sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

MANOEL DE BARROS, POETA BRASILEIRO DO SÉCULO XX, PERTENECENTE À GERAÇÃO DE 45

 

 


Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá, 19 de dezembro de 1916 e faleceu em Campo Grande, 13 de novembro de 2014, foi um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao pós-modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas europeias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Com 13 anos, ele se mudou para Campo Grande (MS), onde viveu pelo resto da sua vida. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis e foi membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.

 

Um ano depois do nascimento do poeta, sua família foi viver em uma propriedade rural em Corumbá. Mudou-se sozinho quando ele era ainda criança para Campo Grande, onde estudou em colégio interno e, mais tarde, para o Rio de Janeiro, a fim de completar os estudos, onde formou-se bacharel em direito em 1941. Tendo estado 10 anos em um internato, rebelou-se contra a escrita do Padre Antônio Vieira, por lhe parecer que para aquele a frase era mais importante que a verdade. Através da leitura da poesia em prosa de Arthur Rimbaud, Manoel de Barros descobre que "pode misturar todos os sentidos".

 

Seu primeiro livro não era de poesia, e teria se perdido em razão de uma confusão com a polícia. Quando vivia no Rio de Janeiro, aos 18 anos, tendo entrado para a União da Juventude Comunista, grafitou as palavras "Viva o Comunismo" em uma estátua. Quando a polícia foi buscá-lo na pensão onde morava, a dona do estabelecimento pediu para "não prender o menino, tão bom que até teria escrito um livro, chamado "Nossa Senhora de Minha Escuridão'". Tendo o policial que comandava a operação se sensibilizado, o poeta não foi preso, mas a polícia levou o seu livro.

 

Embora a poesia tenha estado presente em sua vida desde os 13 anos de idade, teria escrito o primeiro poema somente aos 19 anos. Seu primeiro livro publicado foi "Poemas concebidos sem pecado" (1937), feito artesanalmente por amigos numa tiragem de 20 exemplares mais um, que ficou com ele.

Rompe com o PCB quando o seu líder, Luís Carlos Prestes, após 10 anos de prisão política durante o regime getulista, resolve declarar apoio ao presidente Getúlio Vargas, que já havia entregue sua esposa Olga Benário ao regime nazista da Alemanha, onde ela morreu.

 

Após sua decepção, viveu na Bolívia, no Peru e também, durante um ano, em Nova York onde fez um curso de cinema e pintura no Museu de Arte Moderna.

Na década de 1960 voltou para Campo Grande, onde passou a viver como criador de gado, sem nunca deixar de trabalhar incansavelmente em seu ofício de poeta.

 

Apesar de ter escrito muitos livros durante toda a sua vida e de ter ganhado vários prêmios literários desde 1960, durante muito tempo sua obra ficou desconhecida do grande público. Possivelmente porque o poeta não frequentava os meios literários e editoriais e, deduzindo-se das palavras do poeta (ele diz "por orgulho"), por não bajular ninguém.

 

Seu trabalho começou a ser valorizado, nacionalmente, a partir da descoberta deste por parte de Millôr Fernandes, já na década de 1980. A partir daí, ganhou reconhecimento através de vários dos maiores prêmios literários do Brasil, como o Jabuti, em 1987, com "O guardador de águas".

 

Foi considerado o maior ou um dos maiores poetas do Brasil, sendo um dos mais aclamados nos círculos literários do seu país. Seu trabalho tem sido publicado em Portugal, onde é um dos poetas contemporâneos brasileiros mais conhecidos, na Espanha e na França.

 

POESIAS MUSICADAS

 

O cantor Márcio de Camillo, antes da morte do poeta, veio com a proposta de musicar as suas poesias, o que resultou no CD Crianceiras com ilustrações feitas por Martha Barros. O espetáculo roda o Brasil inteiro.

 

A POESIA

 

Somente após as suas duas primeiras publicações em livro, as quais expressavam um lirismo mais impessoal e atado às convenções poéticas, a poesia de Manoel de Barros assume as características personalíssimas que marcam a sua obra.

 

Na sua obra de estreia, "Poemas concebidos sem pecado" (1937), apesar do tom autobiográfico de poemas como "Cabeludinho", nota-se claramente a inserção do poeta no Modernismo brasileiro de 1922, através da discussão da tradição literária brasileira (Iracema), do Parnasianismo, e da influência de Macunaíma de Mário de Andrade, admitida e criticada pelo próprio Barros. Algumas construções próximas do primeiro vanguardismo europeu e da oralidade brasileira também são perceptíveis.

 

Após a publicação de "A face imóvel" (1942), sua poesia passa a ter como "plano de fundo" o pantanal, indo sua temática, porém, para muito além do paisagismo inócuo. Nesse universo adâmico em que os poemas se plasmam, por meio de sua natureza e de seu cotidiano, a linguagem poética procura transformar em tátil, olfativo, visual, gustativo e auditivo aquilo que é paradoxalmente abstrato. Não por acaso, o filólogo Antonio Houaiss o compara a São Francisco de Assis, "na sua humildade diante das coisas".

 

Transfigurando poeticamente o universo em suas aparentes e visíveis minudências, Manoel de Barros sublinha, em realidade, a estreita dimensão dos seres humanos diante da natureza, diante da linguagem, diante do cosmos. Esse aspecto do pensamento manoelino observa-se nos títulos dos seus livros, tais como "Compêndio para uso dos pássaros" (1960), "Gramática expositiva do chão" (1966), "Tratado geral das grandezas do ínfimo" (2001). Segundo Leandro Valentin (2013), essa poesia dedica-se, também, à desautomatização do olhar dos desatentos passantes frente ao universo, como no poema "O poeta", publicado em "Ensaios Fotográficos" (2000).[8] Ainda segundo Antonio Houaiss, a poesia de Manoel de Barros, sob aparência surrealista, é de uma enorme racionalidade: "suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais...".

