Um
retrato vibrante do líder controverso, mas incontestável que comandou a
resistência à ocupação nazista e salvou a honra da França. Charles de Gaulle
ganha aqui sua primeira reconsideração histórica de peso em vinte anos, escrita
por um dos maiores especialistas na história moderna da França.
Com
sua personalidade forte, o general Charles de Gaulle adentrou a história
inspirando homens e mulheres a arriscarem a vida para combater o nazismo.
Depois, como presidente, enfrentou revoltas nacionais e violentos movimentos de
independência. Perseguindo o que chamou de "uma certa ideia da
França", desafiou a hegemonia americana, retirou a França da Otan e por
duas vezes vetou a entrada da Grã-Bretanha na Comunidade Europeia. Figura
gigante, cujo legado segue sendo profundamente disputado, De Gaulle ressurge em
cores vivas nessa premiada biografia.
Apoiando-se
em vasta pesquisa, inclusive de arquivos recém-disponibilizados, o historiador
Julian Jackson explora todas as dimensões do "mistério De Gaulle",
sem buscar lhe dar excessiva coerência: revela as raízes conservadoras da
formação intelectual do general, descreve com precisão e leveza seus paradoxos
e ambiguidades, seu talento político, paixão pela tática, pragmatismo e
capacidade de visão, e lança nova luz sobre a relação do estadista com
Churchill. Uma narrativa pulsante, que capta De Gaulle como nunca antes.
Vencedor
do Duff Cooper Prize for History 2018 e do Elizabeth Longford Prize for
Historical Biography 2019.
"A
biografia escrita por Julian Jackson é um monumento à altura dessa figura
extraordinária (...), um dos personagens mais fascinantes da política do século
XX. (...) O resultado é uma excelente história da França moderna disfarçada de
biografia de um estadista." -- The New York Review of Books
"Uma
apresentação arrebatadora e ao mesmo tempo concisa do mais brilhante,
exasperador e inefavelmente francês dos homens." -- The New York Times
"Deixa
as obras anteriores na sombra, em boa parte devido à pesquisa impecável e à sua
rara capacidade de ser objetivo e atraente. (...) Uma obra-prima." -- The
Spectator
DE
GAULLE ESTÁ EM TODA PARTE
Na
França, hoje, Charles de Gaulle está em toda parte: em lembranças, em
nomes
de ruas, em monumentos, em livrarias. No cômputo mais recente,
mais
de 3600 localidades tinham um espaço público – rua, avenida, praça,
rotatória
– batizado em sua homenagem. Isso põe De Gaulle à frente de Pasteur, que ocupa
o segundo lugar (300), e de Victor Hugo, o terceiro (2258).1
O
espaço mais grandioso de Paris, onde fica o Arco do Triunfo de Napoleão,
foi
rebatizado como place de l’Etoile-Charles de Gaulle imediatamente após a
morte
do general. Saindo dali a pé pela Champs-Elysées logo se chega a uma
estátua
de De Gaulle andando resolutamente na mesma direção. Dobrando
então
à direita, atravessa-se o Sena para o Hôtel des Invalides, o museu do
Exército
da França, que abriga um museu à parte dedicado exclusivamente a
De
Gaulle. Entrar nesse Historial Charles de Gaulle é como cruzar a soleira
de
um espaço sagrado gaullista.
Quando
uma pesquisa de opinião em 200 pediu que os franceses classificassem as
figuras mais importantes de sua história, 44% puseram De Gaulle no topo
(acumulando 70% das escolhas), bem à frente de Napoleão, que ficou em segundo
lugar com 4% (38%).2 Todos os políticos, de esquerda ou de direita, invocam o
nome de De Gaulle. Nas eleições presidenciais de 202, ele foi citado como
exemplo tanto pelo socialista François Hollande como por seu adversário de
direita Nicolas Sarkozy (supostamente gaullista) – e por praticamente todos os
demais. Até mesmo o Front National, de extrema
direita,
cujo fundador Jean-Marie Le Pen foi um visceral antigaullista, agora
exalta
o legado de De Gaulle. Mas nenhum outro político francês contemporâneo buscou
inspiração em De Gaulle de maneira mais consciente do que Emmanuel Macron, que
em sua fotografia oficial como presidente aparece Charles de Gaulle diante de
uma mesa com um livro aberto em cima: a edição da Pléiade das Memórias de
guerra de De Gaulle.
De
Gaulle aos poucos se livra das amarras da história da qual foi protagonista.
