SESSÃO: UMA VOLTA AO PLANETA DO FOCUS PORTAL CULTURAL. POESIAS "A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE" E "SE ALGUMA VEZ, NOS SALÕES DE UM PALÁCIO" DE CHARLES-PIERRE BAUDELAIRE.
A
QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE
Teu
ar, teu gesto, tua fronte
São
belos qual bela paisagem;
O
riso brinca em tua imagem
Qual
vento fresco no horizonte.
A
mágoa que te roça os passos
Sucumbe
à tua mocidade,
À
tua flama, à claridade
Dos
teus ombros e dos teus braços.
As
fulgurantes, vivas cores
De
tuas vestes indiscretas
Lançam
no espírito dos poetas
A
imagem de um balé de flores.
Tais
vestes loucas são o emblema
De
teu espírito travesso;
Ó
louca por quem enlouqueço,
Te
odeio e te amo, eis meu dilema!
Certa
vez, num belo jardim,
Ao
arrastar minha atonia,
Senti,
como cruel ironia,
O
sol erguer-se contra mim;
E
humilhado pela beleza
Da
primavera ébria de cor,
Ali
castiguei numa flor
A
insolência da Natureza.
Assim
eu quisera uma noite,
Quando
a hora da volúpia soa,
Às
frondes de tua pessoa
Subir,
tendo à mão um açoite,
Punir-te
a carne embevecida,
Magoar
o teu peito perdoado
E
abrir em teu flanco assustado
Uma
larga e funda ferida,
E,
como êxtase supremo,
Por
entre esses lábios frementes,
Mais
deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te,
irmã, meu veneno!
SE
ALGUMA VEZ, NOS SALÕES DE UM PALÁCIO"
Se
alguma vez, nos salões de um palácio, sobre a erva de uma vala ou na solidão
morna do vosso quarto, acordardes de uma embriaguez evanescente ou
desaparecida, perguntai ao vento, a vaga, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que
foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que
fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio,
vos responderão: São horas de vos embriagardes! Para não serdes escravos
martirizados do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! Mas de quê? De
vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas embriagai-vos!
Deslumbrai-vos!
********************************
Celebrado
como o primeiro poeta moderno e um dos escritores de mais forte influência nas
gerações posteriores mundo afora, Baudelaire contrabandeou para a poesia de sua
época, marcada pelo idealismo romântico, o mal-estar das cidades e o choque do
feio, dos temas sujos e doentios.
Ao
publicar As Flores do Mal, ele foi condenado por ofensa à moral pública. Além
de pagar uma multa em dinheiro, a justiça obrigou-o a retirar seis poemas do
volume. Os seis voltaram a integrar a obra onze anos depois, na primeira edição
póstuma do livro, em 1868.
O
primeiro texto ao lado é um desses poemas condenados, "À celle qui est
trop gaie" ("A que está sempre alegre"). Ao comentar
especificamente a censura a esse poema, Baudelaire diz: "Os juízes
julgaram descobrir um sentido a um tempo sanguinário e obsceno nas duas últimas
estrofes. A gravidade da coletânea excluía semelhantes gracejos. Mas veneno
equivalendo a spleen ou a melancolia era uma idéia muito simples para
criminalistas. Que sua interpretação sifilítica lhes fique na
consciência!"
Segundo
nota do editor francês, "a que está sempre alegre" é Apollonia
Sabatier, animadora cultural pariense, cuja casa era freqüentada por figuras
como Gustave Flaubert, Théophile Gautier e o próprio Baudelaire. A sorridente
Madame Sabatier também teve um caso com o poeta.
Outra
pequena amostra de Baudelaire vem de seu livro "Petites Poèmes en
Prose", de 1862. Trata-se do conhecido poema "Enivrez-vous"
("Embriaguem-se"). Uma curiosidade: esse texto é citado no
"Poema da Necessidade", de Carlos Drummond de Andrade:
"É
preciso estudar volapuque/ é preciso estar sempre bêbedo,/ é preciso ler
Baudelaire/ é preciso colher as flores/ de que falam velhos autores." (In
Sentimento do Mundo, 1940)
Por
fim, "O Convite à Viagem", uma simpática florzinha do mal que propõe
uma fuga para um lugar onde "tudo é paz e rigor/ luxo, beleza e
langor". Enfim, uma proposta de sonho e fuga que hoje não tem nada de
maldito. Até lembra o clima da canção de Gilberto Gil: "Vamos fugir/
Pr'outro lugar, baby/ (...) outro lugar ao sol/ Outro lugar ao sul/ Céu azul,
céu azul/ Onde haja só meu corpo nu/ Junto ao seu corpo nu".
No
Brasil, destacam-se dois tradutores d'As Flores do Mal. Um é o paulista
Guilherme de Almeida (1890-1969), que verteu 21 dos poemas, reunidos no livro
Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire (Edições de Ouro). O outro é
o carioca Ivan Junqueira (1934-), que cometeu a monumental proeza de passar ao
português todos os 167 poemas do volume. Eles estão em: Charles Baudelaire, As
Flores do Mal, edição bilíngue, tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira
(Nova Fronteira, 1985). Há ainda a tradução, igualmente completa, de Jamil
Almansur Haddad.
UM
POUCO SOBRE CHARLES-PIERRE BAUDELAIRE
CHARLES-PIERRE
BAUDELAIRE nasceu em Paris, 9 de abril
de 1821 e faleceu em Paris, 31 de agosto de 1867) foi um poeta boémio, dandy,
flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do
simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna
em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com
diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente
as artes plásticas do século XIX.
BIOGRAFIA
Nasceu
em 9 de abril de 1821 em Paris. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée
Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe
fora passado por um colega).
Em
1840, foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia,
mas nunca chegou ao destino. Para na ilha da Reunião e retorna a Paris.
Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos, vive
entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844, sua mãe entra na
justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um
notário.
Em
1857, é lançado As flores do mal, contendo 100 poemas. O autor do livro é
acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares
são apreendidos, pagando, de multa, o escritor, 300 francos, e a editora, 100
francos.
Essa
censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e
escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo
ele.
Mesmo
depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência,
entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso.
Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que, dessa forma, lhe
daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público
em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que
ele recebia da burguesia.
MORTE
Foi
na Bélgica que Baudelaire encontrou Félicien Rops, que ilustra "As flores
do mal". Durante uma visita à Igreja de St. Loup, de Namur, Baudelaire
perde a consciência. Este colapso é acompanhado por alterações cerebrais,
particularmente afasia. Desde março de 1866, ele sofre de hemiplegia. Ele
morreu de sífilis em Paris, em 31 de agosto de 1867, sem a realização do projecto
de uma edição final de "As flores do mal", como ele desejava. Ele
está enterrado no Cemitério de Montparnasse (sexta divisão), no mesmo túmulo de
seu padrasto, o general Jacques Aupick, e sua mãe. Morreu prematuramente sem
sequer conhecer a fama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário