"Entre o silêncio de Beethoven e o toque vivo do maestro, há um instante eterno onde a pedra respira música e a memória se torna ressonância. Na genialidade de Marcelo Moraes Caetano, o passado encontra voz e o mármore aprende a cantar. Há colecionadores de objetos, e há colecionadores de ressonâncias. Marcelo é dos segundos." @Alberto Araújo
Hoje, ao abrir meu Facebook, fui surpreendido por algo que não era apenas uma postagem: era uma essência memorial. O pianista e maestro Marcelo Moraes Caetano, direto de Bruxelas, partilhava com o mundo três bustos raros de Beethoven, três testemunhos silenciosos de um homem que transformou dor em eternidade.
Na penumbra suave de sua casa,
repousam essas relíquias: mais do que esculturas, são corações que ainda
palpitam memória. Parte de sua coleção pessoal, essas peças atravessaram
séculos e oceanos para guardar o mistério do grande mestre de Bonn.
O PRIMEIRO — um busto de pedra de 1827, moldado da própria máscara mortuária de Beethoven traz a gravidade do fim. É o rosto mais próximo do homem que desafiou o silêncio com sinfonias. Quase podemos sentir o hálito da última respiração, eternizado no frio da pedra.
O SEGUNDO, talhado em granito em 1845, pertencia à coleção da família real britânica. Um semblante altivo, quase solene, que parece carregar nas rugas a tensão entre a nobreza externa e a nobreza maior da alma criadora. É Beethoven observado pelos salões aristocráticos que tantas vezes ecoaram suas notas.
O TERCEIRO, o busto de bronze e mármore de Carrara de 1820. Este, íntimo, pertenceu ao próprio Beethoven. Imagino suas mãos cansadas pousando sobre essa imagem, numa conversa muda com a própria sombra. Ali, talvez ele tenha depositado segredos que nem a música ousou contar.
As muitas faces de Beethoven reúnem-se, então, não apenas em pedra, granito ou bronze, mas no silêncio que fala, na presença que permanece. São memórias concretas de um homem que, mesmo surdo, jamais deixou de ouvir a alma do mundo.
O maestro Marcelo Moraes Caetano, ao reunir esses bustos, não apenas coleciona arte: cultiva ressonâncias. Mantém vivas, em sua casa de Bruxelas, as cicatrizes e triunfos de um gênio que ensinou a todos nós que, mesmo no maior silêncio, a beleza pode ser imortal.
"A verdadeira herança não cabe
numa vitrine:
ela ecoa, silenciosa, no coração de quem ousa ouvir." _ @Alberto Araújo
E ao encerrar essa breve visita
virtual, resta a certeza: Beethoven vive. Não apenas nas partituras, mas
naquilo que resiste ao tempo, a imortalidade esculpida que continua a nos
emocionar, cada vez que ousamos olhar para além da pedra.
© Alberto Araújo
26 de julho de 2025
MENSAGEM DO MAESTRO MARCELO CAETANO
Caríssimo Alberto, mais uma vez, recebo com imensa gratidão sua expressão sábia e fraternal.
Há muita sabedoria no que você escreve sobre o silêncio do grande Mestre Beethoven, alguém raro, raríssimo, que possuía tanta música dentro de si, que nem mesmo o silêncio que lhe foi impingido por condição de saúde pôde deixá-lo fora das grandes obras musicais da humanidade.
Ao compor a sua famosa Nona Sinfonia, por exemplo, reconhecida como o Hino à Humanidade, Beethoven já estava completamente surdo. Também estava assim quando compôs suas sonatas mais pungentes: a opus 106, 110 e 111, a derradeira peça que ele compôs, depois da qual fechou para sempre a tampa de seu piano para recolher-se ao descanso justo que merecia.
Eu sempre acreditei piamente que o silêncio é a expressão mais pura em que podemos nos expressar - paradoxo? talvez; mas o que é o ser humano senão uma sucessão extasiante de paradoxos? Em parelha com o silêncio, creio que a manifestação mais próxima da pureza absoluta a que aspirava Goethe é, exatamente, a música.
Sou também um homem de letras, poeta (um de meus livros de poesia se intitula "Silêncio"), e sei do poder epifânico da palavra escrita, frequentemente numa mudez tonitruante, decalcada em sua veste negra sobre o papel branco, exatamente como as teclas do piano.
Sua crônica reverencia e, mais do que isso, honra o Mestre Beethoven, eternizado não apenas por suas notas às vezes percussivas e obstinadas, e por suas pausas enormes (prova de quanto Beethoven amava o silêncio), além de suas melodias e harmonias incomparáveis no universo da música.
Aqui, você emoldura com ouro parte da minha coleção iconográfica sobre o Mestre, eternizado também nos pensamentos, na filosofia de angústia e triunfo que ele soube unir tão bem (outro paradoxo?), na pedra que respira, como você escreve, soprando uma inspiração fecunda para que nos tornemos, todos e cada um de nós, melhores um pouco a cada dia, mais generosos, esperançosos e completamente certos de que a glória vem sempre, às vezes num andamento lento, adagio, às vezes num allegro ou num presto, mas sempre vem.
Muito obrigado por entronizar minha coleção de rostos de Beethoven, talhados em pedra, bronze, madeira, tintas, e coroá-la com palavras tão sábias e (paradoxalmente?) silenciosas como o silêncio que acompanha e arquiteta toda atitude de respeito.
Marcelo.
Admirável amigo Maestro Marcelo Caetano,
Recebo suas palavras com profunda emoção e gratidão, pois nelas reconheço não apenas a erudição de quem conhece os labirintos da música e da alma, mas também a grandeza de um coração que escuta, mesmo no silêncio, o que realmente importa.
Sua reflexão sobre Beethoven, esse gênio que transformou o silêncio em matéria-prima de eternidade, é de uma beleza comovente. E o paradoxo que tão sabiamente aponta, entre som e silêncio, fala fundo ao espírito de quem acredita, como nós, que as maiores sinfonias da vida se escrevem, muitas vezes, nas pausas, nos intervalos onde o verbo cala para que ressoe a essência.
Saber que minhas palavras encontraram eco em seu sentir, e puderam, de alguma forma, coroar essa sua admirável coleção iconográfica de Beethoven, é para mim uma honra que não cabe em palavras. Afinal, suas esculturas, quadros, partituras e pensamentos reunidos não apenas preservam uma memória: eles a fazem pulsar, respirar, ensinar.
Obrigado, Maestro, por esta interlocução tão rara e preciosa. Que continuemos a celebrar, com notas, pausas e silêncios, a glória discreta e imortal daqueles que, como Beethoven, nos lembram que a verdadeira música não está apenas no que se ouve, mas sobretudo no que se sente.
Com sincera amizade e respeito,
Alberto Araújo
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