segunda-feira, 22 de setembro de 2025

TROCADÉRO ET LA TOUR EIFFEL AU FOND — UM ENSAIO SOBRE O OLHAR, A MEMÓRIA E A MONUMENTALIDADE - PARA MARCO ANTONIO MARTINS PEREIRA - ENSAIO DE ALBERTO ARAÚJO


A imagem do Trocadéro com a Torre Eiffel ao fundo não é apenas uma composição fotográfica: é uma síntese da relação entre espaço, tempo e cultura. Ao compartilhar essa cena em sua página, o professor Marco Antonio Martins Pereira nos convida a refletir sobre o modo como os lugares se tornam significativos — não apenas por sua arquitetura ou função, mas pelo que evocam em nossa imaginação histórica e afetiva.

O Trocadéro, situado no coração de Paris, é mais do que um mirante privilegiado. É um palimpsesto urbano onde camadas de história se sobrepõem: da Exposição Universal de 1937, que remodelou parte da área e deixou marcas no Palais de Chaillot, ao discurso de Charles de Gaulle, líder da França Livre, que utilizou o espaço como palco simbólico em momentos decisivos. O Palais de Chaillot, com suas colunatas e estátuas douradas, representa a permanência do clássico em meio à efervescência do contemporâneo. As esculturas, imóveis e silenciosas, observam o fluxo humano com a serenidade de quem já testemunhou séculos de transformações.

Ao fundo, a Torre Eiffel ergue-se como símbolo ambíguo. Construída para ser temporária — Gustave Eiffel projetou-a para a Exposição Universal de 1889, com previsão de desmontagem após 20 anos —, tornou-se permanente. Rejeitada por intelectuais do século XIX, como Guy de Maupassant, que a consideravam uma “mancha” na paisagem parisiense, foi posteriormente abraçada como ícone nacional. A torre não é apenas um marco turístico: é um monumento à engenharia, à audácia estética e à capacidade humana de reinventar o horizonte. Ela representa o triunfo da técnica sobre o ornamento, mas também a capacidade da técnica de se tornar poética.

O título da postagem — Trocadéro et la Tour Eiffel au fond — carrega uma sutileza semântica. O “au fond” não é apenas uma indicação espacial; é uma provocação filosófica. O que está “ao fundo” é também aquilo que sustenta o primeiro plano. A Torre, embora distante na imagem, é o eixo simbólico que organiza o olhar. Ela é o pano de fundo que dá sentido à cena, como a memória que estrutura a identidade.

O olhar

O Trocadéro é um lugar de observação. Ali, o visitante não apenas vê Paris — ele é convidado a pensar sobre o ato de ver. A composição da imagem sugere uma pedagogia do olhar: as linhas arquitetônicas conduzem o olhar à Torre, mas também o dispersam pelas esculturas, pelo céu nublado, pelo chão molhado. O olhar não é passivo; ele é construído. Walter Benjamin, filósofo alemão que analisou a experiência urbana, lembrava que a cidade é feita de “imagens dialéticas” — momentos em que o passado e o presente se encontram num mesmo enquadramento. O Trocadéro é um desses lugares.

Marguerite Duras, escritora francesa, dizia que “ver é esquecer o nome daquilo que se vê” — e talvez seja essa a lição do Trocadéro: libertar o olhar das etiquetas turísticas e permitir que a cena se revele como experiência sensível, não apenas como registro.

A memória

Cada elemento da imagem carrega uma memória. As estátuas remetem à tradição clássica; o Palais de Chaillot evoca a arquitetura institucional da República; a Torre Eiffel, por sua vez, é memória viva da modernidade. Mas há também a memória cotidiana: os passos dos turistas, os gestos dos fotógrafos, os encontros fugazes. Michel de Certeau, historiador e filósofo francês, diria que caminhar pela cidade é escrever sobre ela com o corpo — e no Trocadéro, cada visitante acrescenta uma frase a essa narrativa coletiva.

Victor Hugo, autor de Os Miseráveis, via Paris como um texto vivo e escreveu que “a cidade é um livro; quem anda por ela lê páginas que não estão escritas”. No Trocadéro, essas páginas são feitas de pedra, ferro e água — e de olhares que se cruzam sem se deter.

A monumentalidade

Por fim, o ensaio nos leva a pensar sobre o sentido dos monumentos. O que torna algo monumental? Não é apenas sua escala física, mas sua capacidade de condensar significados. A Torre Eiffel é monumental porque transcende sua materialidade. Ela é símbolo, metáfora, horizonte. Roland Barthes, semiólogo francês, observou que a Torre é “um objeto que vê, e que se deixa ver” — um mediador entre o céu e a terra, entre o indivíduo e a cidade. O Trocadéro, ao enquadrá-la, participa dessa monumentalidade. Ele não é apenas suporte — é coautor da cena.

Paul Valéry, poeta e ensaísta, lembrava que “o mais profundo é a pele” — e talvez seja essa a chave para entender a monumentalidade parisiense: ela não está apenas na estrutura, mas na superfície que se oferece ao olhar, na pele da cidade que reflete luz, sombra e história.

Cultura e permanência

O diálogo entre o Trocadéro e a Torre Eiffel é também um diálogo entre culturas. O clássico e o moderno, o dourado das esculturas e o cinza do ferro, o peso da história e a leveza da inovação. É um encontro que lembra que a cultura não é estática: ela se constrói na tensão entre permanência e mudança. Paris, nesse sentido, é uma cidade que sabe preservar o passado sem renunciar ao futuro.

Em tempos de aceleração e superficialidade, o gesto de compartilhar uma imagem como essa é um ato de resistência. É um convite à contemplação, à reflexão, à escuta do espaço. O professor Marco Antonio Martins Pereira, ao fazer isso, não apenas nos mostra Paris — ele nos ensina a pensar com Paris. E pensar com Paris é, inevitavelmente, pensar sobre nós mesmos: sobre o que escolhemos ver, lembrar e tornar monumental.

© Alberto Araújo 


 

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