sábado, 17 de maio de 2025

NAS ÁGUAS DE UM RIO (VELHO MONGE) – POESIA DE ALBERTO ARAÚJO – VOZ DE ANNA MÜLLER

 



Nas páginas de um rio, nasci, cresci...  

Sobre as eméritas e bentas mãos 

do Rei nordestino, eu vivi. 

 

Rio longo e jocoso, que sacia a fome 

e a sede do homem que ali sobrevive. 

 

Traz na própria sina, uma réstia,

uma grande goela, uma virtude. 

 

Aflora-se essências 

de juventude. 

 

Beija toda a terra 

do norte ao sul piauiense 

e nasce nos contrafortes 

da chapada Mangabeirense. 

 

Mas existem 

equívocos em ritmos propositais, 

que o destroem. 

Algos insanos que os destoam. 

Destroços desatentos. 

Imundícies plenas

Jogadas em seu peito.

 

E a matéria por muito 

não resistirá a viagem. 

Velho Monge que tanto cuida, 

agora pede ajuda! 

 

Queiras criar o poema 

em absoluto desvario. 

Mas da própria mão 

que escreves o poema 

salvas este grande rio. 

 

By © Alberto Araújo

 

****************

 

ANÁLISE DA POESIA EM "NAS ÁGUAS DE UM RIO" DE ALBERTO ARAÚJO: UM CANTO DE NASCIMENTO, VIDA E AGONIA POR ANNA MÜLLER.

 

O poema "Nas Águas de um Rio" de Alberto Araújo, sob o pseudônimo de Velho Monge, tece uma rica tapeçaria de imagens e sentimentos, personificando um rio que é palco de nascimento, crescimento, sustento e, infelizmente, de crescente degradação. Através de uma linguagem simples, porém carregada de simbolismo, o poeta nos convida a uma reflexão profunda sobre a relação entre o ser humano e a natureza, especialmente a vitalidade e a vulnerabilidade dos rios. 

Das Páginas ao Reino: Nascimento e Crescimento às Margens do Rio 

Os versos iniciais, "Nas / páginas de um rio, / nasci, / cresci...", estabelecem de imediato a metáfora central do poema. O rio é apresentado como um livro da vida, onde o eu lírico (que se identifica com o próprio rio) tem sua origem e desenvolvimento. A preposição "nas" enfatiza a imersão e a dependência desde o princípio. A brevidade e a força das palavras "nasci, cresci" condensam um longo período de existência e evolução, intrinsecamente ligados ao curso d'água. 

A menção ao "rei / nordestino" e suas "eméritas e bentas mãos" eleva o rio a um patamar de importância cultural e histórica para a região. Essa figura régia, possivelmente uma alusão a líderes ou à própria força da natureza nordestina, abençoa e testemunha a vida que floresce às margens do rio. A expressão "eu vivi" reforça a experiência e a centralidade do rio na vida da comunidade. 

Sustento e Essência: A Dádiva do Rio 

A estrofe seguinte exalta a função primordial do rio como fonte de vida: "Rio / longo e jocoso / que / sacia a fome / e a / sede do homem / que ali / sobrevive." O adjetivo "jocoso" sugere a vitalidade e o movimento constante do rio, contrastando com a seriedade da sua função de prover sustento. A repetição da conjunção "e a" enfatiza a dualidade das necessidades humanas básicas atendidas pelo rio. A expressão "que ali / sobrevive" ressalta a dependência da comunidade ribeirinha para com essa dádiva natural. 

O rio é também portador de uma "própria sina", que inclui uma "réstia, uma grande / goela, / uma virtude". A "réstia" pode simbolizar um traço de esperança ou um resquício de pureza. A "grande goela" evoca a sua capacidade de engolir e carregar consigo elementos, tanto benéficos quanto prejudiciais. A "virtude" reside na sua essencial capacidade de gerar e manter a vida. 

A imagem de "Aflora-se / essências / de / juventude" sugere que o rio é um local de renovação e vitalidade, onde a energia da juventude se manifesta e se nutre. O ato de "Beija / toda a terra / do / norte ao sul piauiense" personifica o rio como uma entidade que abrange e conecta vastas extensões geográficas, desde suas nascentes "nos contrafortes / da / chapada Mangabeirense" até suas áreas mais distantes. Essa abrangência territorial reforça sua importância regional.

A Sombra da Degradação: Equívocos e Imundícies 

A mudança de tom é abrupta e dolorosa na sétima estrofe: "Mas / existem / equívocos / em ritmos propositais, / que o / destroem. / Algos / insanos que os destoam. / Destroços / desatentos. / Imundícies / plenas." A conjunção adversativa "Mas" introduz a dura realidade da degradação ambiental. Os "equívocos em ritmos propositais" sugerem ações humanas deliberadas que prejudicam o equilíbrio natural do rio. Os "algos insanos" e os "destroços desatentos" apontam para a irracionalidade e a negligência que levam à poluição. A intensidade das palavras "destroem" e "imundícies plenas" transmite a gravidade da situação. 

A constatação de que "E a / matéria por muito / não / resistirá a viagem" revela a fragilidade do rio diante da contaminação. A "viagem" pode ser interpretada tanto como o curso físico do rio quanto como a sua jornada através do tempo. A matéria, aqui, representa a própria essência vital do rio, que se encontra ameaçada.

O Apelo do Velho Monge: Um Chamado à Ação

A figura do "Velho / Monge / que / tanto cuida" emerge como a personificação da sabedoria e da preocupação com o rio. O advérbio "tanto" enfatiza a dedicação e o zelo desse guardião. O verso "agora / pede ajuda!" é um grito de socorro, uma súplica diante da iminente destruição. 

O apelo final, direcionado ao leitor ("Queiras / criar o poema / em / absoluto desvario. / Mas da / própria mão / que / escreves o poema / salvas / este grande rio."), transcende a mera contemplação poética. O "absoluto desvario" pode ser interpretado como a necessidade de uma ação urgente e talvez até radical para reverter a situação. A força da imagem da "própria mão / que / escreves o poema" sugere que a responsabilidade de salvar o rio reside em cada indivíduo, através da conscientização e da ação concreta. O ato de escrever o poema, portanto, não é apenas uma expressão artística, mas um ato de engajamento e um chamado à preservação.

Conclusão: Uma Poética de Urgência e Esperança 

"Nas Águas de um Rio" é um poema que pulsa com a vida e a agonia de um ecossistema vital. Alberto Araújo, na voz do Velho Monge, utiliza uma linguagem acessível para transmitir uma mensagem profunda sobre a interdependência entre o ser humano e a natureza. A jornada do rio, desde o nascimento e o sustento até a ameaça da destruição, espelha a fragilidade do meio ambiente diante da ação humana. O poema se configura como um alerta, um apelo urgente à consciência e à ação, transformando a beleza da linguagem poética em um instrumento de defesa e esperança para a preservação dos nossos rios. A salvação do rio, metaforicamente, reside na própria capacidade humana de reconhecer o seu valor intrínseco e de agir para protegê-lo. 

© Alberto Araújo

 



 

 

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