No Dia de Todos os Santos, o silêncio do feriado foi preenchido por um som que não veio de uma orquestra distante, mas de um toque íntimo e pessoal. Na tela do meu WhatsApp, surgiu o Maestro Julio Enrique Gómez, presenteando-me com mais do que um vídeo: uma epifania musical. E é por essa partilha generosa, por essa ponte de ternura que ele lançou até mim, que esta prosa poética nasceu, não como crítica, mas como honraria sincera.
A peça escolhida? A Ave Maria de Johann Sebastian Bach e Charles Gounod é uma das composições mais famosas e gravadas sobre o texto em latim da prece Ave Maria. A Ave Maria também chamada de Saudação Angélica, é uma oração que saúda a Virgem Maria baseada nos episódios da Anunciação e da Visitação do Anjo Gabriel que está em Lucas – (1:28-42).
Não há no repertório sacro uma melodia que melhor traduza a paz que supera todo entendimento. E o Maestro Gomez não a executou; ele a sussurrou ao piano. Sua arte transformou a madeira e o metal em um relicário sonoro. Cada nota não era apenas oitava ou semitom, mas uma lágrima contida, uma vela acesa, um joelho que se dobra em gratidão. Era a voz da Virgem cantada pelas teclas.
A cena, que me roubou a respiração e me prendeu em um instante eterno, era a de suas mãos. Ah, as mãos do Maestro! Você descreveu com a precisão de um verso: elas pareciam plumas no teclado. Essa imagem carrega a quintessência da sua arte. Não havia peso, nem esforço, apenas a levitação da técnica a serviço da alma. Era a delicadeza em sua forma mais pura, as plumas, leves e etéreas, pousando sobre as teclas para despertar a memória do éter e do celeste. Em vez de percutir, ele acariciava o som, extraindo da pesada estrutura do piano apenas o suspiro, o murmúrio, a oração.
Essa Ave Maria particular, tecida pela mão de seda de Júlio Gomez, fez do meu dia uma capela. A música tornou-se um hino aos Santos de minha história, aqueles que me guiaram, me amaram, e cuja bondade se perpetua, invisível, mas palpável. O Dia de Todos os Santos é uma celebração da santidade comum, do heroísmo discreto. E o Maestro, com a sua versão de Gounod, consagra essa ideia. Ele não toca para um público vasto e disperso, mas para a única alma que ele deseja tocar, seja ela a minha, seja a de quem mais o escute.
É nesta intimidade compartilhada que reside a força do impacto. Ele me fez um presente. E este texto, que transborda o encantamento inicial, é a minha devolução em gratidão. Esta prosa é a tentativa de dar forma às cores que sua música pintou na tela da minha emoção: o azul do manto, o dourado da luz eterna, o branco da paz.
O vídeo do Maestro Júlio Gomez é um manifesto contra o ruído. É um lembrete de que a beleza está na subtração, naquilo que se faz com a máxima reverência e cuidado. Seus dedos, como plumas, nos ensinam que a força da arte não está no estrondo, mas na precisão do toque suave. Ele nos convida a sermos mais gôndolas e menos navios de guerra no mar turbulento do mundo. A flutuarmos sobre as águas da vida, guiados pela luz suave da fé e da memória.
Ao
me enviar esta obra, o Maestro não só me homenageou com sua confiança, mas
também me incumbiu de um silêncio. Um silêncio que, depois da última nota,
ecoou a certeza de que a arte é a mais alta forma de diálogo com o sagrado. A
sua "Ave Maria" não foi o final de uma performance; foi o início de
uma oração compartilhada, uma bênção que se estendeu do seu piano à minha alma,
neste dia dedicado à luz de todos os que foram bons.
Obrigado,
Maestro. A sua delicadeza é a nossa santidade.
©
Alberto Araújo
Focus
Portal Cultural



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