O tempo não se esvai como fumaça rala; ele se deposita, estrato sobre estrato, como as camadas geológicas que guardam a memória ancestral da Terra. Em nós, o tempo esculpe uma paisagem interior feita de vales de esquecimento e picos de lembrança vívida. Cada ano vivido, cada instante crucial, sedimenta-se, formando um solo fértil onde brotam as ervas daninhas da nostalgia e as flores raras da saudade.
Percorrer essa topografia íntima é como descer a um abismo onde a luz do presente mal alcança. Encontramos ali os detritos de outrora: a melodia de uma canção longínqua que ecoa espectralmente, o aroma fugaz de um perfume que já não existe, a textura áspera de um objeto há muito perdido. Cada vestígio palpável nos reconecta com a densidade daquele momento, com as emoções puras e, por vezes, dolorosas que o tingiram.
As alegrias da infância jazem sob a camada mais recente de preocupações adultas, mas podem ser desenterradas por um brinquedo esquecido ou o sabor de um doce familiar. Os lutos, profundas fendas na alma, permanecem como cicatrizes sensíveis, prontas a se reabrirem sob o impacto de uma palavra ou um olhar. E os amores? Ah, os amores se distribuem em diferentes estratos, alguns fossilizados em juras eternas, outros reduzidos a fragmentos brilhantes de uma paixão fugaz.
Essa natureza estratificada do tempo nos torna seres complexos, carregados de histórias silenciosas que moldam nosso presente. Somos a soma de todas as nossas camadas, a coexistência de todos os nossos "eus" que se sobrepuseram e se transformaram. Olhar para dentro é contemplar essa arqueologia pessoal, reconhecer as marcas do tempo em cada gesto, em cada escolha, em cada cicatriz da alma.
E assim, seguimos adiante, depositando
novas camadas sobre as antigas, sabendo que o futuro também se tornará passado,
um estrato a mais nessa intrincada geologia do ser. A beleza reside em
reconhecer essa profundidade, em honrar cada camada que nos compõe, pois é
nessa acumulação de vivências que reside a riqueza e a singularidade da nossa
jornada através do tempo.
© Alberto Araújo
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