Manoel
Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá, 19 de dezembro de 1916 e faleceu em
Campo Grande, 13 de novembro de 2014, foi um poeta brasileiro do século XX,
pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao pós-modernismo
brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas europeias do início do
século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Com 13
anos, ele se mudou para Campo Grande (MS), onde viveu pelo resto da sua vida.
Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis e foi
membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. É o mais aclamado poeta
brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia,
Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em
favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre
Nada" de 1996.
Um
ano depois do nascimento do poeta, sua família foi viver em uma propriedade
rural em Corumbá. Mudou-se sozinho quando ele era ainda criança para Campo
Grande, onde estudou em colégio interno e, mais tarde, para o Rio de Janeiro, a
fim de completar os estudos, onde formou-se bacharel em direito em 1941. Tendo
estado 10 anos em um internato, rebelou-se contra a escrita do Padre Antônio
Vieira, por lhe parecer que para aquele a frase era mais importante que a
verdade. Através da leitura da poesia em prosa de Arthur Rimbaud, Manoel de
Barros descobre que "pode misturar todos os sentidos".
Seu
primeiro livro não era de poesia, e teria se perdido em razão de uma confusão
com a polícia. Quando vivia no Rio de Janeiro, aos 18 anos, tendo entrado para
a União da Juventude Comunista, grafitou as palavras "Viva o
Comunismo" em uma estátua. Quando a polícia foi buscá-lo na pensão onde
morava, a dona do estabelecimento pediu para "não prender o menino, tão
bom que até teria escrito um livro, chamado "Nossa Senhora de Minha
Escuridão'". Tendo o policial que comandava a operação se sensibilizado, o
poeta não foi preso, mas a polícia levou o seu livro.
Embora
a poesia tenha estado presente em sua vida desde os 13 anos de idade, teria
escrito o primeiro poema somente aos 19 anos. Seu primeiro livro publicado foi
"Poemas concebidos sem pecado" (1937), feito artesanalmente por
amigos numa tiragem de 20 exemplares mais um, que ficou com ele.
Rompe
com o PCB quando o seu líder, Luís Carlos Prestes, após 10 anos de prisão
política durante o regime getulista, resolve declarar apoio ao presidente
Getúlio Vargas, que já havia entregue sua esposa Olga Benário ao regime nazista
da Alemanha, onde ela morreu.
Após
sua decepção, viveu na Bolívia, no Peru e também, durante um ano, em Nova York
onde fez um curso de cinema e pintura no Museu de Arte Moderna.
Na
década de 1960 voltou para Campo Grande, onde passou a viver como criador de
gado, sem nunca deixar de trabalhar incansavelmente em seu ofício de poeta.
Apesar
de ter escrito muitos livros durante toda a sua vida e de ter ganhado vários
prêmios literários desde 1960, durante muito tempo sua obra ficou desconhecida
do grande público. Possivelmente porque o poeta não frequentava os meios
literários e editoriais e, deduzindo-se das palavras do poeta (ele diz
"por orgulho"), por não bajular ninguém.
Seu
trabalho começou a ser valorizado, nacionalmente, a partir da descoberta deste
por parte de Millôr Fernandes, já na década de 1980. A partir daí, ganhou
reconhecimento através de vários dos maiores prêmios literários do Brasil, como
o Jabuti, em 1987, com "O guardador de águas".
Foi
considerado o maior ou um dos maiores poetas do Brasil, sendo um dos mais
aclamados nos círculos literários do seu país. Seu trabalho tem sido publicado
em Portugal, onde é um dos poetas contemporâneos brasileiros mais conhecidos, na
Espanha e na França.
POESIAS
MUSICADAS
O
cantor Márcio de Camillo, antes da morte do poeta, veio com a proposta de
musicar as suas poesias, o que resultou no CD Crianceiras com ilustrações
feitas por Martha Barros. O espetáculo roda o Brasil inteiro.
A
POESIA
Somente
após as suas duas primeiras publicações em livro, as quais expressavam um
lirismo mais impessoal e atado às convenções poéticas, a poesia de Manoel de
Barros assume as características personalíssimas que marcam a sua obra.
