O tempo, esse tecido invisível, urdia no silêncio daquela sala rubra. A luz, precisa e traiçoeira, era um feixe que cortava a escuridão, buscando não o objeto, mas a alma presa na moldura. O homem moderno, um viajante sem mapa no labirinto da memória, sentiu o ar rarefeito ao pousar o olhar. A gravata, nó apertado no presente, contrastava com o nó ainda mais sufocante que se formava em seu peito.
Ele a vira antes. Não nos ecos de um sonho fugaz, mas na vívida, palpável irrealidade de um século que não era o seu. Ela, a Dama do Leque, um espectro de seda e plumas em um tempo de valsas lentas e promessas gravadas em cera. Seus olhos, de um castanho quente e profundo, haviam sido o seu farol na bruma do desconhecido. O sorriso, esboçado e antigo, era a chave para a porta que ele pensara estar trancada para sempre.
Naquele quadro oval, cercado pelo esplendor do dourado esculpido, não havia apenas tinta e papel. Havia a eternidade. A fotografia em sépia era a prova irrefutável de que o amor é o único viajante que não se submete às leis da cronologia. Ali estava ela, a Elise, a beleza intemporal com o coque suntuoso, a gola alta e o colar de contas, desafiando a poeira e o esquecimento. Era a mesma mulher que ele amara quando trajava listras e gravata borboleta, forasteiro elegante em um passado roubado.
O Richard em seu casaco tweed, o escritor em busca de seu próprio enredo, aproximou-se. O tempo, que o havia traído e o havia punido com a separação, agora lhe concedia um vislumbre. Seus lábios tremeram, mas sua mandíbula se apertou, contendo um grito que vinha de um lugar muito distante, da dor de um adeus imposto pela lógica implacável do universo.
Os segundos na sala vermelha se alongaram, tornando-se uma eternidade de reencontro. O close em seu rosto era um mapa de emoções: o espanto inicial, a incredulidade atordoada, e por fim, a aceitação dolorosa. Ele não estava louco. Aquele amor havia existido, era um fato consumado, agora suspenso e cristalizado em forma de arte. O brilho intenso em seus olhos azuis não era apenas a luz do cômodo; era o reflexo de mil velas acesas no Grande Hotel, onde eles se haviam conhecido e perdido.
A música orquestral subia em um crescendo dramático, como a onda de emoção que o varria. Cada nota era uma lembrança: o toque de suas mãos, o sussurro de seus nomes, a vertigem da primeira e única noite juntos. A moldura dourada parecia vibrar com a intensidade do seu olhar, quase como se o retrato fosse se libertar da parede e, mais uma vez, caminhar em sua direção.
Ele havia rasgado o véu entre as épocas por ela. E ali estava o seu prêmio, e a sua punição: a imagem de seu amor, incorruptível pelo tempo, mas para sempre inatingível. Ela sorria na foto, aquele sorriso enigmático que parecia dizer: "Eu sou sua, mas sou também do meu tempo." O elo estava completo, o ciclo fechado. O presente havia honrado o passado.
Restava apenas a saudade, um espectro invisível que dançava no feixe de luz. O homem permanecia ali, imóvel, um farrapo de emoções à frente de um quadro. A fotografia, por fim, pairava no centro do universo dele, a promessa de que, em algum lugar, em algum tempo, o amor desafia a morte e a distância. A Dama de branco não era apenas uma memória; ela era o destino, pacientemente aguardando a próxima curva do tempo. A única certeza era o olhar, derradeiro e pungente, que unia o ontem ao hoje, na certeza de que a beleza e a paixão não perecem, apenas se transformam em lenda.
© Alberto Araújo
Focus Portal Cultural


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