Quando a palavra encontra eco na alma de outro escritor, nasce um diálogo que transcende o texto. Recebi do querido Professor Francisco Da Cunha (Cunha e Silva Filho) uma leitura generosa e profundamente sensível de uma prosa minha. Suas palavras me tocaram como quem entende não apenas o que foi escrito, mas o que pulsa por trás da escrita. Compartilho aqui esse belo intercâmbio, seguido da resposta que lhe enviei, com gratidão e admiração.
MENSAGEM DO PROFESSOR FRANCISCO DA CUNHA:
Admirável prosa lírica deste cronista, que nos encantou à primeira leitura. Alberto imprime em seus textos a presença marcante do componente poético e de uma visão de mundo que compreende a vida como uma dimensão onde se entrelaçam as transcendências do tempo e da Mãe Natureza.
Sua escrita revela, com frequência, instantes epifânicos que capturam nossa atenção pela delicadeza e suavidade dos temas abordados — muitos dos quais delineiam situações semânticas diversas, chegando até mesmo a oposições, com o intuito de refletir sentimentos difusos, tangenciando uma poeticidade intensamente presente em suas crônicas.
Mutatis mutandis, essa força lírica também se faz notar na obra do maior cronista brasileiro: Rubem Braga. Há, em sua linguagem, um enlevo que a eleva ao estatuto do esteticamente nobre. Por isso, em seus textos, identificamos o indefinido, o vago, o misterioso — elementos que evocam, de maneira notável, a poesia simbolista, com seus traços singulares impregnados de sugestões, de imprecisões, de indefinições.
Tudo isso em consonância com o que defendiam os simbolistas, tendo à frente Paul Verlaine e seu célebre princípio: 'De la musique avant toute chose', complementado, por assim dizer, pelo lema: 'Suggérer toujours, nommer jamais'. Sua crônica, assim, nos convida a estabelecer paralelos entre diferentes formas de arte, enriquecendo ainda mais a experiência estética do leitor." Amplexos sinceros, Francisco Da Cunha (Cunha e Silva Filho)
MINHA RESPOSTA AO PROFESSOR
Admirável Professor Francisco da Cunha, receber suas palavras foi como escutar uma melodia antiga que, mesmo ouvida pela primeira vez, soa familiar à alma. Sua leitura generosa e sensível da minha prosa me tocou profundamente, não apenas pelo elogio, mas pela delicadeza com que você a entrelaçou com referências tão caras à nossa tradição literária. A menção ao instante epifânico, à transcendência do tempo e da Natureza-Mãe, ao vago e ao indefinido, tudo isso me fez perceber que, talvez sem saber, eu tenha mesmo trilhado caminhos que dialogam com o simbolismo e com a lírica do saudoso Rubem Braga, esse mestre que tanto nos ensinou sobre a beleza escondida no cotidiano.
Sua leitura é, para mim, um presente raro: não apenas compreensiva, mas interpretativa, criadora. Ela me devolve o texto com novas luzes, com ângulos que eu mesmo não havia percebido. E isso, creio, é o que há de mais precioso na interlocução entre escritores e leitores atentos, quando o texto deixa de ser apenas meu e passa a ser nosso. Receba, portanto, meu mais sincero agradecimento e minha admiração renovada. Suas palavras me inspiram a continuar escrevendo com o coração aberto e os sentidos atentos.
Abraços
do Alberto Araújo.
17
de novembro de 2025.
A HORA SUSPENSA
Prosa poética de © Alberto Araújo
Inspirada na fotografia de Euderson Kang Tourinho
Quatro e meia da manhã. Muitos ainda dormem, mas outros já estão acordados, como o fotógrafo da impressionante foto. Há luzes acesas, sim, mas são como pensamentos que resistem ao repouso. A fotografia de Euderson, compartilhada no grupo da Rede Sem Fronteiras, não é apenas uma imagem, é uma confidência da madrugada. Um segredo revelado entre o último sonho da noite e o primeiro suspiro do dia.