Na
sua obra de estreia, "Poemas concebidos sem pecado" (1937), apesar do
tom autobiográfico de poemas como "Cabeludinho", nota-se claramente a
inserção do poeta no Modernismo brasileiro de 1922, através da discussão da
tradição literária brasileira (Iracema), do Parnasianismo, e da influência de
Macunaíma de Mário de Andrade, admitida e criticada pelo próprio Barros.
Algumas construções próximas do primeiro vanguardismo europeu e da oralidade
brasileira também são perceptíveis.
Após
a publicação de "A face imóvel" (1942), sua poesia passa a ter como
"plano de fundo" o pantanal, indo sua temática, porém, para muito
além do paisagismo inócuo. Nesse universo adâmico em que os poemas se plasmam,
por meio de sua natureza e de seu cotidiano, a linguagem poética procura
transformar em tátil, olfativo, visual, gustativo e auditivo aquilo que é
paradoxalmente abstrato. Não por acaso, o filólogo Antonio Houaiss o compara a
São Francisco de Assis, "na sua humildade diante das coisas".
Transfigurando
poeticamente o universo em suas aparentes e visíveis minudências, Manoel de
Barros sublinha, em realidade, a estreita dimensão dos seres humanos diante da
natureza, diante da linguagem, diante do cosmos. Esse aspecto do pensamento
manoelino observa-se nos títulos dos seus livros, tais como "Compêndio
para uso dos pássaros" (1960), "Gramática expositiva do chão"
(1966), "Tratado geral das grandezas do ínfimo" (2001). Segundo
Leandro Valentin (2013), essa poesia dedica-se, também, à desautomatização do
olhar dos desatentos passantes frente ao universo, como no poema "O
poeta", publicado em "Ensaios Fotográficos" (2000).[8] Ainda
segundo Antonio Houaiss, a poesia de Manoel de Barros, sob aparência
surrealista, é de uma enorme racionalidade: "suas visões, oníricas num
primeiro instante, logo se revelam muito reais...".
Outras
características marcantes da poesia de Manoel de Barros são o uso de
vocabulário coloquial-rural e de uma sintaxe que homenageia a oralidade e a
oralitura, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do léxico
por meio da formação de palavras novas (neologismos). Assim, pelo uso que
Manoel de Barros faz da língua escrita, retomando e desenvolvendo o legado da
oralidade em todos os seus planos expressivos, seu trabalho tem sido muitas
vezes comparado ao de Guimarães Rosa, muitos se referindo ao poeta como
"Guimarães Rosa da poesia", mas talvez coubesse dizer que Rosa é o
"Manoel de Barros da prosa". "Desde Guimarães Rosa a nossa
língua não se submete a tamanha instabilidade semântica", teria dito o
poeta Geraldo Carneiro a seu respeito. Para além de sua complexidade e
densidade, a poesia de Manoel de Barros pode induzir os jovens leitores e
aprendizes a práticas autônomas de leitura e de decodificação das experiências
cotidianas.
Pode-se
dizer que Manoel de Barros, na poesia, tal como Guimarães Rosa na prosa, teria
levado a situações-limite aquilo que Oswald de Andrade expressava,
programaticamente, em seu Manifesto Antropófago. Sua forma de conceber as
relações entre mundo empírico e literatura muito contribui para renovar as
literaturas em línguas neolatinas, uma vez que a obra de Barros supera as
dicotomias que operam a cisão entre seres humanos e natureza, que apresentam a
natureza como um ente a ser enfrentado e dominado pelos humanos, tal como se
observa, de maneira geral, nas obras literárias do ocidente, segundo analisa
Marcelo Marinho.
Talvez,
por todas essa características, o próprio Manoel de Barros recorre a um oxímoro
para definir sua arte como "vanguarda primitiva", tendo consciência
da sua relação com as vanguardas e o modernismo brasileiro, principalmente o de
Oswald de Andrade, no que se refere à expressividade da linguagem em suas
relações ambíguas com a natureza. Manoel de Barros nunca se afasta do
"vanguardismo primitivista" (ver primitivismo), como se pode notar
pelo título "Poesia Rupestre" (2004), ganhador de vários prêmios
literários de repercussão em todo o Brasil.
MORTE
E HOMENAGEM
O
escritor morreu aos 97 anos. Ele foi internado no dia 24 de outubro de 2014 no
Proncor, em Campo Grande (MS), para uma cirurgia de desobstrução do intestino.