 

Outras características marcantes da poesia de Manoel de Barros são o uso de vocabulário coloquial-rural e de uma sintaxe que homenageia a oralidade e a oralitura, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do léxico por meio da formação de palavras novas (neologismos). Assim, pelo uso que Manoel de Barros faz da língua escrita, retomando e desenvolvendo o legado da oralidade em todos os seus planos expressivos, seu trabalho tem sido muitas vezes comparado ao de Guimarães Rosa, muitos se referindo ao poeta como "Guimarães Rosa da poesia", mas talvez coubesse dizer que Rosa é o "Manoel de Barros da prosa". "Desde Guimarães Rosa a nossa língua não se submete a tamanha instabilidade semântica", teria dito o poeta Geraldo Carneiro a seu respeito. Para além de sua complexidade e densidade, a poesia de Manoel de Barros pode induzir os jovens leitores e aprendizes a práticas autônomas de leitura e de decodificação das experiências cotidianas.

 

Pode-se dizer que Manoel de Barros, na poesia, tal como Guimarães Rosa na prosa, teria levado a situações-limite aquilo que Oswald de Andrade expressava, programaticamente, em seu Manifesto Antropófago. Sua forma de conceber as relações entre mundo empírico e literatura muito contribui para renovar as literaturas em línguas neolatinas, uma vez que a obra de Barros supera as dicotomias que operam a cisão entre seres humanos e natureza, que apresentam a natureza como um ente a ser enfrentado e dominado pelos humanos, tal como se observa, de maneira geral, nas obras literárias do ocidente, segundo analisa Marcelo Marinho.

 

Talvez, por todas essa características, o próprio Manoel de Barros recorre a um oxímoro para definir sua arte como "vanguarda primitiva", tendo consciência da sua relação com as vanguardas e o modernismo brasileiro, principalmente o de Oswald de Andrade, no que se refere à expressividade da linguagem em suas relações ambíguas com a natureza. Manoel de Barros nunca se afasta do "vanguardismo primitivista" (ver primitivismo), como se pode notar pelo título "Poesia Rupestre" (2004), ganhador de vários prêmios literários de repercussão em todo o Brasil.

 

MORTE E HOMENAGEM

 

O escritor morreu aos 97 anos. Ele foi internado no dia 24 de outubro de 2014 no Proncor, em Campo Grande (MS), para uma cirurgia de desobstrução do intestino. De acordo com o boletim médico assinado pela doutora Carmelita Vilela, o falecimento ocorreu no dia 13 de novembro, às 8h05min, por falência de múltiplos órgãos. Ele foi sepultado por volta das 18h no cemitério Parque das Primaveras. O escritor completaria 98 anos em 19 de dezembro de 2014.

Foi homenageado em 2016 e 2017 respectivamente pelas escolas de samba Sossego e Império Serrano e em ambas as escolas contando sua vida, sagraram-se campeãs.

 

OBRAS

 

1937 — Poemas concebidos sem Pecado

1942 — Face imóvel

1956 — Poesias

1960 — Compêndio para uso dos pássaros

1966 — Gramática expositiva do chão

1974 — Matéria de poesia

1980 — Arranjos para assobio

1985 — Livro de pré-coisas

1989 — O guardador das águas

1990 — Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda

1993 — Concerto a céu aberto para solos de aves

1993 — O livro das ignorãças

1996 — Livro sobre nada

1996 — Das Buch der Unwissenheiten - Edição da revista alemã Akzente

1998 — Retrato do artista quando coisa

2000 — Ensaios fotográficos

2000 — Exercícios de ser criança

2000 — Encantador de palavras - Edição portuguesa

2001 — O fazedor de amanhecer

2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo

2001 — Águas

2003 — Para encontrar o azul eu uso pássaros

2003 — Cantigas para um passarinho à toa

2003 — Les paroles sans limite - Edição francesa

2003 — Todo lo que no invento es falso - Antologia na Espanha

2004 — Poemas Rupestres

2005 — Riba del dessemblat. Antologia poética — Edição catalã (2005, Lleonard Muntaner, Editor)

2005 — Memórias inventadas I

2006 — Memórias inventadas II

2007 — Memórias inventadas III

2010 — Menino do Mato

2010 — Poesia Completa

2011 — Escritos em verbal de ave

2013 — Portas de Pedro Viana



 

PRÊMIOS

 

1960 — Prêmio Orlando Dantas - Diário de Notícias, com o livro Compêndio para uso dos pássaros;

1966 — Prêmio Nacional de poesias, com o livro Gramática expositiva do chão;

1969 — Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, com o livro Gramática expositiva do chão.

1989 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Poesia, como o livro O guardador de águas;

1990 — Prêmio Jacaré de Prata da Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul como melhor escritor do ano;

1996 — Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional, com o livro "Livro das ignorãnças";

1997 — Prêmio Nestlé de Poesia, com o livro: "Livro sobre nada";

1998 — Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da obra;

2000 — Prêmio Odilo Costa Filho - Fundação do Livro Infanto Juvenil, com o livro Exercício de ser criança;

2000 — Prêmio Academia Brasileira de Letras, com o livro Exercício de ser criança;

2002 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção, com O fazedor de amanhecer;

2005 — Prêmio APCA 2004 de melhor poesia, com o livro Poemas rupestres;

2006 — Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro Poemas rupestres.







O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA - MANOEL DE BARROS

 

 

 

 

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

 

- Manoel de Barros -








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