagem. Ela é um abismo. Uma mulher estrangeira, mãe, feiticeira, traída. Uma figura que atravessa os séculos com a força de um grito que não se apaga. Eurípides, ao escrevê-la no século V a.C., não ofereceu ao público ateniense uma heroína convencional. Ofereceu uma mulher que desafia os limites da moral, da maternidade, da civilização. Uma mulher que, diante da traição de Jasão, não se resigna, ela se vinga. E sua vingança é tão profunda que ainda hoje nos desconcerta.
A imagem postada pelo professor não é apenas uma capa de livro. É uma convocação. Um convite à reflexão sobre o papel da tragédia na cultura humana. Porque Medeia não é uma peça que se lê com leveza. Ela exige do leitor, ou do espectador, uma coragem rara: a de encarar o que há de mais sombrio na alma humana. E é justamente por isso que ela permanece viva. Porque nos obriga a pensar sobre os limites do amor, da justiça, da dor.
Na tradição ocidental, poucas obras alcançaram a universalidade de Medeia. Ela foi reinterpretada por poetas romanos, redescoberta no Renascimento, adaptada por dramaturgos modernos, encenada em palcos do mundo inteiro. Jean Anouilh, Heiner Müller, Marina Carr, todos beberam dessa fonte. E não apenas no teatro: Medeia aparece na psicanálise, na filosofia, na literatura, no cinema. Carl Jung viu nela o arquétipo da mulher ferida; Pasolini a transformou em filme com Maria Callas no papel principal. Cada geração encontra nela um espelho, ainda que distorcido, de seus próprios dilemas.
No Brasil, a figura de Medeia também encontrou eco. Na literatura, na crítica, nas salas de aula. Professores como Marco Antônio Martins Pereira sabem que a tragédia grega não é apenas um conteúdo curricular, é uma lente poderosa para entender o humano. E ao postar aquela imagem, sem dizer nada, ele talvez tenha dito tudo. Porque há momentos em que a arte fala por si. E nesse caso, falou alto.
A mulher da imagem, com o braço cobrindo o rosto, como quem tenta conter um universo de emoções, é mais do que uma personagem. É uma metáfora. Representa todas as vezes em que fomos levados ao limite. Todas as vezes em que a dor nos fez pensar o impensável. Todas as vezes em que a cultura nos ofereceu um espelho, e não gostamos do que vimos.
Mas é justamente aí que reside a força da tragédia. Ela não nos conforta. Ela nos confronta. E ao fazer isso, nos transforma.
Medeia é, portanto, mais do que uma peça. É um rito. Um mergulho. Um desafio. E a postagem do professor, silenciosa e potente, nos lembra de que a cultura não precisa sempre de palavras. Às vezes, basta uma imagem. E um nome: Eurípides.
© Alberto Araújo
Focus Portal Cultural





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