O céu, em combustão silenciosa, mistura tons de laranja e azul profundo, como se o universo estivesse pintando com as emoções que não ousamos nomear. As nuvens, densas e dramáticas, não anunciam tempestade, anunciam presença. São testemunhas do instante em que o tempo hesita. Nem noite, nem dia. Apenas o entre.
A cidade, aos pés das montanhas, parece recolhida. Seus prédios, suas janelas, seus postes, tudo ali está em suspensão. Há uma paz que não é ausência de som, mas presença de sentido. Euderson, com sua lente sensível, capturou o que não se vê: o silêncio que antecede o mundo. O momento em que o Rio de Janeiro, ou qualquer cidade que se atreva a existir entre o mar e a montanha, se revela em sua nudez mais honesta.
O Pão de Açúcar, imponente e sereno, observa tudo com a paciência dos séculos. Ele não se impressiona com o concreto, nem com a pressa. Ele sabe que tudo passa, menos o instante. E é esse instante que a fotografia eterniza. Um momento que não se mede em minutos, mas em sensações.
A luz da madrugada é diferente. Ela não invade, ela insinua. Ela não revela tudo, ela sugere. E nessa sugestão, há poesia. As cores do céu não são apenas belas, são íntimas. Elas conversam com quem ousa olhar. Dizem coisas que só os olhos atentos conseguem ouvir. Euderson ouviu. E nos convida a ouvir também.
Há algo de sagrado nesse horário. Não no sentido religioso, mas no sentido do mistério. A cidade, ainda envolta em sombras, parece mais verdadeira. Sem o ruído do dia, sem o disfarce da rotina. Apenas ela, em sua essência. E nós, diante da imagem, somos convidados a contemplar, não a decifrar.
A fotografia não é sobre o que está, é sobre o que está por vir. É uma promessa. De luz, de movimento, de vida. Mas antes da promessa, há o silêncio. E é esse silêncio que nos toca. Que nos faz lembrar que há beleza na pausa. Que há sentido na espera.
Euderson não apenas fotografou, ele escutou. Escutou o murmúrio das montanhas, o sussurro das nuvens, o respiro da cidade. E ao compartilhar essa imagem na Rede Sem Fronteiras, ele nos oferece uma travessia. Entre o visível e o invisível. Entre o concreto e o etéreo. Entre o agora e o eterno.
A madrugada tem esse poder. De revelar o que o dia esconde. De mostrar que há luz mesmo na escuridão. Que há cor mesmo no silêncio. Que há vida mesmo na pausa. E essa imagem é prova disso.
Cada janela acesa é uma história. Cada sombra, uma possibilidade. Cada tom do céu, uma emoção. E nós, diante da imagem, somos convidados a sentir. Não a entender. Porque há coisas que não se entendem, se vivem.
Essa fotografia é uma carta aberta à sensibilidade. Um convite à contemplação. Um lembrete de que o mundo não começa com o alarme do celular, mas com o despertar da luz. E que há beleza nesse despertar. Que há poesia na madrugada.
Euderson, com sua arte silenciosa, nos presenteia com um instante que não passa. Um momento que fica. Que se instala em nós como uma lembrança inventada, mas verdadeira. Porque a verdade, às vezes, não está no fato, mas na emoção.
E assim seguimos. Entre o céu e a cidade. Entre o escuro e o claro. Entre o sono e o sonho. Porque há imagens que não se veem, se sentem.
Fiquei profundamente impactado com a beleza dessa imagem. Ela me atravessou como quem toca uma memória que ainda não viveu, mas já sente. A prosa nasceu como resposta a esse impacto, como forma de valorizar, de acolher, de agradecer. Porque há partilhas que não apenas mostram, mas transformam. E essa fotografia, oferecida com generosidade por Euderson Kang Tourinho, é uma dessas. Que ela siga tocando outros corações como tocou o meu. Minha gratidão é inteira. Minha emoção, também.
© Alberto Araújo


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