quarta-feira, 30 de julho de 2025

A FÚRIA BRANCA DO MAR - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO


Há dias em que o mar respira mansidão e veste-se de azul translúcido, refletindo o céu como um espelho sereno. Mas há dias em que desperta seu rosto antigo e indomável, e então tudo se transforma: o que antes convidava ao descanso torna-se aviso, e o que era apenas horizonte se torna mistério em movimento. 

Naquela tarde, o ar vinha pesado de sal, quase como se o vento soprasse histórias antigas guardadas nas profundezas. O bramido constante parecia entoar um canto grave e ancestral. As ondas, vindas do Sul-Sudeste, não traziam doçura — erguiam-se altivas, ameaçadoras, rompendo a quietude e lançando sobre a areia uma espuma branca, que rodopiava como véus em uma dança furiosa. 

A orla, normalmente viva de risos, passos apressados e olhares distraídos, silenciou-se. Não havia banhistas, nem ciclistas, nem corredores: apenas o mar impondo presença. A Defesa Civil recomendara prudência, e por uma rara comunhão de respeito, todos atenderam ao chamado. Ficaram apenas o vento, a maresia e o rumor grave das ondas a embalar aquele espetáculo selvagem.

De longe, a Praia de Icaraí transformou-se em palco de um balé colossal. O horizonte, borrado pela névoa salina, dissolvia a linha entre céu e água. O som das ondas quebrando soava como um tambor antigo, batendo no ritmo do coração da terra. E a areia, antes dourada e macia, cobriu-se de espuma: pinceladas vivas de um artista invisível. 

Mesmo para quem só olhava, a força do mar era quase palpável. O vento trazia gotas frias, lembrando que a beleza pode ser também indômita, e que a grandeza da natureza não cabe no nosso entendimento apressado. Era impossível não sentir a própria pequenez ali, diante daquela fúria branca. 

Ao cair do dia, a ressaca ainda persistia, mas a luz suavizava contornos, devolvendo um pouco de calma ao cenário. O mar parecia recordar quem ele sempre foi: ora calmaria, ora tempestade; ora convite, ora aviso. Uma presença viva, que guarda segredos que jamais alcançaremos por inteiro. 

E nós, observávamos tudo de nossa janela... a fúria branca do mar, que somente depois de horas voltou ao normal. 

Ficou o silêncio no ar, como quem testemunhou algo maior do que palavras: a memória do mar em fúria, lembrando-nos, mais uma vez, de respeitar aquilo que não se pode dominar. 

© Alberto Araújo




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