No dia 17 de setembro de 1894, a Confeitaria Colombo abriu suas portas na Rua Gonçalves Dias, no coração do Rio de Janeiro. Era apenas o começo de uma história que se tornaria lenda. Ali, entre espelhos belgas, vitrais coloridos e móveis de jacarandá, nascia um espaço destinado não só à doçaria, mas à própria alma da cidade. Hoje, 131 anos depois, a Colombo celebra seu aniversário com uma fachada coberta de flores, como se cada pétala fosse um poema ofertado ao tempo.
Sempre foi assim: mais do que confeitaria, a Colombo é uma crônica permanente. É cenário, memória e testemunha. Não apenas bolos, cafés e chocolates; mas encontros, confidências e inspirações. Quem se senta em suas mesas experimenta não só o sabor dos doces, mas a densidade de uma tradição que atravessou guerras, mudanças políticas, alegrias e crises, e permaneceu, firme, como um espelho da Cidade Maravilhosa.
Nas minhas duas visitas, vivi essa experiência. Na primeira, deslumbrei-me como criança diante de uma vitrine de tesouros: pequenos doces enfeitados, tortinhas cobertas de frutas, brigadeiros delicados. Provei vários, como quem degusta pedaços de memória. Acompanhei com um café expresso forte, encorpado, que parecia despertar também os séculos gravados nas paredes. Minha esposa preferiu um chocolate quente, denso e aromático, que envolvia os lábios como um abraço. Ao final, levamos uma caixa de guloseimas para casa, porque certos instantes merecem ser prolongados no depois.
Na segunda vez, o encanto foi ainda maior. Já conhecendo o salão, pude observar melhor as pessoas: turistas hipnotizados pela claraboia monumental, mães oferecendo aos filhos o primeiro pedaço de bolo, casais que trocavam olhares cúmplices diante das vitrines. Descobri que a Colombo é feita de vidas anônimas que se entrelaçam à história dos célebres. Cada café servido é uma ponte invisível entre quem fomos e quem somos.
E que célebres! Machado de Assis teria passeado o olhar atento entre as mesas; Olavo Bilac talvez tivesse exaltado em versos a imponência dos vitrais; Lima Barreto, melancólico e crítico, teria anotado nas entrelinhas o contraste social que ali se revelava. José do Patrocínio e Rui Barbosa discutiram ideias que atravessariam décadas. Chiquinha Gonzaga trouxe música rebelde e terna. Villa-Lobos colheu inspiração no burburinho. Mais tarde, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até o rei Alberto I da Bélgica cruzaram suas portas. A Colombo sempre foi palco da História.
Mas o que mais me comove é o presente: eu, sentado diante do café fumegante, ao lado da mulher que amo, partilhando doces e memórias. Percebi que a tradição não é apenas passado, mas uma chama que continua a se acender em cada visita. O café que tomei não era apenas bebida; era um elo invisível entre 1894 e 2025.
Por isso, a fachada florida tem algo de sagrado. As flores são efêmeras, mas sua mensagem é eterna: renovar-se sem perder a essência. Vestida de primavera, a Colombo nos convida a acreditar que a beleza pode resistir, mesmo em tempos apressados, e que a poesia pode estar contida numa simples xícara de café.
Ao sair dali, ainda com o sabor doce no paladar e o coração leve, pensei: o Rio precisa de lugares assim, onde o tempo não nos escapa, mas nos abraça. Aos 131 anos, a Confeitaria Colombo não é apenas um endereço: é uma lição de permanência. É literatura em mármore, música em vitral, poesia em açúcar.
E que continue, sempre. Parabéns, Colombo! Que cada setembro traga novas flores, novas histórias e novos cafés servidos com a mesma alma de 1894.
© Alberto Araújo
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