O céu, de um azul que parece recém‑criado,
repousa sobre a Baía da Guanabara, onde a água brilha como se cada onda fosse
um pequeno aleluia.
As árvores enquadram o horizonte,
verdes como esperança que não se cansa, e, entre troncos e galhos, o olhar
encontra o contorno das montanhas, quase um presépio de pedra abençoando o mar.
É manhã de espera, de coração
acordado, e a cidade se veste de claridade para receber o Menino que vem.
Os carros passam, apressados, mas até
o trânsito parece mais leve, como se as rodas tocassem o asfalto em ritmo de
canção de ninar.
Ali na calçada, a estrutura vazada de
um pinheiro de luz anuncia o Natal que se aproxima, árvore ainda silenciosa,
mas já cheia de promessas de brilho, como ventre que guarda, no segredo, uma
vida nova.
O vento que atravessa a praia espalha
sal, sol e lembranças, e cada pessoa que caminha no calçadão leva, sem
perceber, um pedaço de estrela no passo.
Tudo respira uma alegria mansa, que
não precisa gritar: apenas existe, serena, luminosa, presente.
Na orla, o mar conversa com as pedras,
repetindo em murmúrios antigos a mesma mensagem de sempre: “Não temas, é tempo
de recomeçar.”
As ondas se aproximam da areia e
recuam num balé de eternos ensaios, desenhando arabescos efêmeros que o próximo
movimento apagará, como se lembrasse que o perdão também é assim, renova tudo e
deixa o chão limpo para outra história.
As crianças, quando passam correndo,
fazem da praia um altar de risos, e o riso delas é talvez a mais pura profecia
do que está por chegar.
No brilho dos olhos infantis, a
chegada do Menino Jesus já começou, mesmo antes da noite de estrelas.
As montanhas que se veem ao fundo,
recortando o horizonte, se erguem como guardiãs silenciosas da Baía.
Lembram os montes de onde, na noite
santa, ecoou o canto dos anjos: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra aos
homens de boa vontade.”
Aqui, porém, o coro é outro e, ao
mesmo tempo, o mesmo: buzinas distantes, passos apressados, vendedores,
risadas, pregões e, acima de tudo, o vento marinho que transforma esse ruído em
música de cidade viva.
É a sinfonia cotidiana que o Salvador
vem habitar, não para calar, mas para encher de sentido cada nota imperfeita.
No coração de quem observa essa
paisagem, algo também se rearruma. Talvez seja a fé, que reencontra espaço
entre as tarefas e as notícias; talvez seja apenas a memória de um tempo em que
o Natal significava cheiro de bolo, casa cheia e presépio montado com cuidado.
Mas o olhar que se detém na árvore
metálica, aguardando luz, reconhece a própria alma: uma estrutura muitas vezes
simples, às vezes cansada, porém pronta para ser acesa por dentro.
Preparar o coração é isso: aceitar ser
árvore antes de ser brilho, aceitar o silêncio do antes para acolher o milagre
do depois.
“Preparai o caminho do Senhor” ecoa,
discreto, entre as folhas das amendoeiras e as nuvens que passeiam lentas sobre
o Pão de Açúcar distante.
Não é um grito, é um convite: abrir
espaço para a ternura no meio da pressa, deixar que a mansidão encontre um
canto na agenda apertada, permitir que o perdão sente à mesa no lugar da mágoa.
Cada gesto de gentileza se torna uma
pedrinha alinhada nessa estrada interior, cada abraço sincero, uma lanterninha
acesa à beira do caminho.
E assim, sem que se perceba, Icaraí
vai virando Belém, e a Baía, um imenso espelho do céu que desce.
As folhas que balançam sobre a avenida
fazem sombra, mas não escondem a luz; antes, a revelam em pequenos recortes,
como vitrais verdes deixando o sol passar em fragmentos.
O coração humano também é assim: cheio
de recantos, medos, lembranças e histórias, mas, quando se abre, permite que a
claridade do Salvador encontre frestas para entrar.
Preparar‑se para o
nascimento do Menino é varrer os cantos da alma, não com dureza, mas com
carinho, como quem arruma a sala para receber um hóspede muito amado.
É deixar que aquilo que foi quebrado
seja colado com paciência, e que as janelas emperradas da esperança voltem a se
abrir.
Nessa manhã clara, o tempo parece
suspenso por um instante, como se o relógio se distraísse observando o brilho
do mar.
Há uma paz que não é ausência de
barulho, mas presença de sentido; uma alegria que não depende de presentes
caros, apenas de um coração disponível.
A chegada do Menino Jesus não é apenas
uma data, é um modo de olhar: de repente, cada rosto desconhecido se torna um
irmão, cada esquina, uma oportunidade de cuidar.
E o mundo, que tantas vezes parece
duro, revela um lado de ternura que ainda resiste, teimoso, como flor nascendo
na fresta de concreto.
Que a Baía da Guanabara, espelho desse
céu de dezembro, inspire uma fé igualmente larga, que abrace o longe sem
esquecer o perto.
Que Icaraí, com suas árvores, sua
orla, sua gente, se torne nesta estação um presépio aberto, onde o Salvador
encontre espaço não apenas nas igrejas, mas nos bancos de praça, nas cozinhas,
nos quartos silenciosos, nas rodas de conversa e nas mensagens trocadas ao
amanhecer.
Que o coração, preparado com cuidado,
seja manjedoura simples, porém limpa, aquecida pela humildade, perfumada pela
esperança.
E que, quando finalmente soar a noite
santa, cada alma que hoje contempla essa paisagem possa sussurrar, sorrindo:
“Vem, Menino Jesus, o Caminho está pronto, a Casa está arrumada, a Alegria já Te
espera.”
© Alberto Araújo