No dia 02 de julho de 2004, calou-se uma das vozes mais profundas da literatura portuguesa, mas seu silêncio ecoa como maré eterna. Sophia de Mello Breyner Andresen partiu há 21 anos, deixando-nos órfãos de sua poesia cristalina, onde o mar era mais que paisagem, era símbolo, infância, memória e destino.
Primeira mulher portuguesa a conquistar o Prêmio Camões, 1998, Sophia é a guardiã de uma linguagem limpa e luminosa, que canta a dignidade humana, a justiça, os mitos e o sagrado da simplicidade. Com o sopro dos clássicos e a alma de um tempo por vir, traduziu Dante e Shakespeare, escreveu contos exemplares e encantou gerações com suas histórias infantis: A Menina do Mar, A Fada Oriana, O Cavaleiro da Dinamarca, livros que continuam a soprar encantamento nas escolas e corações.
Membro da Academia das Ciências de Lisboa, sua memória é celebrada em bibliotecas, prêmios e, desde 2014, repousa no Panteão Nacional de Portugal, entre os imortais que moldaram a identidade do país com palavras.
Sophia não escrevia apenas poemas: ela semeava ética, beleza e liberdade. Sua poesia é bússola para tempos sombrios, e sua ausência, como o pôr do sol no mar, apenas acende a luz que nos deixou.
Hoje, o Focus Portal Cultural rende homenagem à poetisa que fez do verbo um abrigo, do mar um espelho da alma, e da infância, um território sagrado.
“Porque o poema é o meu modo de estar só / E de ser acompanhada.” — Sophia.
SOPHIA,
NOME DE MAR
POEMA
DE ALBERTO ARAÚJO
Sophia,
tua
palavra é uma concha aberta
na
praia do tempo.
Cada
verso teu
cheira
a sal,
a
infância,
a
justiça em voz mansa
e
a silêncio que sabe tudo.
Caminhaste
pelas margens
onde
o poema é abrigo
e
o mar não termina nunca.
Tinhas
o dom
de
dizer o mundo
com
poucas sílabas.
E
dentro de ti
caminhava
uma dignidade antiga,
como
as colunas do templo,
como
os olhos de quem já viu
o
que não se pode nomear.
Foste
infância,
foste
pátria sem bandeira,
foste
vento de liberdade
em
páginas abertas.
Hoje,
teu
nome repousa no Panteão
mas
tua essência flutua
em
cada criança que lê
A
Menina do Mar,
em
cada adulto que entende
que
a beleza é um dever
e
a ética, um destino.
Sophia,
teus
poemas
não
dormem.
Eles
vigiam
a
margem do humano.
UM POUCO SOBRE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN — A POETISA DO MAR E DA LIBERDADE
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no dia 6 de novembro de 1919, no Porto, e se consagrou como uma das maiores figuras da literatura portuguesa do século XX. De origem aristocrática e com ascendência dinamarquesa, teve uma formação marcada pelo humanismo cristão e pelos clássicos da literatura, elementos que influenciaram fortemente sua obra poética e ética.
Estreou na literatura em 1944 com o livro Poesia, e desde então construiu uma trajetória literária sólida e singular, com uma linguagem límpida, direta e profundamente simbólica. Em sua produção, temas como o mar, a infância, a justiça, a liberdade e a beleza ocupam lugar central. Sua poesia é marcada por uma busca constante pelo essencial e por um senso agudo de responsabilidade moral e estética.
Além da poesia, destacou-se como autora de contos e literatura infantil. Obras como A Menina do Mar, O Cavaleiro da Dinamarca, A Fada Oriana e O Rapaz de Bronze tornaram-se clássicos da literatura infantojuvenil lusófona. Seu livro Contos Exemplares, 1962 é uma referência da prosa breve portuguesa.
Sophia foi também tradutora de autores como Dante Alighieri e William Shakespeare, demonstrando sua erudição e seu compromisso com a universalidade da literatura. Durante o regime salazarista, manteve uma postura crítica e engajada, vindo a ser eleita deputada à Assembleia Constituinte após a Revolução dos Cravos, em 1975, pelo Partido Socialista.
Em 1998, tornou-se a primeira mulher portuguesa a receber o Prêmio Camões, o mais importante galardão da literatura em língua portuguesa. Foi ainda membro da Academia das Ciências de Lisboa, e ao longo da vida recebeu diversas homenagens e distinções.
Sophia de Mello Breyner faleceu em 02 de julho de 2004, aos 84 anos. Em 2014, em reconhecimento ao legado literário e cívico que deixou, seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional, em Lisboa, uma das mais altas honras do Estado português.
Seu nome hoje batiza escolas, bibliotecas e centros culturais em todo o país. Sua obra permanece viva, celebrada por leitores de todas as idades, e sua poesia continua a ser referência de beleza, lucidez e liberdade.
©
Alberto Araújo