De acordo com o boletim médico assinado pela doutora Carmelita Vilela, o
falecimento ocorreu no dia 13 de novembro, às 8h05min, por falência de
múltiplos órgãos. Ele foi sepultado por volta das 18h no cemitério Parque das
Primaveras. O escritor completaria 98 anos em 19 de dezembro de 2014.
Foi
homenageado em 2016 e 2017 respectivamente pelas escolas de samba Sossego e
Império Serrano e em ambas as escolas contando sua vida, sagraram-se campeãs.
OBRAS
1937
— Poemas concebidos sem Pecado
1942
— Face imóvel
1956
— Poesias
1960
— Compêndio para uso dos pássaros
1966
— Gramática expositiva do chão
1974
— Matéria de poesia
1980
— Arranjos para assobio
1985
— Livro de pré-coisas
1989
— O guardador das águas
1990
— Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda
1993
— Concerto a céu aberto para solos de aves
1993
— O livro das ignorãças
1996
— Livro sobre nada
1996
— Das Buch der Unwissenheiten - Edição da revista alemã Akzente
1998
— Retrato do artista quando coisa
2000
— Ensaios fotográficos
2000
— Exercícios de ser criança
2000
— Encantador de palavras - Edição portuguesa
2001
— O fazedor de amanhecer
2001
— Tratado geral das grandezas do ínfimo
2001
— Águas
2003
— Para encontrar o azul eu uso pássaros
2003
— Cantigas para um passarinho à toa
2003
— Les paroles sans limite - Edição francesa
2003
— Todo lo que no invento es falso - Antologia na Espanha
2004
— Poemas Rupestres
2005
— Riba del dessemblat. Antologia poética — Edição catalã (2005, Lleonard Muntaner,
Editor)
2005
— Memórias inventadas I
2006
— Memórias inventadas II
2007
— Memórias inventadas III
2010
— Menino do Mato
2010
— Poesia Completa
2011
— Escritos em verbal de ave
2013 — Portas de Pedro Viana
PRÊMIOS
1960
— Prêmio Orlando Dantas - Diário de Notícias, com o livro Compêndio para uso
dos pássaros;
1966
— Prêmio Nacional de poesias, com o livro Gramática expositiva do chão;
1969
— Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, com o livro Gramática
expositiva do chão.
1989
— Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Poesia, como o livro O guardador de
águas;
1990
— Prêmio Jacaré de Prata da Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul como
melhor escritor do ano;
1996
— Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional, com o livro "Livro das ignorãnças";
1997
— Prêmio Nestlé de Poesia, com o livro: "Livro sobre nada";
1998
— Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da
obra;
2000
— Prêmio Odilo Costa Filho - Fundação do Livro Infanto Juvenil, com o livro
Exercício de ser criança;
2000
— Prêmio Academia Brasileira de Letras, com o livro Exercício de ser criança;
2002
— Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção, com O fazedor de
amanhecer;
2005
— Prêmio APCA 2004 de melhor poesia, com o livro Poemas rupestres;
2006
— Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro Poemas rupestres.
O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA - MANOEL DE BARROS
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei
mais de um menino
que
carregava água na peneira.
A
mãe disse que carregar água na peneira
era
o mesmo que roubar um vento e
sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A
mãe disse que era o mesmo
que
catar espinhos na água.
O
mesmo que criar peixes no bolso.
O
menino era ligado em despropósitos.
Quis
montar os alicerces
de
uma casa sobre orvalhos.
A
mãe reparou que o menino
gostava
mais do vazio, do que do cheio.
Falava
que vazios são maiores e até infinitos.
Com
o tempo aquele menino
que
era cismado e esquisito,
porque
gostava de carregar água na peneira.
Com
o tempo descobriu que
escrever
seria o mesmo
que
carregar água na peneira.
No
escrever o menino viu
que
era capaz de ser noviça,
monge
ou mendigo ao mesmo tempo.
O
menino aprendeu a usar as palavras.
Viu
que podia fazer peraltagens com as palavras.
E
começou a fazer peraltagens.
Foi
capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O
menino fazia prodígios.
Até
fez uma pedra dar flor.
A
mãe reparava o menino com ternura.
A
mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você
vai carregar água na peneira a vida toda.
Você
vai encher os vazios
com
as suas peraltagens,
e
algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
-
Manoel de Barros -
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