ENTREVISTA COM A PRINCESA CARALÂMPIA
Dalma Nascimento. Por que optou por
medicina/
Nise da Silveira – A medicina me
pareceu mais adaptável à minha personalidade: ajudar os outros.
D.N. – Era bem vista pelos colegas num
tempo de tantas restrições à mulher?
N.S. – Não fui a única mulher da turma.
Havia outra, mas não continuou. Meus colegas me aceitavam cordialmente, porque
eu não permitia a distinção entre homem e mulher. Hostilidade, sim, de alguns
professores.
D.N – Ao concluir medicina, aos 21
anos, fez um trabalho sobre a criminalidade das mulheres baianas (ladras,
assassinas, prostitutas). Por que o interesse por seres marginais?
N.S. Foi minha tese de doutoramento.
Interessei-me pelo tema por serem estas mulheres mais infelizes e rejeitadas
pelos arrogantes indivíduos que se julgam normais.
D.N. – E o conhecimento de Jung?
Frequentou algum seminário dele?
N.S. – Não, ele não dava mais
seminários, mas frequentei o Instituto Jung (Zurique, Suíça),. Fiz análise
individual com Marie Louise von Franz e segui seus cursos.
D.N. – Como iniciou sua luta contra os
tratamentos e iniquidades?
N.S. – Fiz concurso para médico no Rio
(Centro Psiquiátrico Pedro II). Por vocação, continuei ligando-me aos
oprimidos. Aí, fui para a cadeia, passei um ano e quatro meses presa, sem
processo, sem qualquer acusação e defesa. Isso apenas por ter livros e ligações
com pessoas da esquerda. Minha reação é de total revolta contra as ditaduras.
D.N.. – E suas companheiras de cela?
Relate esta dolorosa experiência.
N.S. – Algumas eu já conhecia. De
outras, me tornei amiga na prisão. Maria Werneck faleceu há pouco tempo. Eneida
Valentina Barbosa Bastos, uma pessoa de alta inteligência! Elisa Berger, grande
mulher, corajosa, culta, tinha o leito junto ao meu. Olga Prestes foi para a
Alemanha, grávida entregue aos criminosos nazistas. Por ser judia, terminou no
forno de gás. Elisa, por ser alemã, foi decapitada.
D.N.– E sua amizade com Graciliano
Ramos? Várias vezes, com admiração e estima, ele a cita em "Memórias do
Cárcere". Houve um maior envolvimento entre ambos?
N.S. – Não, apenas uma grande amizade.
Nós nos entendíamos muito bem, éramos afins de temperamento. Depois da prisão,
sempre nos visitávamos. Amizades feitas em cadeia permanecem.
D.N. – Por que ele a chamou de
“Princesa Caralâmpia”?
N.S. – Caralâmpia é um termo lúdico.
Eu o uso, há anos, em vários sentidos. Por exemplo, eu olho para você e digo:
hoje está com uma cara caralâmpica. Na prisão, o nome cresceu. Ao sair de lá,
Graça escreveu o livro infantil "O mundo dos meninos pelados, governado
pela Princesa Caralâmpia.
D.N. – E os gatos? Por que usa a
terapia dos animais nos acompanhamentos clínicos?
N.S.–Os internos precisam desse elo
com o mundo. Os gatos são afetuosos, leais e altivos. Se bem tratados,
correspondem; se não, tem-se que reconquistá-los.
D. N. – Spinoza, uma de suas paixões,
teria a ver com os “inumeráveis e perigosos estágios do ser”? Ou esta ideia é
de Artaud, sobre quem também escreveu um livro?
N. S. – Não creio que Spinoza tenha
falado sobre isso. O tema liga-se, de fato, a Artaud.
D. N. – Qual o momento mais decisivo
de sua vida?
N. S. – É difícil dizer. Talvez o da
saída da cadeia.
D. N. – A mulher intelectual,
benemérita da humanidade, conciliou este aspecto com o casamento?
N. S. – Quanto à vida doméstica e a
meu marido, não houve problemas. Ele era também médico, de especialidade
diferente, mas tínhamos pontos de contacto. Era socialista, o que nos ligou
muito. Aplicava interpretações marxistas à saúde pública, embora fosse mais
prático do que eu, bem mais sonhadora.
P.S - Publicado hoje, no face. com
cortes. Primeira publicação na Tribuna da Imprensa, em 23/03/1995, com o título
“A princesa Caralâmpia de um reino sem grades”, quando ela fez 90 anos.
Republicado em 15/03/1997, em O Correio, título: “Nise da Silveira, o farol dos
alienados e as imagens do inconsciente”. Artigo e entrevista completos em meu
livro ''Antígonas da Modernidade"
COMENTÁRIO DE ALBERTO ARAÚJO
Nota 1.000!!! Para essa entrevista com
a Dra. Nise da Silveira, inclusive, para todos nós da literatura/cultura será
sempre uma preciosidade. Uma mina rara de sabedoria no coração da cultura
brasileira. Muito obrigado professora Dalma Nascimento por "republicar"
no Facebook a magnífica entrevista que Dra. Nise da Silveira concedeu a você, em
março de 1995, quando completara 90 anos. Entrevista essa que foi publicada em
sua importante obra "ANTÍGONAS DA MODERNIDADE - Performances femininas na
vida real ou na ficção literária, a qual tem o selo da Editora Tempo Brasileiro,
2013, páginas 131, 132, 133, 134. Tenho essa espetacular obra, e estou com o
livro nas mãos, mas é sempre bom "reler" algo altamente, informativo
e fascinante. Imprimi e reli há pouco, dediquei a entrevista de Dra. Nise da
Silveira à minha esposa Shirley. Como a senhora sabe, ambas têm tudo a ver com
a fecundante força expressiva da psiquiatria. OBRIGADO, mil vezes OBRIGADO.
Abraços do ALBERTO ARAÚJO.
Nenhum comentário:
Postar um comentário