Livros recentes incluem uma divertida sátira sobre um encontro na Irlanda entre
ele e Jean-Paul Sartre (os dois nunca se encontraram); uma fábula em que se
imagina De Gaulle voltando do mundo dos mortos para salvar a tradicional
maionese francesa e defender os direitos dos gays; uma tirinha de humor sobre
ele na praia; um “Dicionário de um amante de De Gaulle”, cujo autor visita
lugares gaullistas como se refizesse os passos de um santo. Ninguém poderia
prever essa extraordinária unanimidade na França quando De Gaulle deixou o
poder, em 1969. Ela obscurece o fato de que, ao longo de sua carreira, ele foi
uma figura brutalmente desagregadora. Durante seus trinta anos de vida
política, De Gaulle foi o personagem mais reverenciado da história francesa
moderna – e o mais odiado. Em igual medida, foi vilipendiado e idealizado,
desprezado e adorado. Outros políticos franceses do século XX foram odiados,
mas não com tamanha intensidade. Para alguns, odiá-lo dava sentido à vida;
outros ficavam loucos de fúria. Esta foi a sina do político conservador Henri
de Kérillis, que começou como seguidor entusiástico de De Gaulle, rompeu com
ele em 1942 e passou seus anos de declínio nos Estados Unidos, uma figura
arruinada e patética, convencido de que agentes gaullistas o espreitavam em
cada esquina, prontos para atacá-lo. O estranho caráter da patologia
antigaullista fica evidente já nos títulos de livros publicados de 1964 a 1970
por um ex-membro da Resistência gaullista, André Figueras, que depois se voltou
contra o antigo herói: Charles le dérisoire (Charles, o irrisório), Le Géneral
mourra (O general vai morrer), Les Gaullistes vont en enfer (Os gaullistas vão
para o inferno), De Gaulle impuissant (De Gaulle, o impotente). Há muito mais
nessa veia no catálogo de Figueras. Quando De Gaulle renunciou, em 1969, um
jornal de extrema direita publicou a seguinte
manchete:
“A fera está morta, mas o veneno ainda vive.” O ódio ia além das palavras. De
Gaulle foi alvo de cerca de trinta sérias tentativas de assassinato, duas das
quais – em setembro de 1960 e agosto de 1962 – quase foram bem-sucedidas. Para
alguns antigaullistas, a fixação em De Gaulle incorporava-se de tal maneira à
personalidade que os motivos originais para desejar matá-lo eram eclipsados
pelo ódio que ele inspirava. Isso ocorreu, por exemplo, com André Rossfelder,
que planejou a última tentativa séria de
assassiná-lo, em 1964. Como muitos fanáticos antigaullistas, ele o odiava por
ter aceitado a independência argelina em 1962. Mas, mesmo depois de perdida
essa batalha, Rossfelder continuou conspirando para eliminar De Gaulle. Quando
lhe perguntaram por quê, ele respondeu: “Porque ele ainda está aí; simplesmente
para que eu não tenha mais que pensar no tirano.”4 No outro extremo estavam
aqueles cuja reverência por De Gaulle se situava entre a lealdade a um senhor
feudal e a fé num líder religioso. Sobre o romancista André Malraux, um
gaullista escreveu: “Como todos nós, ele entrou no projeto gaullista como se
entra numa religião" Se a vida dos franceses esteve tão apaixonadamente
enredada em suas relações com De Gaulle, isso aconteceu porque ele foi o
principal ator em duas guerras civis no país no século XX. A primeira delas
resultou da derrota da França para a Alemanha em 1940, quando o governo do marechal
Pétain assinou um armistício com Hitler. Recusando-se a aceitar tal decisão, De
Gaulle partiu para Londres a fim de continuar a batalha. Esse ato de desafio fez
dele um rebelde contra o governo legal chefiado pela figura mais reverenciada
da França: os primeiros tiros disparados pelos soldados que apoiaram De Gaulle
tiveram como alvo outros soldados franceses, não os alemães. Nos quatro anos
seguintes, De Gaulle afirmava de Londres que ele, e não Pétain, representava a
“verdadeira” França. Ele retornou ao país em 1944, aclamado como herói
nacional, e chefiou um governo provisório até renunciar ao poder em janeiro de
1946.
Outro
conflito explodiu em novembro de 1954, quando nacionalistas argelinos lançaram
sua campanha para se tornarem independentes da França. A Guerra da Argélia, que
durou oito anos, levou De Gaulle de volta ao poder em 1958 e culminou na
independência argelina quatro anos depois. Embora Tenha sido manifestamente uma
guerra de descolonização, o conflito teve as características de uma guerra
civil. Em termos administrativos, a Argélia era parte da França, sendo
“francesa” desde 1830, por mais tempo do que a cidade de Nice (francesa desde 1860).
Os que desejavam reter a região africana gabavam-se de que o Mediterrâneo
atravessava a França como o Sena atravessava Paris. Muitos dos europeus da
Argélia, que somavam mais de 1 milhão de pessoas, viviam no local havia
gerações. A Argélia era genuinamente a sua casa, e para eles sua perda foi
ainda mais traumática do que a derrota da França para a Alemanha em 1940.
Além
do papel central que desempenhou nesses dois conflitos, De Gaulle
contestava
a forma tradicional de os franceses pensarem sua história e sua
política.
Após retornar ao poder em 1958, ele transformou radicalmente as
instituições
políticas da França, rompendo com palavras de ordem da tradição
republicana
herdada da Revolução de 1789. Sua visão do lugar da França no
mundo,
encapsulada no esquivo conceito de “grandeza”, era admirada por
alguns
e vista por outros como pose nacionalista. Por fim, em maio de 1968,
no
crepúsculo de sua carreira, De Gaulle foi alvo da mais espetacular agitação
revolucionária
da história francesa do século XX.
Alguns
dos que o reverenciaram entre 1940 e 1944 se opuseram a ele na
questão
da Argélia; outros se opuseram nos dois conflitos; outros, ainda, o
apoiaram
em ambos; e, por fim, houve os que a ele se opuseram entre 1940 e
944
e apoiaram sua volta ao poder em 1958, antes de novamente se voltarem contra
ele. O antiamericanismo de sua política externa de grandeza atraía gente de
esquerda que ao mesmo tempo se opunha ao seu estilo autoritário de governar. Há
certa verdade no dito espirituoso de De Gaulle segundo o qual “todo mundo é,
foi ou será ‘gaullista’”. Mas também há verdade no comentário de um observador
na véspera da eleição presidencial de 1965: “À exceção dos ultrafiéis, todo
mundo foi, é ou será antigaullista. O pior é que todos somos gaullistas e
antigaullistas ao mesmo tempo, e que a divisão atravessa a consciência de cada
um de nós.”
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